
O Mundo Agora - Trump vive solidao inedita na Casa Branca por erros estrategicos e ataques massivos de adversarios
RFI
Crônica semanal de geopolítica internacional. Os fatos que são notícia no mundo analisados por Thiago de Aragão, direto dos Estados Unidos, e Thomás Zicman de Barros, da Europa.
Location:
Paris, France
Networks:
RFI
Description:
Crônica semanal de geopolítica internacional. Os fatos que são notícia no mundo analisados por Thiago de Aragão, direto dos Estados Unidos, e Thomás Zicman de Barros, da Europa.
Twitter:
@rfi_brasil
Language:
Galician
Contact:
116, Avenue du Président Kennedy Paris, France 1 5640 1212 / 2907
Email:
rfi.portugues@rfi.fr
Episodes
Eventuais sanções de Trump contra o ministro Alexandre de Moraes teriam impacto limitado
6/2/2025
Em fevereiro de 2025, a Trump Media & Technology Group e a plataforma Rumble Inc. ingressaram com uma ação judicial na Corte Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Médio da Flórida contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, Alexandre de Moraes.
Thiago de Aragão, analista político
A alegação central era de que as ordens emitidas por Moraes, que determinavam a suspensão de contas na plataforma Rumble, violavam a Primeira Emenda da Constituição americana, que protege a liberdade de expressão. As empresas buscavam uma declaração de que tais ordens eram inexequíveis nos Estados Unidos.
A ação foi rejeitada pela corte americana com base na falta de jurisdição e na ausência de notificação adequada, conforme exigido pela Lei de Imunidades Soberanas Estrangeiras (FSIA). Segundo a FSIA, Estados estrangeiros e seus representantes gozam de imunidade de jurisdição nos tribunais dos EUA, salvo exceções específicas, como atividades comerciais ou violações de direitos humanos.
Além disso, o Departamento de Justiça dos EUA comunicou ao ministro Moraes que suas ordens não eram executáveis em território americano, ressaltando que qualquer tentativa de impor decisões judiciais estrangeiras no país deve seguir os procedimentos legais internacionais apropriados.
Tensão entre Brasil e EUA
A situação gerou tensões diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos. O governo brasileiro, por meio do Ministério das Relações Exteriores, expressou preocupação com a distorção das decisões judiciais brasileiras e reafirmou a soberania nacional.
Paralelamente, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, indicou que sanções contra Moraes estavam sob consideração, com base na Lei Magnitsky, que permite sanções a indivíduos estrangeiros envolvidos em corrupção ou violações de direitos humanos.
A recente iniciativa do governo Trump de considerar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, sob a alegação de censura a plataformas digitais americanas, representa um marco delicado nas relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos.
Essa medida, impulsionada por pressões de aliados de Jair Bolsonaro, como seu filho Eduardo Bolsonaro, e por figuras influentes como Elon Musk, sinaliza uma tentativa de intervenção direta em assuntos internos do Brasil, especialmente no que tange à atuação do Supremo Tribunal Federal em defesa da ordem democrática.
A possibilidade de sanções, incluindo restrições de visto e congelamento de bens, conforme previsto na Lei Magnitsky, não apenas desafia a soberania brasileira, mas também ameaça desestabilizar uma parceria histórica entre as duas maiores economias do Hemisfério Ocidental.
Especialistas alertam que tal ação pode desencadear uma crise diplomática sem precedentes, com o Brasil buscando apoio em outras esferas internacionais e reavaliando suas alianças estratégicas.
Recursos significativos
Embora a retórica do governo Trump sugira uma postura firme contra o ministro Alexandre de Moraes, na prática, essa questão não figura entre as prioridades estratégicas da administração. Com desafios mais prementes, como as tensões comerciais com a China e a situação na Ucrânia, é improvável que o governo dedique recursos significativos para impor sanções a um juiz estrangeiro.
Além disso, eventuais sanções, como restrições de visto ou bloqueio de ativos nos EUA, teriam impacto limitado na atuação de Moraes, que concentra suas atividades no Brasil e não depende de ativos ou viagens aos Estados Unidos.
Portanto, embora a ameaça de sanções possa gerar repercussões políticas e midiáticas, seus efeitos práticos sobre o ministro e sobre as relações bilaterais tendem a ser mais simbólicos do que substanciais.
Este caso destaca os desafios legais e diplomáticos em um mundo interconectado, onde ações de autoridades nacionais podem ter repercussões globais. A tentativa de aplicar princípios constitucionais americanos a decisões judiciais brasileiras evidencia as complexidades de conciliar diferentes sistemas...
Duration:00:04:21
Islamofobia à francesa: racismo sistêmico se traveste de 'neutralidade' para excluir muçulmanos
5/27/2025
Um relatório oficial sem provas reativou, na França, a figura do muçulmano como "inimigo interno". A islamofobia, longe de ser um desvio, tornou-se linguagem institucional — e disfarça, sob a ideia de laicidade, um racismo sistêmico.
Thomás Zicman de Barros, analista político
Na França de hoje, o racismo nem sempre aparece de forma explícita. Em vez de falar diretamente sobre raça, ele se disfarça de preocupação com a religião — quase sempre, com o Islã.
A figura do muçulmano acaba reunindo, num só alvo, preconceitos franceses ligados tanto à cor da pele, quanto à fé. No Brasil, os debates sobre racismo e sobre a presença da religião na política ganharam força nos últimos anos, mas costumam seguir caminhos separados.
Na França, ao contrário, esses temas se misturam. Em nome de uma suposta neutralidade do Estado — o chamado princípio da laicidade —, a exclusão de certos grupos se torna não só tolerada, mas legitimada.
Essa lógica ficou escancarada mais uma vez na última semana, com a publicação de um relatório oficial do Ministério do Interior francês que denuncia — sem apresentar nenhuma evidência concreta — uma suposta tentativa de infiltração da Irmandade Muçulmana nas instituições republicanas.
A Irmandade é um movimento islâmico fundado no Egito, que defende a organização da sociedade com base em princípios religiosos. Já foi uma força política relevante em alguns países, mas hoje está em franca decadência. Como em qualquer sociedade democrática, grupos fanatizados — de qualquer orientação ideológica ou religiosa — devem ser acompanhados com atenção dentro dos territórios.
“Ameaça” interna
No entanto, os dados disponíveis indicam que apenas uma parcela ínfima dos muçulmanos na França se identifica com posições dessa natureza. Mesmo assim, o relatório francês, intitulado “A Irmandade Muçulmana e o islamismo político na França”, mistura suspeitas vagas e insinuações, sugerindo que qualquer cidadão muçulmano poderia ser um agente infiltrado do fanatismo religioso.
A rigor, não deveria passar de um panfleto com teorias conspiratórias típicas da extrema direita. Apesar disso, o relatório foi recebido com estardalhaço pela imprensa francesa, pelo próprio governo, e pelo presidente Emmanuel Macron, que decidiu convocar o Conselho de Defesa — uma instância reservada normalmente a discutir guerras e ameaças externas — para tratar da “ameaça” interna.
Racismo instrumentalizado
Chama atenção o fato de que, hoje em dia, e cada vez mais, o muçulmano ocupa na França o papel que cabia ao judeu há 100, 120 anos. São grupos discriminados, marginalizados, mas aos quais se atribui superpoderes. O "inimigo interno", insidioso, invisível.
O muçulmano hoje, como o judeu no passado, estaria por todos os lados, e controlaria — ou tentaria controlar — o país na surdina.
É importante lembrar que a islamofobia não é exclusividade da extrema direita. Ela se faz presente por todo o espectro político francês — na direita, no centro e até mesmo em parte da esquerda dita “republicana” — tornando-se compatível com os racistas históricos e até ajudando a normalizá-los.
E não se trata aqui de uma mera tática eleitoral para conquistar um eleitorado racista ou para desviar o foco de problemas reais — embora também seja tudo isso —, mas do reflexo de uma hegemonia cultural profundamente enraizada. A islamofobia impregnou alguns dos princípios fundamentais da cultura política francesa.
Leia tambémPichações islamofóbicas em centro muçulmano chocam a França dois dias antes do Ramadã
Ela colonizou noções centrais do republicanismo francês, a começar por seu pilar fundante: a laicidade, o princípio da separação entre Estado e religião. A forma como essas ideias são entendidas hoje reproduz em seu cerne a islamofobia. Por isso, o racismo que ela perpetua é sistêmico.
Vale lembrar como o princípio da laicidade se instalou como fundamento da república na França. Faz exatos 120 anos, na esteira do caso que criou o antissemitismo moderno: o chamado...
Duration:00:04:46
A nova guerra fria tecnológica: Estados Unidos, China e o papel estratégico de Taiwan
5/19/2025
Quando a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) iniciou a construção de sua fábrica no Arizona, muitos viram isso como um passo ousado para recuperar a liderança dos Estados Unidos na fabricação de semicondutores. No entanto, à medida que o projeto avança, torna-se evidente que estabelecer a produção de chips em solo americano é mais complexo do que simplesmente erguer instalações e ligar máquinas.
Thiago de Aragão, analista político
A iniciativa da TSMC em Phoenix foi concebida como parte fundamental do CHIPS and Science Act — um esforço federal de US$ 280 bilhões para revitalizar a fabricação de chips nos Estados Unidos. Apesar dos subsídios bilionários e do entusiasmo político, o projeto enfrenta atrasos, conflitos culturais e disputas trabalhistas.
Originalmente prevista para iniciar a produção em 2024, a fábrica no Arizona teve sua operação adiada para 2025, alegando escassez de mão de obra qualificada e a obstáculos regulatórios. Os EUA carecem da base sólida de engenheiros e técnicos em semicondutores que Taiwan desenvolveu ao longo de décadas. A TSMC precisou trazer trabalhadores de Taiwan para treinar a equipe americana, medida que gerou tensões com sindicatos locais e questionamentos sobre a viabilidade a longo prazo do projeto.
Além da lacuna de habilidades, a empreitada da TSMC no Arizona expôs diferenças marcantes na cultura de trabalho. Relatos indicam que funcionários americanos foram submetidos a padrões mais rigorosos do que seus colegas taiwaneses, resultando em alegações de discriminação e ações judiciais. O estilo de gestão da empresa, descrito por alguns como “severo” e “exigente”, conflita com as expectativas laborais americanas, complicando ainda mais a implementação do projeto.
Produzir chips nos EUA não é apenas um desafio logístico — é também econômico. A instalação da TSMC no Arizona registrou perdas significativas, com um déficit de aproximadamente US$ 441 milhões em 2024. Embora os custos trabalhistas contribuam, a maioria das despesas decorre de equipamentos e infraestrutura. Mesmo com automação e escalabilidade, estima-se que os chips fabricados nos EUA sejam cerca de 10% mais caros do que os produzidos em Taiwan.
Apesar dos contratempos, há sinais de progresso. A fábrica da TSMC no Arizona alcançou um rendimento 4% superior ao de suas instalações em Taiwan, um marco significativo que sugere o potencial competitivo da produção de chips nos EUA. Esse sucesso pode abrir caminho para novos investimentos e expansões, desde que os problemas subjacentes sejam resolvidos.
A experiência da TSMC no Arizona destaca as complexidades de repatriar a fabricação de semicondutores. Não se trata apenas de construir fábricas; é necessário desenvolver ecossistemas — força de trabalho, cadeias de suprimentos e culturas — que sustentem a produção de alta tecnologia. Sem um esforço coordenado para formar talentos domésticos e reconciliar diferenças culturais, o sonho de independência americana na produção de chips pode permanecer inalcançável.
À medida que os EUA enfrentam esse terreno desafiador, é imperativo reconhecer que trazer a fabricação de chips para casa é uma maratona, não uma corrida. O caminho adiante exigirá paciência, investimento e disposição para se adaptar. Só então o país poderá transformar o mito do silício em uma realidade tangível.
Duration:00:04:47
Democracia ofensiva: banir a extrema direita basta?
5/12/2025
Na Alemanha, França e Romênia, decisões judiciais tentam conter partidos autoritários — mas isso, por si só, talvez não seja suficiente. A última semana marcou mais um capítulo nas tensões entre a extrema-direita e a justiça — desta vez, na Europa.
Thomás Zicman de Barros, analista político, especial para a RFI
Foram dias de decisões e indecisões. Na Alemanha, na segunda-feira (5), o Escritório de Proteção da Constituição declarou o partido AfD, Alternativa para a Alemanha, como um grupo extremista, citando sua proximidade com setores neonazistas e a negação do princípio de igualdade — de acordo com a lógica do partido, imigrantes seriam cidadãos de segunda classe.
Essa classificação tem implicações jurídicas importantes: o partido passa a ser monitorado pelos serviços de inteligência e pode, em última instância, ser banido. Mas, diante da reação e da pressão de apoiadores da AfD, o mesmo órgão recuou na quinta-feira (8), afirmando que o caso ainda precisa ser mais bem avaliado.
A indefinição gerou surpresa. Afinal, não é evidente que a AfD é um partido de extrema direita? Por que ainda se hesita em chamá-los pelo nome? Parte da resposta está no esforço — hoje quase reflexo — de acadêmicos e políticos de criar tipologias para grupos reacionários, como se a urgência estivesse em classificá-los, e não em enfrentá-los. Cria-se assim uma taxonomia que termina por complexificar o que, no fundo, deveria ser simples.
"Cinquenta tons de fascismo"
No debate acadêmico, costuma-se distinguir diferentes tipos de ultradireita — os chamados "cinquenta tons de fascismo". Nessa tipologia, separa-se a extrema-direita da direita radical. A diferença teórica entre elas seria esta: a extrema-direita se caracteriza por buscar o poder por meio da força. Já a direita radical, embora também antidemocrática em seus valores, opera prioritariamente dentro das regras eleitorais e institucionais.
Essa distinção pode ter alguma utilidade no terreno conceitual. Mas, na prática, tem sido usada para relativizar os riscos concretos que esses grupos representam, normalizando-os. No fim, essa taxonomia pouco nos ajuda a compreender o passado, tampouco o presente — e menos ainda a nos preparar para o futuro.
Historicamente, a extrema direita recorreu a todos os meios para chegar ao poder. O caso da Alemanha dos anos 1930 é exemplar: a extrema direita ascendeu por vias legais, com apoio decisivo da centro-direita, que a normalizou e acreditou poder controlá-la.
O resultado foi a destruição das instituições republicanas por dentro. Mesmo hoje, líderes eleitos não hesitam em flertar com o autogolpe assim que consolidam sua posição. O debate sobre banir ou não a extrema direita da vida política não se restringe à Alemanha, onde o quadro legal prevê explicitamente essa possibilidade.
Na França, no mês passado, Marine Le Pen foi declarada inelegível após ser condenada por desvio de verbas do Parlamento Europeu. Se o veredito for mantido, ela estará fora das eleições de 2027, mesmo liderando as pesquisas.
Já na Romênia, as conturbadas eleições de dezembro de 2024 — vencidas no primeiro turno pelo então desconhecido candidato de extrema-direita Călin Georgescu — foram anuladas pela Corte Suprema, após denúncias de manipulação da opinião pública por agentes russos nas redes sociais.
Esses episódios nos obrigam a fazer uma pergunta difícil: tais medidas são legítimas? Cada caso tem suas especificidades, mas todos podem ser interpretados à luz de uma doutrina conhecida como democracia defensiva — ou democracia militante.
O conceito foi formulado nos anos 1930 pelo jurista alemão Karl Loewenstein, exilado nos Estados Unidos após a ascensão do nazismo. A ideia central é que democracias não devem assistir passivamente à ascensão de forças que, uma vez no poder, trabalham para miná-las desde dentro.
Como escreveu Karl Popper — filósofo austríaco e liberal convicto — no famoso paradoxo da tolerância: não se pode tolerar o intolerante, porque, ao ganhar espaço, ele...
Duration:00:04:50
Com quatro cargos ao mesmo tempo, Marco Rubio se tornou o novo homem forte da administração Trump
5/5/2025
Marco Rubio, outrora considerado um dos nomes menos resilientes e influentes no início da administração Trump, emergiu como uma figura central no governo. Apelidado de “Pequeno Marco” durante as primárias republicanas de 2016, Rubio agora ocupa simultaneamente quatro cargos de destaque: Secretário de Estado, Conselheiro de Segurança Nacional interino, Administrador interino da USAID e Arquivista interino dos Estados Unidos.
Thiago de Aragão, analista político
Essa concentração de poder é inédita na história recente do país e reflete a confiança que o presidente Trump deposita nele.
A ascensão de Rubio não foi apenas uma questão de lealdade. Ele soube se alinhar ao estilo e às prioridades de Trump, adotando uma postura firme em relação à imigração e à política externa. Por exemplo, ele apoiou a proposta de os EUA assumirem o controle da Faixa de Gaza e autorizou um envio de US$ 4 bilhões em armas para Israel, contornando o Congresso.
No entanto, essa acumulação de funções levanta preocupações. Senadores como Mark Warner questionam a viabilidade de uma única pessoa desempenhar papéis tão exigentes simultaneamente, alertando para possíveis riscos à segurança nacional. Além disso, a demissão de Mike Waltz, após um incidente envolvendo o compartilhamento acidental de informações confidenciais, levantou questões sobre a estabilidade da equipe de segurança nacional.
Apesar das críticas, Rubio continua a consolidar sua posição. Em uma entrevista recente, Trump mencionou Rubio como um possível sucessor, indicando sua significativa influência dentro da administração. Sua capacidade de se adaptar e alinhar-se com as prioridades de Trump tem sido fundamental para sua ascensão.
A trajetória de Marco Rubio, de adversário político a figura central na administração Trump, exemplifica a imprevisibilidade da política americana. Sua ascensão destaca a importância da lealdade e adaptabilidade em ambientes políticos voláteis. No entanto, a concentração de poder em uma única figura levanta questões sobre a eficácia e sustentabilidade dessa abordagem, exigindo vigilância contínua e avaliação crítica.
Duration:00:04:36
Uma despedida - “Até logo, até logo, companheiros…”
4/30/2025
Em sua última contribuição para a redação brasileira da RFI, o analista Flávio Aguiar apresenta uma crônica em tom pessoal, na qual traz suas reflexões e experiências acumuladas ao longo de quase quatro anos dedicados a escrever para nossos leitores e ouvintes.
Flávio Aguiar, de Berlim
Depois de viver 18 anos em Berlim, retorno definitivamente ao Brasil. Deixo a Alemanha e a Europa com o coração apreensivo. Não se trata apenas da já fartamente comentada ascensão das extremas-direitas anti-democráticas no mundo todo. É que ouço bem perto o também crescente rufar dos tambores de guerra
Governantes e empresas nos vários quadrantes da Europa estão apostando na indústria de armamentos como meio de recuperação econômica. Querem enfrentar assim a crise recessiva desencadeada a partir da guerra na Ucrânia e suas consequências na economia do continente.
Mas não se trata apenas da ação de governantes e líderes. Com o argumento de que é necessário defender-se diante da possibilidade de uma invasão russa, vão conquistando corações e mentes para o espírito da guerra. Pessoas que até pouco tempo participavam de marchas pela paz e cantavam “Bella Ciao" e “Where have all the flowers gone” dizem que agora estas canções não têm vez e que falar em paz é perigoso.
O currículo pregresso da Europa não é bom. Sempre que os países europeus prepararam-se para a guerra, ela aconteceu. E o continente foi palco das duas guerras que na história ganharam o adjetivo de “mundiais”.
Rezo para que meus temores não se concretizem e que se retome o rumo de uma cultura da paz, como defende nosso presidente brasileiro.
Nos últimos quatro destes 18 anos fiz parte da equipe da redação brasileira da Rádio França Internacional. Foi uma experiência muito estimulante a que serei sempre grato.
Neste momento de despedida e de retorno à terra natal, meu coração se divide. De um lado, lembro-me de algumas palavras de um tango de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera:
“Volver//Con la frente marchita//Las nieves del tempo//marcaron mi sien//(…)
Sentir//Que es un soplo la vida//Que veinte años no es nada//…
Em tradução livre:
“Voltar//Com as marcas do tempo//no rosto e na prateada cabeça//(…)Sentir//Que a vida é um alento//E que vinte anos são nada//…
Por outro lado, meu coração glosa o poema do grande poeta russo Serguei Iessiênin, na tradução de Boris Chnaiderman e Augusto de Campos:
“Até logo, até logo, companheiros,Guardo-vos no peito e asseguro: O nosso afastamento passageiro. É sinal de um encontro no futuro. Embora separar-nos seja pesaroso, Não fiquem com esse ar tão preocupado. Se mover-se demasiado é perigoso, tampouco é bom ficar parado.”
Até breve e muito obrigado.
Duration:00:03:46
Disputa em forma de meme: guerra comercial entre EUA e China ganha nova arena nas redes sociais
4/21/2025
Antigamente, guerras comerciais se decidiam em salas de reunião e manchetes de jornal. Hoje, elas também se desenrolam no TikTok, entre vídeos curtos, sátiras e dublagens virais. A disputa entre Estados Unidos e China ganhou uma nova arena: as redes sociais. E o mais curioso é que isso não é apenas entretenimento — é formação de opinião, disputa de narrativa e política econômica em formato de meme.
Com o novo pacote de tarifas anunciado por Donald Trump — que chega a até 145% sobre certos produtos chineses —, o TikTok virou um campo de batalha criativo. Usuários chineses e americanos reagiram com humor ácido: vídeos de Trump e seu vice-presidente JD Vance trabalhando em fábricas, sátiras sobre o preço de produtos do dia a dia, e até versões exageradas da vida com tarifas viraram virais. Por trás da piada, há uma crítica clara: essas políticas parecem, para muitos, desconectadas da realidade de quem consome e de quem produz.
Ao mesmo tempo, empresários americanos usam o TikTok para mostrar como essas tarifas afetam o dia a dia de seus negócios. A fundadora da Curio Blvd, Chelsey Brown, virou um exemplo disso. Nos vídeos que publica, ela explica como os custos subiram, como fornecedores sumiram, e como isso tudo bagunçou sua operação. O que antes ficava restrito a relatórios técnicos agora aparece na tela do celular de milhões de pessoas, com rosto, emoção e contexto.
Do outro lado do mundo, fábricas chinesas também se adaptaram: passaram a usar o TikTok para vender diretamente ao consumidor americano, tentando escapar dos efeitos das tarifas. Os produtos são versões mais baratas de marcas conhecidas — nem sempre com a mesma qualidade, mas com preços mais acessíveis. É uma reação rápida a uma mudança brusca: se o canal tradicional fica mais caro, criam-se novos caminhos.
Esse fenômeno revela algo maior: a diplomacia e a política econômica estão cada vez mais digitalizadas. As redes sociais viraram espaço de pressão, denúncia e até marketing geopolítico. O curioso é que muitas vezes são jovens anônimos, pequenos empresários ou criadores de conteúdo que conseguem moldar a percepção pública com mais impacto do que discursos de governo ou editoriais de jornal.
Ignorar esse movimento é não enxergar onde as grandes disputas estão acontecendo hoje. A guerra comercial de 2025 não se trava só entre Washington e Pequim — ela acontece também nos comentários, nos reposts, nas piadas que viralizam. E, num cenário assim, quem entende o poder da narrativa digital pode sair na frente — influenciando mercados, políticas e, quem sabe, até resultados eleitorais.
Duration:00:04:11
O caos do estado de exceção de Trump e a montanha russa em que ele jogou a Europa
4/14/2025
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, jogou a Europa numa montanha russa. Não se trata do fato dele se propor a negociar a situação da Ucrânia diretamente com Moscou. Mas sim ao sobe-desce e aos solavancos em que ele atirou o continente com seu "tarifaço" da semana passada, e seu recuo parcial na sequência.
Flávio Aguiar, analista político
Trata-se de um “recuo parcial” porque ele apenas suspendeu a sua aplicação aos países europeus por noventa dias, ao invés de revogar o tarifaço. Ao mesmo tempo, num primeiro momento manteve sua aplicação e elevou-o a 145% para a China.
Depois recuou de novo, isentando do "tarifaço" produtos eletrônicos chineses importados pelas big techs dos Estados Unidos. Fica a dúvida sobre o porquê deste último recuo: se foi a pressão das empresas norte-americanas, ou o contra-tarifaço chinês, taxando em 125% produtos dos Estados Unidos.
"Uma no cravo e uma na ferradura"
A presidenta da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, que anunciara a adoção de tarifas suplementares sobre produtos norte-americanos em retaliação, voltou atrás, também suspendendo sua aplicação imediata, embora as taxas extras sobre alumínio, aço e veículos europeus estejam mantidas.
Complementando o vai-e-vem, disse que a Europa está pronta para negociar as medidas com os Estados Unidos, mas também está pronta para “defender seus interesses”. Ou seja, deu uma no cravo e outra na ferradura.
No domingon, Maros Sefcovic, membro da Comissão Europeia e o seu encarregado da pasta de Comércio e Segurança Econômica, seguiu para Washington a fim de tentar um acordo sobre as tarifas. E von der Leyen acenou com a proposta de reduzir a zero as tarifas mútuas sobre produtos industrializados.
Por outro lado, apesar do esforço por parte dos líderes europeus para demonstrarem unidade, a conjuntura voltou a expor algumas de suas diferenças. Ao invés da cautela demonstrada por von der Leyen, o ainda vice-chanceler e ministro da Economia alemão, Roberto Habeck, do Partido Verde, qualificou as medidas de Trump como “absurdas”.
Estado de exceção
Bernd Lange, presidente do Comitê para o Comércio Internacional do Parlamento Europeu, qualificou as medidas de “injustas” e ironizou a declaração de Trump, para quem o tarifaço era o “dia da libertação” dos Estados Unidos, dizendo que ele era, na verdade, o “dia da inflação” para os consumidores norte-americanos e europeus.
Um conceito que pode ajudar a entender o que está acontecendo é o de “estado de exceção”, estudado pelo filósofo italiano Giorgio Agamben a partir de sua formulação pelo jurista alemão Carl Schmitt, simpático aos nazistas, nos anos 1920 e 1930 do século passado.
O conceito qualifica o comportamento de um governante que chega ao poder obedecendo as regras de um sistema político, mas a seguir as afronta ou suspende, mergulhando a sociedade primeiro num estado caótico de anomia e depois numa situação em que ele dita e aplica novas regras, como fizeram Hitler e Mussolini.
Vassalos
De certo modo, é o que Trump está tentando fazer dentro e fora dos Estados Unidos. O governante do estado de exceção não tem propriamente aliados. Em seu lugar, acolhe vassalos, que trata bem se lhe obedecem ou agrIde e descarta se a ele se opõem.
É como Trump e sua equipe vem tratando a Europa e outros países, querendo mantê-los ou reconduzi-los ao aprisco hegemônico dos Estados Unidos, cujo vetor principal, no momento, é o de conter e reverter a presença chinesa no comércio e na geopolítica internacionais. Também está claro o objetivo de atrair a Rússia, afastando-a da aliança com a China.
O anúncio e o recuo parcial do "tarifaço" em relação à Europa cumpre este objetivo: a mão que ameaça é a mesma que acena com a promessa de recompensa por um bom comportamento.
Fica por ver se os europeus, com suas convergências e divergências, morderão a isca.
Duration:00:04:21
Tarifaço de Donald Trump derruba bolsas, empobrece americanos e começa a preocupar republicanos
4/7/2025
As tarifas anunciadas por Donald Trump estão mexendo com os ânimos dentro do Partido Republicano – e não é pouca coisa. De organizações a congressistas, de estados a doadores e eleitores, cada grupo anda inquieto à sua maneira. O discurso do presidente pode até soar firme para sua base mais fiel, mas as consequências práticas das medidas estão começando a pesar, inclusive entre os aliados.
No Congresso, o desconforto é visível. Um grupo de senadores, entre eles Chuck Grassley (R-Iowa) e Maria Cantwell (D-Washington), apresentou um projeto de lei que obriga o Congresso a aprovar qualquer tarifa nova em até 60 dias. A ideia é limitar o poder do Executivo nessas decisões. Para muitos republicanos, não se trata de enfrentar Trump diretamente, mas de proteger a economia americana e evitar que decisões unilaterais acabem custando caro.
Ted Cruz, por exemplo, não mediu palavras: disse que as tarifas podem empurrar o país para uma recessão e causar um “banho de sangue” para os republicanos nas eleições de meio de mandato. Ele se apoia em dados concretos – o setor automotivo já prevê um aumento de até US$ 4.500 no preço dos carros, se as tarifas forem mantidas até o meio do ano.
Só que, mesmo com essa movimentação no Senado, não vai ser fácil avançar. O presidente da Câmara, Mike Johnson, não parece disposto a peitar a Casa Branca e levar esse tipo de projeto a voto. É o típico dilema republicano dos últimos anos: até onde vai o apoio a Trump, e quando é hora de traçar limites?
Nos estados republicanos, o impacto já está batendo na porta. Arkansas, por exemplo, está sentindo o baque na indústria avícola, depois que a China suspendeu compras de frango de grandes fornecedores americanos em resposta às tarifas. É uma reação em cadeia que atinge diretamente empregos, exportações e a economia local – justamente nos estados onde o partido costuma ter força.
Do lado dos grandes doadores, a insatisfação também vem crescendo. Empresários que investem pesado em setores como agricultura, indústria e comércio internacional já estão perdendo dinheiro. E, como se sabe, quando os prejuízos aparecem, a disposição para financiar campanhas costuma diminuir. Muitos estão repensando se vale a pena continuar apoiando um projeto político que ameaça seus negócios.
Alto custo da briga vale a pena?
Na base do partido, os eleitores vivem um dilema semelhante. Parte deles segue leal a Trump e aprova a ideia de enfrentar países como a China e tentar equilibrar a balança comercial. Mas outra parte, especialmente quem já sente o bolso apertar com o aumento dos preços e a instabilidade econômica, começa a questionar se o custo dessa briga toda vale mesmo a pena.
A bolsa de valores já perdeu mais de US$ 6 trilhões em valor nos últimos meses, refletindo o nervosismo do mercado com os rumos da política econômica. Economistas têm lembrado, com razão, da Lei Smoot-Hawley, de 1930 — uma onda de tarifas que, segundo muitos, ajudou a aprofundar a Grande Depressão. Ninguém quer ver a história se repetir.
E tem mais: pesquisas indicam que políticas comerciais agressivas costumam prejudicar os candidatos republicanos nas urnas. Ou seja, além do risco econômico, há também um risco político real.
No fim das contas, o Partido Republicano está numa encruzilhada. Precisa lidar com uma base dividida, doadores irritados, congressistas pressionados e estados afetados. Tudo isso enquanto tenta manter uma aparência de unidade e lealdade ao presidente. A eleição de 2026 já está no horizonte e o partido sabe que os próximos passos podem definir não só os resultados nas urnas, mas também o futuro da sua agenda econômica.
Duration:00:04:24
Inflação nos EUA gera preocupação em empresários e setores que apoiaram Trump
3/24/2025
À medida que as pressões inflacionárias se intensificam nos Estados Unidos, cresce a inquietação entre empresas de setores tradicionalmente alinhados ao eleitorado de Donald Trump. A inflação, antes percebida por muitos empresários como um problema distante ou restrito a grandes centros urbanos, passou a ser uma preocupação concreta, sobretudo em regiões do interior e áreas industriais do país.
Thiago de Aragão, analista político
A alta nos preços tem sido impulsionada por uma combinação de fatores: cadeias de suprimentos pressionadas, custos de energia elevados e, principalmente, políticas comerciais adotadas pelo próprio presidente. Em estados como Vermont, produtores locais enfrentam aumentos significativos nos custos de produção devido à imposição de tarifas sobre o aço e o alumínio canadenses.
Uma cervejaria da região relatou que a tarifa de 25% sobre o alumínio utilizado nas latas de cerveja não apenas compromete suas margens de lucro, como também impõe reajustes de preços que afetam diretamente o consumidor final.
Na Virgínia, empresas do setor da construção civil e de manufatura relatam dificuldades para planejar investimentos de médio e longo prazo. A incerteza sobre tarifas futuras, que podem chegar a 25% sobre materiais importados de parceiros comerciais relevantes como México e Canadá, gera insegurança entre investidores e financiadores. O receio é de que a volatilidade das regras comerciais reduza a competitividade dos produtos norte-americanos no próprio mercado doméstico.
Mesmo em setores tradicionalmente resilientes, como o turismo, os efeitos já são sentidos. Em Washington D.C., bares e restaurantes têm reestruturado cardápios e ajustado preços em resposta aos aumentos nos custos de alimentos e bebidas importadas. Alguns estabelecimentos adotaram estratégias de comunicação criativas, como promoções alusivas às tarifas, para manter a clientela e tentar compensar parte das perdas.
Confiança do consumidor em baixa
Paralelamente, a confiança do consumidor apresenta sinais de enfraquecimento. O Índice de Sentimento do Consumidor da Universidade de Michigan caiu para o menor patamar em três anos, refletindo o receio de muitas famílias com a inflação, a estabilidade financeira pessoal e a volatilidade no mercado de trabalho. Essa percepção tende a reduzir o consumo, o que, por sua vez, retroalimenta a desaceleração da economia.
É justamente aqui que emerge uma das maiores contradições da atual conjuntura política e econômica dos Estados Unidos. O presidente Trump, que conquistou apoio massivo com o discurso de defesa dos interesses do trabalhador norte-americano e da revitalização da indústria doméstica, vê agora sua base empresarial sofrer com os efeitos diretos das próprias políticas que ajudaram a elegê-lo.
Protecionismo encarece insumos
A retórica protecionista, vendida como solução para a perda de empregos e o enfraquecimento do setor produtivo, está encarecendo insumos, travando investimentos e, ironicamente, prejudicando a competitividade das empresas locais.
Ainda mais emblemático é o fato de que muitos dos empresários que hoje se preocupam com a inflação e a insegurança econômica foram entusiastas das medidas de desregulamentação e nacionalismo econômico promovidas pelo governo. Agora, enfrentam uma realidade em que o intervencionismo tarifário, aliado à pressão inflacionária, impõe obstáculos para os quais nem sempre estavam preparados.
Hora de pagar a conta, e com juros
O ambiente atual exige das empresas um grau elevado de adaptação. Estratégias de precificação, revisão de contratos e diversificação de fornecedores tornaram-se questões centrais para a sustentabilidade dos negócios.
Mas o pano de fundo é político: há um custo claro nas escolhas feitas por quem hoje ocupa a Casa Branca. E ele está sendo pago, com juros, por setores que acreditaram que poderiam se beneficiar de uma política econômica que, na prática, tem se mostrado incoerente, punitiva e desorganizada.
Se Trump pretende...
Duration:00:04:29
Opinião: A Europa se prepara para a guerra
3/17/2025
Há sinais de fumaça no horizonte de que os países europeus preparam-se para a guerra. Que guerra? Contra a Rússia.
Flávio Aguiar, analista político
Tomemos a Alemanha como exemplo.
Primeiro exemplo: a Volkswagen, empresa que há quase um século está vinculada à identidade nacional alemã, vai fechar três de suas fábricas, devido à crise econômica que assola o país e o continente. Mas há uma empresa interessada na compra das três. Qual? A Rheinmetall, uma das principais produtoras de armamentos na Alemanha. Por quê? Porque seus diretores preveem uma margem de lucro considerável, graças ao anúncio, por parte da presidenta da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, de que a União vai investir 800 bilhões de euros em armamentos para incrementar a defesa do continente.
Exemplo 2: paradoxalmente, o diretor de uma das agências do serviço secreto alemão, Bruno Kahl, do Bundesnachrichtendienst, manifestou, em entrevista à Deutsche Welle, em 03/03/2025, a preocupação com a possibilidade de que a guerra na Ucrânia tenha um “fim rápido”. Por quê? Segundo ele, porque isto liberaria a Rússia para ameaçar o restante da Europa antes de 2029 ou 2030, isto é, antes que os outros países do continente estejam preparados para enfrentar o “inimigo”. A afirmativa, que provocou indignação em Kiev, mostra que há uma estratégia pensada a respeito da possibilidade e previsão da guerra.
E a indústria da guerra parece ser um dos vetores mais importantes para a recuperação econômica da Alemanha e do continente.
A Alemanha ocupa o quinto lugar entre os maiores exportadores de armas do mundo. São eles, em ordem crescente, segundo o Instituto Internacional de Investigação para a Paz, sediado em Estocolmo: Coreia do Sul, Espanha, Israel, Reino Unido, Itália, Alemanha, China, França e Rússia praticamente empatadas, e Estados Unidos.
Há duas enormes discrepâncias entre estes países. Primeira: de Israel à China, o percentual de participação nas exportações mundiais de armas fica em um dígito, de 1 a 5%. Com Rússia e França, o índice dá um salto, para 10,5 e 10,9%, respectivamente, sendo que a França superou a Rússia porque as exportações desta caíram, graças à guerra com a Ucrânia e os aliados que a apoiam.
Com os Estados Unidos, o salto é maior ainda: o índice de sua participação é de 40% do mercado mundial.
Segunda discrepância: nos últimos dez anos o valor destas exportações caiu, em oito dos dez países. A duas grandes exceções são a França e os Estados Unidos. No caso destes, o aumento foi de 24%.
Das 100 maiores empresas privadas de produção de armamentos, 41 são norte-americanas, e 27 europeias, excluindo-se a Rússia, que tem apenas 2 empresas entre elas.
Invertendo-se a perspectiva, verifica-se que o país que mais importa armas no mundo é a Ucrânia, com quase 9% do setor. E seus principais fornecedores são os Estados Unidos, a Alemanha e a Polônia.
Assinale-se uma curiosidade: nenhum país da América Latina figura entre os principais exportadores eu importadores de armas.
Aqueles números acima mostram que, como no passado, infelizmente a guerra ou sua perspectiva permanecem sendo um bom negócio para afastar o fantasma de recessões econômicas para quem produza armas, não para quem suporte seus efeitos.
Como afirmei no começo, há sinais de fumaça no horizonte apontando na direção de uma guerra. Sabe-se que onde há fumaça, há fogo. Sempre que os países da Europa prepararam-se para uma guerra, a guerra aconteceu. E este continente propiciou as duas guerras que em toda a história humana ganharam o triste título de “mundiais”.
Duration:00:04:19
Donald Trump e Xi Jinping: o jogo de xadrez comercial e a busca por um novo equilíbrio global
3/10/2025
A relação entre o presidente Donald Trump e o presidente Xi Jinping foi marcada, na última semana, por tensões econômicas crescentes e movimentos estratégicos de ambos os lados. O governo Trump intensificou sua ofensiva comercial contra a China, aumentando as tarifas existentes em mais 20 pontos percentuais, elevando a tarifa média sobre as importações chinesas para 33%, em comparação com cerca de 3% em 2017.
As medidas de Washington visam reduzir a dependência dos Estados Unidos das importações chinesas e combater as práticas econômicas de Pequim. Em resposta, a China adotou uma postura de negociações em pé de igualdade, impondo suas próprias tarifas sobre produtos agrícolas e madeira dos EUA.
Essa estratégia reflete as lições aprendidas com a guerra comercial anterior, durante o primeiro mandato de Trump, com Pequim agora enfatizando a cooperação, mas respondendo firmemente a qualquer pressão. O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, reforçou essa posição, afirmando que os países não podem esperar suprimir a China e, ao mesmo tempo, manter boas relações, destacando que Pequim “responderá com firmeza” a qualquer tentativa de coerção.
O governo de Donald Trump também manteve tarifas rigorosas sobre importações do México e do Canadá devido a preocupações com o tráfico de fentanil. O secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, reafirmou que essas tarifas de 25% permanecerão em vigor, a menos que haja avanços significativos no combate a esse problema. No entanto, após uma conversa entre Trump e a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, na última quinta-feira, a implementação das sobretaxas foi adiada por mais um mês, passando a valer a partir de 2 de abril.
Além disso, há planos para fortalecer a indústria naval americana e penalizar embarcações e guindastes chineses que operam em portos dos EUA, como parte de um esforço mais amplo para conter a influência da China no setor marítimo global.
Apesar dessas tensões, Trump afirmou que deseja manter o diálogo e mencionou que já conversou com Xi Jinping desde sua posse, valorizando o relacionamento pessoal entre eles. No entanto, as medidas comerciais cada vez mais agressivas e as respostas estratégicas de Pequim indicam um cenário de grande complexidade e atrito na relação bilateral.
Fóruns multilaterais podem servir de plataforma de negociação
Olhando para o futuro, a relação entre Trump e Xi está em um momento crucial. Ambos os líderes precisam encontrar um equilíbrio entre seus interesses nacionais e a estabilidade econômica global. Para Trump, uma abordagem pragmática que combine negociações firmes com engajamento estratégico pode gerar resultados mais sustentáveis. Isso inclui reconhecer a interconexão das cadeias globais de suprimentos e os impactos que políticas comerciais agressivas podem ter sobre indústrias e consumidores americanos.
Para Xi, demonstrar disposição para abordar preocupações legítimas de parceiros comerciais, como direitos de propriedade intelectual e acesso ao mercado, pode ajudar a reduzir tensões. No entanto, qualquer concessão precisará ser equilibrada com a política doméstica e a necessidade de preservar a soberania nacional.
Ambos os líderes devem priorizar canais de comunicação claros para evitar mal-entendidos e gerenciar conflitos de maneira eficaz. O envolvimento em fóruns multilaterais e o uso de instituições internacionais podem servir como plataformas para negociação, reduzindo o risco de ações unilaterais que possam intensificar as disputas.
Os próximos passos na relação entre Trump e Xi exigem um equilíbrio delicado entre assertividade e diplomacia. Ao focar no engajamento construtivo e no respeito mútuo, os dois líderes podem trabalhar para um ambiente econômico global mais estável e próspero.
Duration:00:04:30
Ataques de Trump podem levar Europa a um naufrágio geopolítico
3/3/2025
Os efeitos do tsunami político gerado pelo catastrófico encontro no Salão Oval da Casa Branca entre os presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, mais o vice norte-americano James David Vance, podem ir muito além da guerra russo-ucraniana. Um destes efeitos pode ser o naufrágio geopolítico da chamada Europa Ocidental.
Flávio Aguiar, analista político
Comecemos pelo começo. A Europa é tida e lida como o berço das chamadas Cultura e Civilização Ocidentais, desde os tempos da Grécia e da Roma antigas.
Um dos derivados contemporâneos destes conceitos foi o Bloco Ocidental, criado depois do fim da Segunda Guerra Mundial, liderado pelos Estados Unidos e constituído por seus aliados na Europa Ocidental, o Canadá, e, na sua franja distante, por países como Austrália, Nova Zelândia, a China Nacionalista (Taiwan) e, de certo modo, até pelo ex-inimigo Japão.
O Bloco Ocidental confrontava o Mundo Comunista, formado pela hoje extinta União Soviética (URSS) e seus satélites no Leste Europeu, a República Popular da China, o Vietnã do Norte, que acabou incorporando seu co-irmão do Sul em 1975, Cuba a partir de 1959, mais alguns países comunistas, como a hoje também extinta Iugoslávia, a Romênia e a Albânia, que não eram satélites da URSS. Os demais países, na América Latina, na África, na Ásia e na Oceania, eram “áreas em disputa”, com forças políticas pendendo para um ou outro lado.
Este Bloco Ocidental tinha e tem um braço armado, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que confrontava o Pacto de Varsóvia, liderado pela URSS. Com a extinção desta, em 1991, o Bloco Ocidental ampliou sua influência para o Leste Europeu.
A OTAN estendeu o alcance de sua ação, tornando-se uma espécie de força policial atuante em conflitos como nos Bálcãs Europeus, no Norte da África e até no Oriente Médio. Por fim, passou a ter por alvo a Federação Russa, que herdou da URSS o maior arsenal nuclear mundial.
Emergência da União Europeia
Economicamente, o Bloco passou a enfrentar também o crescente poderio da China Comunista e sua influência em escala mundial. Paralelamente, a Europa viu a emergência e ampliação da União Europeia, sob a liderança de países da Europa Ocidental, como Alemanha, França e Itália, uma promessa de paz e prosperidade num continente martirizado e destruído por duas guerras mundiais no século 20.
O cartão de visitas do Bloco Ocidental compreendia o regime capitalista, a democracia eleitoral, a liberdade cultural e nos costumes sociais, e muitas vezes a proteção econômica da social-democracia europeia. É verdade que nem sempre este cartão correspondia à realidade, dado que os Estados Unidos e seus aliados seguidamente patrocinaram, apoiaram ou conviveram comodamente com ditaduras sanguinárias na América Latina, na África, na Ásia e na Oceania.
Mais recentemente, os Estados Unidos e seus aliados se empenharam no apoio ao governo da Ucrânia contra a invasão russa.
Mas o encontro da sexta-feira no Salão Oval foi a demonstração de como o Bloco está mudando sua natureza, para dizer o mínimo. Ele não tem mais uma liderança; tem um patrão, Donald Trump, assessorado por um feitor, JD Vance. Dedo em riste, o patrão dita o que os seus ex-aliados, hoje súditos, devem ou não pensar, sentir e fazer. A estes cabe abaixar as orelhas e obedecer às ordens.
Surpresa? Nem tanto. Afinal, aquele patrão vem se comportando como os antigos reis europeus ao tempo das grandes navegações. Quer anexar territórios, comprando-os ou ocupando-os, nomear e renomear acidentes geográficos, criar balneários de luxo em terras devastadas por seus auxiliares, como em Gaza, e agora obter concessões comerciais e econômicas explorando as terras raras da Ucrânia como pagamento pelos serviços militares a ela prestados.
Quanto ao Zelensky, ficou pendurado no pincel da guerra que está destruindo seu país, com as promessas de apoio por parte de uma União Europeia enfraquecida, acossada por sua extrema direita insuflada por...
Duration:00:05:26
Estratégia de Trump na Ucrânia pode validar ações de Putin e agravar relações transatlânticas
2/24/2025
A abordagem do presidente Donald Trump para a guerra em andamento na Ucrânia representa uma mudança significativa em relação às políticas anteriores dos Estados Unidos, introduzindo uma estratégia que combina esforços rápidos de negociação, interesses econômicos e uma recalibração das alianças internacionais.
Ao assumir o cargo em janeiro de 2025, Trump rapidamente iniciou comunicações diretas com o presidente russo Vladimir Putin, buscando negociar um fim para o conflito. Essa abordagem foi reforçada pelas declarações do secretário de Defesa, Pete Hegseth, em 12 de fevereiro, ao sugerir que restaurar as fronteiras da Ucrânia para os limites pré-2014 era “irrealista” e que a adesão do país à OTAN não era um desfecho viável para qualquer acordo negociado. Hegseth enfatizou que a Europa deveria assumir maior responsabilidade pela defesa da Ucrânia, sinalizando uma mudança nas prioridades dos EUA para focar mais em suas próprias preocupações de segurança.
Críticos argumentam que essa estratégia apresenta diversas falhas. Primeiramente, iniciar negociações sem a participação direta da Ucrânia enfraquece sua soberania e pode resultar em acordos desalinhados com os interesses do país. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, demonstrou preocupação ao ser deixado de lado, afirmando que “nada pode ser discutido sobre a Ucrânia sem a Ucrânia”.
Além disso, as aparentes concessões à Rússia, como descartar a possibilidade de adesão da Ucrânia à OTAN e aceitar a atual realidade territorial, podem encorajar ainda mais a agressão russa. O ex-assessor de Segurança Nacional John Bolton criticou essa postura, sugerindo que ela representa uma rendição antecipada a Putin antes mesmo do início das negociações.
A Rússia tem muito a ganhar com essa estratégia. O sinal de que os EUA reduzirão seu comprometimento com a defesa da Ucrânia e a segurança europeia pode enfraquecer a coesão da OTAN, proporcionando à Rússia maior influência regional. Além disso, a possível retirada de sanções e o reconhecimento das conquistas territoriais russas validariam as ações de Putin, estabelecendo um precedente preocupante para as normas internacionais.
Um aspecto intrigante da estratégia de Trump envolve interesses econômicos, especialmente no que diz respeito aos recursos naturais da Ucrânia. Relatos indicam que a administração Trump propôs adquirir uma participação de 50% nos recursos minerais e petrolíferos da Ucrânia como “pagamento” pelo apoio dos EUA. Essa proposta foi recebida com resistência por parte do governo ucraniano, e Zelensky teria rejeitado o acordo, afirmando que não poderia “vender a Ucrânia”.
Essa abordagem provavelmente tensionará ainda mais as relações transatlânticas. Os aliados europeus, já preocupados com sua exclusão de discussões críticas de segurança, podem interpretar a estratégia de Washington como um recuo nos compromissos de defesa coletiva. Isso pode levar países europeus a buscar alternativas de segurança, distanciando-se da influência americana e gerando divisões dentro da OTAN.
A estratégia de Trump para a guerra na Ucrânia reflete uma combinação complexa de esforços rápidos de negociação, interesses econômicos e uma mudança nas alianças tradicionais. Embora seu objetivo seja resolver rapidamente o conflito, essa abordagem levanta preocupações sobre a soberania ucraniana, o fortalecimento da agressão russa e o enfraquecimento das relações transatlânticas. As implicações de longo prazo de priorizar acordos imediatos em detrimento dos princípios internacionais ainda são incertas, mas o potencial de reconfiguração das dinâmicas globais de poder é inegável.
Duration:00:06:03
Berlinale: Festival Internacional de Cinema em Berlim festeja 75 anos mantendo engajamento político
2/17/2025
A 75ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, conhecido como Berlinale, começou na quinta-feira (13). A abertura, presidida pela diretora do festival desde o ano passado, a jornalista norte-americana Tricia Tuttle, ocorreu como de costume no Berlinale Palast, em frente à praça Marlene Dietrich.
Flávio Aguiar, analista político
A cerimônia de abertura foi marcada por discretas manifestações políticas por parte de alguns dos figurantes. Um grupo de atrizes e atores alemães seguraram cartazes com fotos do ator israelense David Cunio, refém do Hamas desde o ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, pedindo sua libertação, bem como a de seu irmão Ariel e dos demais reféns.
A atriz escocesa Tilda Swinton, homenageada com um Urso de Ouro (o prêmio máximo da Berlinale) honorário por sua carreira, fez um breve pronunciamento. Conhecida como crítica da política do governo israelense em relação aos palestinos, ela se absteve de fazer menções diretas à situação no Oriente Médio. Mas condenou em termos veementes políticas de exclusão, perseguição, “colonização”, e “construção de Rivieras particulares”, numa alusão velada à proposta do presidente Donald Trump, elogiada pelo governo de Israel, de evacuar a população palestina da Faixa de Gaza e de construir nela um balneário de luxo.
Luisa Neubauer, conhecida ativista sobre a questão do aquecimento global, apresentou-se com uma camiseta branca com os dizeres: “Donald, Elon, Alice, Friedrich?”.
A mensagem era uma alusão ao presidente norte-americano, ao bilionário Elon Musk, à líder do partido de extrema-direita alemão Alternative für Deutschland” (AfD), Alice Weidel, e a Friedrich Merz, o líder do partido conservador alemão, a União Democrata Cristã, criticado por fazer uma aliança informal com o AfD para aprovar uma moção em favor de uma maior rigidez nas leis de imigração e concessão de asilo.
O filme alemão apresentado na abertura foi “Das Licht” (A Luz), dirigido por Tom Tykwers, que exibe a história de uma família alemã e de sua governanta síria, que se esforça por trazer sua família para a Alemanha.
Estas manifestações têm por pano de fundo a presente conjuntura da política alemã, cujas eleições federais, previstas para o domingo de encerramento da Berlinale, 23 de fevereiro, vão se realizar sob fortes impactos emocionais.
Às vésperas da abertura do festival, um refugiado afegão, em Munique, investiu com um carro contra uma manifestação sindical de trabalhadores em greve, ferindo 30 pessoas, inclusive crianças, algumas com gravidade. Duas pessoas morreram no fim de semana vítimas do episódio.
O repúdio a imigrantes e refugiados, particularmente muçulmanos, tem sido um tema mobilizado eleitoralmente pelo AfD, com forte repercussão junto aos demais partidos.
A situação no Oriente Médio também vem agitando a cena política e cultural do país. De um lado, há o repúdio ao ataque do Hamas em 7 de outubro. Do outro, severas críticas à resposta do governo israelense, considerada excessiva e discriminatória em relação à população civil palestina em Gaza e na Cisjordânia ocupada por tropas militares de Israel. Junto, há a preocupação pela sorte dos reféns em poder do Hamas.
Muitas e muitos intelectuais, inclusive judias e judeus, têm tido contratos e prêmios cancelados, sob a acusação de antissemitismo, por defenderem a causa e os direitos dos palestinos.
Em 2024, o filme “No Other Land” (Nenhuma outra terra, em tradução livre), foi lançado na Berlinale e venceu os prêmios de público e de documentários. Dois de seus quatro diretores, um israelense e outro palestino, fizeram um pronunciamento criticando a política do governo de Israel visando palestinos. O gesto provocou reações furiosas na mídia alemã, acusando os dois e até o festival de antissemitismo.
Para a presente edição, a diretora Tricia Tuttle garantiu a liberdade de expressão para tais e outras manifestações políticas, pedindo que fossem feitas com moderação e respeito.
Criada em 1950, no começo da Guerra...
Duration:00:05:41
Entre promessas e realidade: a diplomacia agressiva de Trump com o México
2/10/2025
O ex-presidente norte-americano Donald Trump adotou uma abordagem assertiva em relação ao México, especialmente no que diz respeito à segurança na fronteira e às tarifas comerciais. No entanto, uma análise mais detalhada mostra que as vitórias que ele proclama frequentemente superam os resultados concretos obtidos.
Thiago de Aragão, analista político
Em seu segundo mandato, Trump anunciou tarifas substanciais sobre importações do México, Canadá e China, citando o tráfico de drogas e a imigração ilegal como principais preocupações. Em fevereiro de 2025, ele impôs uma tarifa de 25% sobre todos os produtos vindos do México, com o objetivo de pressionar o governo mexicano a reforçar a segurança na fronteira. Após negociações, o México concordou em mobilizar mais tropas da Guarda Nacional para a fronteira norte, levando Trump a suspender temporariamente as tarifas. Embora isso tenha sido apresentado como uma vitória diplomática, analistas argumentam que as concessões obtidas foram mínimas e poderiam ter sido alcançadas sem a ameaça de tarifas. Críticos sugerem que essas táticas criam tensões desnecessárias e podem minar a confiança entre parceiros comerciais.
Trump tem o hábito de declarar grandes vitórias após manobras agressivas de política externa. Por exemplo, ele afirmou que o México havia aceitado medidas significativas para conter a imigração ilegal e o tráfico de drogas em resposta às suas ameaças tarifárias. No entanto, relatórios indicam que muitas dessas medidas já estavam em discussão ou tiveram impacto menor do que ele alegou. Esse padrão sugere uma tendência de exagerar as conquistas, apresentando acordos negociados como mais significativos do que realmente são.
A imposição de tarifas tem implicações econômicas amplas, afetando frequentemente consumidores e empresas nos Estados Unidos. Tarifas podem aumentar o custo de bens importados, levando a preços mais altos para os consumidores e a possíveis rupturas nas cadeias de suprimentos. Economistas alertam que tais políticas podem gerar inflação, enfraquecer o comércio global e potencialmente levar a uma recessão. Apesar desses riscos, Trump utilizou tarifas como ferramenta principal em sua estratégia comercial, frequentemente apresentando-as como um meio de garantir acordos favoráveis, mesmo quando os resultados reais não correspondem às suas declarações.
Embora o uso assertivo de tarifas e pressões sobre o México e outros parceiros comerciais seja descrito por Trump como uma estratégia eficaz para atingir grandes objetivos políticos, os resultados concretos frequentemente não correspondem às vitórias proclamadas. Essa disparidade revela um padrão de exagero, que pode distorcer a percepção pública e obscurecer os verdadeiros impactos dessas políticas.
Duration:00:04:21
Análise: Alemanha vive turbulência política após aproximação de direita com extrema direita
2/3/2025
Se a política alemã fosse medida pela escala Richter - aquela que calcula a intensidade dos terremotos -, ela certamente teria explodido na semana passada.
Flávio Aguiar, analista político
A semana passada começou com a comemoração na segunda-feira (27) dos 80 anos da libertação do campo de concentração nazista de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, pelo Exército Vermelho da União Soviética, em 1945. O assunto é delicado e sempre deixa os nervos germânicos à flor da pele.
Na quarta-feira (29), o parlamento alemão, o Bundestag, aprovou uma moção proposta pelo líder da oposição, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU, na sigla alemã), para que se endurecessem as leis e regras da imigração e concessão de asilo.
A moção vinha na esteira bastante emocional de crimes cujos acusados são imigrantes de países predominantemente muçulmanos. O primeiro ocorreu em dezembro do ano passado, quando um imigrante oriundo da Arábia Saudita usou um caminhão para atropelar frequentadores de uma feira de natal, em Magdeburgo, matando 6 pessoas e ferindo mais de 300.
O segundo aconteceu no dia 22 de janeiro, quando um imigrante vindo do Afeganistão atacou a facadas várias pessoas em Aschaffenburg, matando duas delas, inclusive um bebê de 2 anos, e ferindo outras três.
Tais acontecimentos atiçaram o fantasma do “terrorismo islâmico”, sempre assim chamado pelos xenófobos da extrema direita, embora até o momento tudo indique que tenham sido atos individuais de pessoas com problemas psiquiátricos.
A moção recebeu no Bundestag 348 votos a favor, 345 contra, dez abstenções e 30 ausências. Os votos decisivos para aprovar a iniciativa vieram dos deputados do partido Alternative für Deutschland (AfD), Alternativa para a Alemanha, de extrema direita. Alice Weidel, a líder do AfD no Parlamento, comemorou o resultado, dizendo que Merz lançara uma moção que, na verdade, pertenceria ao seu partido. Anteriormente, Merz declarara que faria tudo para que a moção fosse aprovada, mesmo que isto implicasse contar com votos do AfD.
Foi aí que o terremoto começou. Desde o fim da Segunda Guerra e do regime nazista firmou-se uma tradição entre os partidos tradicionais de não negociar com a extrema direita. Ela tem até um nome: “Brandmauer”, em referência a uma parede corta-fogo entre dois prédios geminados. E a disposição de Merz foi lida por muita gente como uma ruptura desta tradição.
As reações foram rápidas e veementes. Michel Friedman, influente membro da CDU, ex-presidente do Conselho Central de Judeus na Alemanha, anunciou que se desligava do partido. Albrecht Weinberg, de 99 anos, sobrevivente do Holocausto, ex-prisioneiro de Auschwitz, condecorado pelo governo alemão, disse que estava devolvendo a medalha por não aceitar a ruptura daquela tradição no Bundestag.
A ex-chanceler Angela Merkel saiu de seu silêncio obsequioso desde que renunciou ao cargo e à liderança do partido, criticando publicamente a atitude de Merz. O atual chanceler Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD) e políticos de outros partidos também criticaram Merz.
Em Berlim, uma gigantesca manifestação com milhares de pessoas repudiou a atitude de Merz e o AfD. Outros manifestantes acorreram à frente da sede da CDU, na Klingenhöferstrasse n° 8, pressionando o partido para rever sua posição.
O resultado foi contundente. Na sexta-feira (31), Merz apresentou a proposta de transformar a moção aprovada na quarta-feira em lei, agora com efeito vinculatório. O debate foi descrito na mídia como “acalorado”, “emocional”, “histórico”. E no final da tarde, computados os votos, constatou-se a derrota da proposta por 350 votos contrários, 338 a favor, cinco abstenções e 40 ausências. Apesar do voto ser secreto, ficou evidente que houvera ausências dentro do próprio partido de Merz.
Como ler esta sequência de eventos? Aparentemente, Friedrich Merz, candidato a chanceler, lançara um balão de ensaio, a fim de fortalecer sua posição de liderança a três semanas das eleições para o Bundestag....
Duration:00:05:28
Medidas econômicas de Trump trazem impactos globais e riscos de inflação
1/27/2025
Na primeira semana de seu novo mandato, o presidente Donald Trump retomou rapidamente sua estratégia de remodelar a política comercial dos EUA por meio da aplicação de tarifas. Essas ações, reminiscentes de seu primeiro mandato, têm como objetivo fortalecer as indústrias domésticas e corrigir desequilíbrios comerciais. No entanto, também levantam questões sobre possíveis repercussões econômicas e o futuro das relações comerciais internacionais.
Thiago de Aragão, analista político
No dia 20 de janeiro de 2025, o presidente Trump anunciou a imposição de uma tarifa de 25% sobre as importações do Canadá e do México, citando preocupações com a imigração ilegal e o tráfico de drogas. Essas tarifas estão programadas para entrar em vigor em 1º de fevereiro de 2025. Além disso, Trump propôs uma tarifa de 10% sobre produtos chineses, acusando Pequim de contribuir para a crise de fentanil nos EUA ao enviar a droga para o México e o Canadá, de onde ela entra nos Estados Unidos.
Em outra medida imediata, o governo impôs uma tarifa de 25% sobre todas as importações colombianas depois que a Colômbia recusou aceitar voos de deportação de migrantes colombianos enviados pelos EUA. Essa tarifa deve dobrar para 50% dentro de uma semana, caso a disputa não seja resolvida.
A reintrodução de tarifas gerou reações mistas na comunidade empresarial. Alguns líderes da indústria expressaram preocupação com possíveis interrupções nas cadeias de suprimento e aumento dos custos para os consumidores. Empresas como a 3M, que possuem operações significativas com o México e o Canadá, estão avaliando o impacto potencial dessas medidas.
Risco de inflação
Economistas alertam que essas tarifas podem levar a preços mais altos para os consumidores e aumentar a inflação. Um relatório do Instituto Peterson de Economia Internacional sugere que essas políticas podem elevar a inflação para entre 6% e 9,3% até 2026, em comparação com uma previsão de 1,9% sem essas medidas.
As respostas globais às medidas tarifárias dos EUA têm sido variadas. Alguns países estão buscando reduzir sua dependência do mercado americano, investindo em novos acordos bilaterais e regionais de comércio. Essa mudança pode diminuir a influência dos EUA como potência comercial e enfraquecer sua força econômica a longo prazo.
Em resposta às tarifas, a Colômbia criticou as ações dos EUA. O presidente colombiano, Gustavo Petro, enfatizou a necessidade de tratar os migrantes com dignidade e expressou disposição em aceitar os deportados em voos civis.
Olhando para o futuro, o governo americano pode considerar várias opções para avançar sua agenda comercial:
1. Negociações com parceiros comerciais: Os EUA podem se envolver em discussões com países afetados para abordar questões subjacentes, como imigração e tráfico de drogas, o que poderia levar à redução ou remoção das tarifas.
2. Expansão das medidas tarifárias: Se as tarifas iniciais não alcançarem os resultados desejados, o governo pode ampliar seu escopo para incluir mais países ou produtos, visando proteger ainda mais as indústrias domésticas.
3. Ajustes econômicos domésticos: Para mitigar impactos negativos em consumidores e empresas, o governo poderia implementar subsídios ou incentivos fiscais para apoiar indústrias afetadas e controlar a pressão inflacionária.
4. Ações legais e legislativas: Desafios às tarifas podem surgir no âmbito doméstico ou internacional, levando a disputas legais ou esforços legislativos para limitar a autoridade executiva sobre a política comercial.
Enquanto o governo navega por essas dinâmicas comerciais complexas, será necessário equilibrar os objetivos de proteger os interesses domésticos com as possíveis repercussões econômicas globais. As próximas semanas e meses serão cruciais para determinar a eficácia e a sustentabilidade dessas políticas tarifárias.
Duration:00:03:56
"Retorno de Trump à Casa Branca é novo pesadelo para a Europa", diz analista político
1/20/2025
Nos últimos anos, duas preocupações cresceram entre a maioria dos governantes na Europa, na União e fora dela. A primeira foi a tensão com a Rússia, provocada pela guerra na Ucrânia. Na esteira dos Estados Unidos e da Otan, a maioria dos países europeus alinhou-se ao apoio financeiro e militar do governo de Kiev.
Flávio Aguiar, analista político
A segunda foi a de que, com o crescimento dos partidos de extrema direita, a pauta de quase todos os governantes e partidos europeus, da centro-esquerda à direita tradicional, passou a assimilar de modo mais orgânico o repúdio a imigrantes e refugiados, sobretudo àqueles que vêm do antigo Terceiro Mundo, hoje Sul Global, e aos oriundos dos países muçulmanos.
A Rússia, a “invasão” do espaço europeu por aqueles considerados como estranhos a seu universo cultural e até religioso, o suposto terrorismo importado dos países árabes: eis um coquetel explosivo que alimenta alguns dos pesadelos mais aterrorizantes de governantes e governados preocupados em preservar os valores tidos por eles como autenticamente europeus, em torno da democracia liberal e do liberalismo econômico.
Agora um novo pesadelo veio se juntar aos já mencionados: a posse, a partir desta segunda-feira (20), de Donald Trump em seu segundo mandato na Casa Branca.
Jamais um presidente norte-americano acumulou tantos poderes. Ele tem a seu lado a maioria nas duas casas do Congresso em Washington, uma sólida maioria na Suprema-Corte, que lhe garantiu imunidade criminal enquanto estiver no cargo, e o alinhamento explícito de duas das maiores Big Techs mundiais, lideradas por Elon Musk e Mark Zuckerberg. Outras devem aderir a este verdadeiro consórcio digital, informativo ou des-informativo, conforme o ponto de vista favorável ou crítico a elas.
Elon Musk já apontou suas baterias para a Europa, aliando-se explicitamente aos partidos de extrema-direita em alguns países, como o Reino Unido e a Alemanha. Zuckerberg promete suspender o sistema de verificação da credibilidade das informações que circularem na sua Big Tech.
Os problemas europeus, entretanto, não têm raízes apenas em fontes definidas como externas. A própria Europa navega num mar de turbulências e incertezas.
Os governos da dupla principal da União Europeia, França e Alemanha, estão fragilizados. Em 2024 a França teve quatro primeiros-ministros. O atual, François Bayrou, escapou de um voto de desconfiança na Assembleia Nacional fazendo concessões ao Partido Socialista, entre elas a de rediscutir a proposta de reforma de Previdência Social defendida pelo presidente Emmanuel Macron.
Na Alemanha, o primeiro ministro social-democrata, Olaf Scholz, enfrentará uma eleição difícil em fevereiro. De momento, as pesquisas de intenção de voto são amplamente desfavoráveis a seu partido.
Partidos de extrema direita estão no poder na Hungria e na Itália, e acossam os governos da Escandinávia, antes um verdadeiro santuário da social-democracia. Na Áustria, o Partido da Liberdade, de extrema direita, foi o mais votado na última eleição e agora tenta formar um governo de coalizão com a direita tradicional.
O Acordo de Shengen, que prevê a livre circulação entre os países europeus, está ameaçado, porque vários deles estão restabelecendo controles policiais em suas fronteiras terrestres.
Desafios econômicos
A economia da União Europeia está fragilizada. O alinhamento da Alemanha, que representa 30% do PIB da Zona do Euro, com o governo de Kiev terminou por provocar a interrupção do fornecimento do gás russo para o país. A indústria alemã entrou em recessão, acossada pela concorrência chinesa na produção de veículos elétricos e prejudicada pela turbulência no comércio mundial, graças à guerra na Ucrânia e o conflito no Oriente Médio. A Alemanha segue sendo a principal exportadora e importadora de produtos europeus. Uma crise nela atinge todo o continente.
Até a recente assinatura do Acordo de Parceria entre a União Europeia e o Mercosul é fonte de desavenças, com a Alemanha...
Duration:00:04:57
Declaração de Donald Trump sobre Canal do Panamá mostra incompreensão do republicano
1/13/2025
No teatro das absurdidades políticas, as recentes declarações do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, sobre o Canal do Panamá merecem aplausos – ainda que irônicos. Sugerir que os EUA deveriam “reassumir” o controle do canal, uma artéria vital para o comércio global, não apenas ignora o contexto histórico de sua transferência para o Panamá, mas também demonstra uma profunda incompreensão da geopolítica moderna.
O canal, construído pelos Estados Unidos no início do século XX, foi entregue ao Panamá em 31 de dezembro de 1999, conforme os Tratados Torrijos-Carter assinados em 1977. Essa transição foi um marco monumental para a soberania panamenha, celebrada como uma vitória diplomática e um progresso nas relações entre Washington e a América Latina. Agora, mais de duas décadas depois, sugerir que os EUA deveriam “reassumir” seu controle não é apenas estranho, mas praticamente impossível sem desmontar as regras internacionais estabelecidas.
A apreensão de Donald Trump sobre a influência chinesa nas operações do canal até tem uma ponta de verdade. Empresas chinesas investiram estrategicamente em instalações portuárias perto das entradas do canal, levantando preocupações em Washington. Mas aqui está a questão central: se há alguma culpa por esse suposto “avanço” chinês, ela recai inteiramente sobre os próprios Estados Unidos.
Durante anos, o engajamento dos EUA com a América Latina – e com o Panamá em particular – tem sido marcado pela inconsistência, negligência e falta de visão estratégica. Enquanto Washington desviava sua atenção para outras regiões ou se via atolada em crises políticas internas, Pequim ocupava o espaço vazio com empréstimos, investimentos e projetos de infraestrutura. Não se trata de a China ter superado os EUA em uma competição justa; trata-se de os EUA simplesmente não terem comparecido ao jogo.
As parcerias do Panamá com empresas chinesas não são uma questão de alinhamento ideológico ou de uma grande traição ao Ocidente. Trata-se de pragmatismo. A China ofereceu investimentos em infraestrutura quando Washington só tinha retórica para oferecer. Em vez de fomentar laços mais estreitos com o Panamá e outros países da América Latina, os EUA frequentemente trataram a região como uma reflexão tardia, criando terreno fértil para que outras potências ganhassem influência.
Modelo de eficiência e neutralidade
Mesmo agora, enquanto Trump reclama, o Panamá mantém total soberania e controle operacional do canal. A Autoridade do Canal do Panamá – um modelo de eficiência e neutralidade – garante que o canal permaneça aberto e acessível a todas as nações. Os investimentos chineses em instalações ao redor podem ser dignos de nota, mas não equivalem a propriedade ou controle do canal em si.
A sugestão de Trump de reassumir o controle do canal não apenas ignora os obstáculos legais e diplomáticos, mas também corre o risco de alienar toda a região. Os países da América Latina, incluindo o Panamá, há muito ressentem intervenções pesadas dos EUA. Qualquer discurso sobre “reassumir” o que é legitimamente deles apenas aprofundaria feridas históricas e os empurraria ainda mais para os braços de outras potências globais, como a China.
Se os EUA realmente desejam conter a influência chinesa na região, precisam repensar sua abordagem. Em vez de emitir ameaças veladas ou sonhar nostalgicamente com controle imperial, Washington deveria se concentrar em reconstruir a confiança e oferecer benefícios concretos aos seus vizinhos. Investimentos em infraestrutura, parcerias comerciais e intercâmbios culturais podem fazer muito para reafirmar os EUA como um parceiro confiável.
As declarações de Trump sobre o Canal do Panamá podem agradar a certos públicos domésticos, mas revelam uma profunda falta de compreensão sobre as complexidades da geopolítica latino-americana. O canal não é apenas uma via de transporte; é um símbolo da soberania panamenha e um lembrete do que a diplomacia eficaz pode alcançar. Se os EUA realmente desejam...
Duration:00:04:49