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Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
Location:
Paris, France
Networks:
RFI
Description:
Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
Language:
Portuguese
Episodes
Combate às drogas tem de focar nas pessoas e nas condições de vulnerabilidade, diz especialista
6/26/2025
A ONU estabeleceu que 26 de junho é o Dia Internacional contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas. A data foi criada em 1987 para conscientizar a população mundial sobre os problemas desencadeados pela venda e consumo de entorpecentes. Maria Lúcia Oliveira de Souza Formigoni, especialista reconhecida sobre o uso e dependência de drogas no Brasil, afirma que “a principal droga que nos causa problema é o álcool”. Ela preconiza que o combate às drogas tem de focar “na pessoa e nas condições de vulnerabilidade psicossociais”.
O fenômeno do consumo e venda de drogas cresce anualmente com o surgimento de novas substâncias, rotas de tráfico e infiltração do crime organizado na política de vários países. Maria Lúcia Oliveira de Souza Formigoni, coordenadora da Unidade de Dependência de Drogas do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destacou a importância do Dia Internacional contra o Abuso e o Tráfico de Drogas a como um "momento de reflexão".
Formigoni, que também é presidente do Instituto de Estudos Avançados e Convergentes (IEAC) da Unifesp, explicou que o foco das políticas de combate às drogas deve estar na pessoa e nas condições psicossociais e biológicas que levam ao uso de drogas.
Ela mencionou, por exemplo, que "a falta de lazer, principalmente em comunidades mais vulneráveis, acaba sendo associada ao uso de drogas, principalmente o álcool, que é o maior problema, não só no Brasil, mas no mundo”.
Como o consumo do produto é legalizado, ele não é considerado uma droga por muitas pessoas, mas o álcool “é uma das drogas psicotrópicas que mais causa dependência”, reitera.
Falta de dados epidemiológicos recentes
Formigoni lamentou a falta de dados atualizados sobre o consumo de drogas no Brasil. Segundo ela, o último levantamento nacional é de 2017. A pesquisadora criticou a paralisação de “políticas progressivas” iniciadas nos governos petistas durante o governo Bolsonaro e elogiou os esforços do governo atual para retomar essas ações, apesar das limitações de recursos.
A especialista destacou que os dados disponíveis indicam que o álcool é a principal droga, seguido pela maconha, cocaína, crack e anfetaminas. Ela também expressou preocupação com o uso de esteroides anabolizantes e a mistura de álcool com bebidas energéticas, especialmente entre jovens.
Quanto às políticas atuais de combate às drogas, Formigoni considera que "são adequadas”, apesar de algumas limitações práticas. Ela elogiou a criação de Centros de Atenção Psicossocial (Caps AD) dentro do SUS, que propõem tratamento especializado aos dependentes. Existem, ainda, várias ferramentas digitais, como o www.bebermenos.org.br dentro do qual a pessoa pode se cadastrar para fazer uma intervenção virtual para reduzir problemas associados ao uso de álcool.
Legalização da maconha
Maria Lucia Formigoni reconhece a complexidade das questões relacionadas ao tráfico e à segurança. Em relação ao debate sobre a legalização e descriminalização de algumas drogas, sugeriu que "a legalização da maconha pode reduzir alguns problemas", como registrado em países que autorizam o uso medicinal do canabidiol, mas que a discussão ainda é complexa.
Na opinião da especialista, uma resposta mais eficaz para o problema das drogas passa pela questão da saúde mental.
"O foco mais importante tem de ser na pessoa e nas condições de vulnerabilidade psicossociais que elas têm".
Paralelamente, tem a criminalidade, que envolve questões como o tráfico de drogas e de influência. A professora titular da Unifesp diz que as duas questões se interligam, mas conclui que “a repressão de uma maneira violenta não é o que vai resolver o problema das pessoas que usam álcool e drogas”.
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“O tempo é nosso maior inimigo na luta contra a crise climática”, alerta diretora da COP30
6/25/2025
Em um contexto geopolítico difícil, em que as negociações climáticas registram avanços e retrocessos, e que a discussão sobre combustíveis fósseis ainda polariza, a diretora da COP30, Ana Toni, afirma que a transição energética é inevitável, mas que a transição justa é escolha. “E tem que ser feita nessa década crítica", disse ela à RFI em Bonn, na Alemanha, onde participa da 62ª reunião dos Órgãos Subsidiários da ONU (SB62).
Vivian Oswald, correspondente da RFI, em Bonn (Alemanha)
"Não tenho menor dúvida que a transição vai acontecer. Sempre digo que estamos num avião que tem 99% de chance de cair. E estamos colocando os nossos filhos e os nossos netos nele”, ilustra a diretora da COP30. “A gente não é suicida. Sabe que vai ter essa transição”, resume. “O tema da transição é inevitável. Mas a transição justa é escolha. E é disso que a gente está falando aqui”, destaca, lembrando que, quanto mais rápido essa transição acontecer, menos pessoas, principalmente os mais vulneráveis, vão sofrer.
“São países inteiros que podem desaparecer em 10, 15, 20 anos. Essa escolha a gente tem que fazer nessa década crítica, e ainda não está fazendo”, insiste.
O grande problema, segundo Ana Toni, é que o modelo de desenvolvimento global consolidado há mais de 200 anos baseia-se em combustíveis fósseis, numa agricultura expansionista, e numa economia linear. "E tentar mudar isso, é muito difícil”, resume. “O nosso pior inimigo é o tempo. Tentar mudar isso em 10 anos ou 20 anos é muito difícil, porque [para] todos nós, consumidores, é muito difícil mudar os nossos hábitos, não é?”, pondera.
Ela considera que as populações estão conscientes de que a mudança do clima existe, é causada pelo ser humano, e que uma transição é necessária. Porém, ainda há dificuldade em entender as complexas negociações climáticas.
Furar a bolha do jargão climático
Egressa da sociedade civil, a especialista reconhece que é preciso mudar a comunicação, furar a bolha dos jargões, sempre técnicos demais, para que as pessoas se sintam representadas nas discussões globais sobre clima e se envolvam sem precisar ser ativistas climáticos. Além disso, ela também alerta para o risco das fake news climáticas e o que chama de negacionismo das soluções.
"O espírito do mutirão, que no Brasil a gente entende muito bem, que a gente tem tentado comunicar para fora, é muito isso. É uma COP das pessoas, para as pessoas, onde o tema de transição justa está no centro", afirma, enquanto come um sanduíche num rápido intervalo da agenda frenética de encontros com representantes de mais de 190 países e da sociedade civil que manteve nos últimos dias.
Brasil prepara fundo bilionário para florestas
Entre as conquistas que gostaria de ver nesta COP30 no Brasil, Ana Toni destaca avanços sobre medidas de adaptação climática, emperradas desde a última COP29 em Baku, no Azerbaijão, mas que começam a andar em Bonn — a última grande reunião antes da COP30 amazônica de novembro —, o financiamento granular, "com soluções específicas para projetos específicos”, e novos instrumentos econômicos para manutenção da natureza, entre eles o TFFF (Tropical Forest Forever Facility, na sigla em inglês), um fundo bilionário para a conservação das florestas de pé, que será lançado em novembro em Belém. Este último é a grande aposta do governo como resultado concreto desta COP30. A ideia é que comece com uma capitalização de US$ 25 bilhões de fundos soberanos e alavanque outros US$ 100 bilhões.
A diretora da COP30 reconhece a frustração de muitos com os debates que se repetem ou se prologam todo ano nas COPs. "Logicamente, as pessoas estão vendo o tema da mudança do clima, que a gente fala de COP em COP, mas está ficando cada dia mais quente, tem mais inundação. Então, assim, para que está servindo, né? E a gente não consegue traduzir para o dia a dia das pessoas. Mas deveria ser fácil. Pensa em 10 anos. A gente nem falava, por exemplo, de veículo elétrico, de solar e eólica, de combate a desmatamento,...
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“Eu não esperava tantos músicos tocando choro aqui em Paris”, diz Hercules Gomes em turnê na França
6/23/2025
Ele começou a tocar piano aos 13 anos como autodidata. Depois, ingressou no estudo de música no conservatório e participou dos maiores festivais do Brasil e do exterior, conquistando vários prêmios. Lançou quatro discos, ganhou o reconhecimento do público e da crítica. Fez concertos individuais e como solista ao lado de grandes orquestras internacionais. O capixaba Hercules Gomes esteve de passagem em Paris, onde fez a sua primeira apresentação na França e conversou com a RFI
Maria Paula Carvalho, de Paris
O show no Clube do Choro de Paris, na Maison du Brésil, na cidade universitária, na segunda-feira (16), fez parte da Temporada França-Brasil 2025. No reportório, músicas de seu último álbum, Sarau Tupynambá (2022), além de choros, gênero musical ao qual o compositor vem dedicando parte de sua carreira. “Eu nunca tinha vindo à França, é muito especial tocar no Clube do Choro, um gênero de música brasileira que eu adoro e ao qual me dedico muito. Então, estou muito feliz”, disse.
Hercules Gomes é considerado um dos mais representativos pianistas brasileiros da atualidade não somente por suas habilidades técnicas, mas também pela escolha do seu repertório, em que demonstra fortes influências de ritmos brasileiros, de jazz e da música erudita. “A gente acaba se tornando músico em função de todas as coisas que a gente vive”, explica. “Eu comecei tocando de ouvido por influência do meu pai, tocava teclado em bandas e desde essa época eu já gostava de ouvir música brasileira", lembra. "Com 15 anos, eu entrei no conservatório e comecei a aprender sobre teoria musical, o repertório tradicional e depois, na universidade, aprendi sobre o jazz e a música clássica. Mas eu posso dizer que tanto como compositor e como arranjador, eu tenho cada vez mais me dedicado à música brasileira”, continua. “No meu disco Pianíssimo, eu gravei seis composições minhas e seis músicas de compositores brasileiros famosos, como choros de Ernesto Nazaré e Radamés Gnattali, gravei um baião do Edu Lobo, um samba do Hermeto Pascoal. Eu gosto muito de pegar essas músicas que são maravilhosas e criar em cima delas”, explica.
Homenagem à Chiquinha Gonzaga
Em 2018, Hercules Gomes lançou “No tempo da Chiquinha”, um disco em comemoração aos 170 anos da pianista e compositora Chiquinha Gonzaga, considerada uma das fundadoras da música popular brasileira. “Vários músicos do Brasil foram convidados para fazer arranjos em homenagem à Chiquinha Gonzaga para comemorar essa data. Eu fiz alguns arranjos e, quando eu vi, já tinha arranjos prontos para gravar um disco”, diz. “Eu tenho dois discos que foram trabalhos de resgate: esse da Chiquinha Gonzaga e um segundo que eu gravei em 2020, 'Tia Amélia para Sempre', em homenagem a uma compositora que é contemporânea da Chiquinha Gonzaga, só que muito menos conhecida hoje em dia”, observa. “A nossa identidade musical começou a ser criada na segunda metade do século XIX com esses compositores, como Joaquim Callado, Anacleto de Medeiros, Henrique Alves de Mesquita, Ernesto Nazaré, que carregam uma essência do Brasil muito profunda”, contextualiza.
Hercules Gomes também fala sobre a influência da música europeia no desenvolvimento de uma identidade musical brasileira. “A música brasileira começa dessa influência de ritmos que vinham da Europa, como a polca, a valsa, a mazurca, além dos ritmos que vinham da África com os escravos e de coisas que vinham de Portugal, do colonizador”, afirma. “Então, essa miscelânea de ritmos dá origem à música brasileira que a gente conhece hoje”, diz.
O músico, que é frequentador de rodas de choro, diz ter ficado impressionado com o interesse por esse gênero na França. “Eu não esperava tantos músicos tocando choro bem aqui em Paris”, diz. “Eu não sabia que o movimento era tão grande assim”, se surpreende.
Além de beber na fonte de outros compositores, o trabalho de Hercules Gomes tem inspirado músicos do mundo inteiro a tocarem música brasileira. “Cada vez mais eu sinto esta...
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“Há muito tempo a literatura brasileira não tinha tantos leitores”, festeja Itamar Vieira Junior
6/18/2025
O premiado escritor brasileiro Itamar Vieira Junior está na França para participar de uma série de eventos. O autor do romance “Torto Arado”, um dos maiores fenômenos da literatura brasileira dos últimos tempos, veio à França para participar de uma série de eventos literários. Em entrevista à RFI, ao falar da diversidade atual da literatura brasileira, festejou que há muito tempo “o Brasil não via um público leitor tão interessado na literatura brasileira”.
Itamar Vieira Junior foi um dos convidados do importante festival literário francês Étonnants Voyageurs. O evento que acontece em Saint-Malo, porto da região da Bretanha, homenageou este ano o Brasil e a diversidade da produção literária contemporânea brasileira. Em Paris, Itamar Vieira Junior continuou os encontros com o público francês para falar de sua obra
“Torto Arado” (Todavia, 2019) foi amplamente aclamado no Brasil e em vários outros países. Vencedor dos prêmios Jabuti e Oceanos, o livro já foi traduzido para 31 línguas e vendeu mais de um milhão de exemplares. O autor baiano assegura que “não imaginava que fosse encontrar tantos leitores, nem mesmo no Brasil, pelo anacronismo da história”.
O romance se passa em uma comunidade rural do interior da Bahia e conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia, abordando temas como a luta pela terra, ancestralidade e herança dos quase 400 anos de escravidão no Brasil. Nos encontros com público pelo mundo, e agora aqui na França, ele percebe que os leitores se fixam na história pela “vida que as personagens oferecem”.
“Essa é uma história que, independentemente de onde estejamos, fala de algo que é vital para o ser humano, que é o direito à terra, o direito ao território. Nos grandes conflitos do mundo hoje, o território está em disputa”, define.
Outro tema do livro que atravessa várias culturas, como a brasileira, a francesa ou a americana, é a memória sobre a escravidão e a hstória colonial. "É algo que ainda está presente. A nossa maneira de habitar o mundo é uma maneira inaugurada com o colonialismo, de exploração da natureza e do ser humano ao extremo”, relaciona.
Diversidade da literatura contemporânea brasileira
Itamar Vieira Junior participou ao lado de outros escritores brasileiros, como Djamila Ribeiro, Bernardo Carvalho ou Jeferson Tenório, do Festival Étonnants Voyageurs, realizado de 7 a 9 de junho. Um “Outro Brasil”, ou a diversidade da literatura brasileira, foi promovido pelo evento literário francês.
O autor baiano, que critica com frequência uma certa literatura elitista e defende a literatura popular, festeja a multiplicidade de autores brasileiros contemporâneos sendo publicados, encontrando um público e tendo concretamente mais visibilidade. “Autores que começaram a publicar agora e que trazem essa experiência de um Brasil mais diverso, de um Brasil mais plural”, salienta.
Segundo ele, "há muito tempo, desde Jorge Amado, o Brasil não via um público leitor tão interessado na literatura brasileira. E isso é bom porque é uma literatura, que aos poucos, vai ganhando contornos da cara do Brasil”.
Novos projetos
Na França, o “Torto Arado” foi publicado em 2023 pela editora Zulma, com tradução do talentoso escritor Jean-Marie Blas de Roblès, que já viveu no Brasil e conhece muito bem o país. Em 2024, Itamar Vieira Junior venceu o prêmio francês Montluc de Resistência e Liberdade. Um prêmio que o escritor considera “simbólico” para a sua obra.
“Salvar o Fogo”, o segundo romance da trilogia da terra do autor, também vencedor do prêmio Jabuti, já foi traduzido para 12 idiomas, mas por enquanto ainda não foi lançado na França. Itamar Vieira Junior já terminou a escrita e se prepara para o lançamento do terceiro volume.
“Coração sem medo” será publicado no final do ano no Brasil e no início de 2026, em Portugal. A história, que fecha a trilogia, se passa em Salvador e “lança luz sobre aqueles que foram absolutamente desterrados, que precisaram migrar para a cidade e refazer suas vidas”,...
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"Não consigo imaginar um fracasso", diz secretário extraordinário para a COP30
6/18/2025
A menos de cinco meses da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontece novembro em Belém, o secretário extraordinário para a COP30, Valter Correia da Silva, corre contra o relatório para que o evento o meio da Amazônia seja inesquecível de maneira positiva. Otimista, ele reconhece os desafios, mas afirma que a capital paraense será outra depois da convenção. Sobre hospedagem, um dos grandes nós no horizonte, diz que a questão será equacionada e que os preços de leitos estarão dentro do razoável.
Vivian Oswald, correspondente da RFI em Brasília
Em entrevista ao RFI Convida, Valter Correia da Silva afirmou que os donos de imóveis e hotéis estão "caindo na real", que num primeiro momento existiu o que chamou de "alucinação coletiva”. Capitaneado por ele, o governo está mapeando os leitos disponíveis e a ideia é que ninguém deixe de ir por causa dos custos.
Isso é o que pretende dizer em Bonn, na Alemanha, onde as 190 delegações que estarão em Belém se reúnem na SB 62, a última grande reunião do clima da ONU antes da COP30.
Correia afirma que há várias frentes em que o governo tem trabalhado desde o ano passado. Ele esteve recentemente em Belém, onde passou uma semana, para mapear a cena da hospedagem.
Entre as opções, haverá as vilas militares, que, na verdade, são espaços que militares utilizam para pernoites, e que estão sendo reformadas há quase um ano e devem abrir 1.600 leitos. O governo federal acaba de assinar com um ator imobiliária de Belém um termo de compromisso para garantir transparência e ética na oferta de imóveis durante a COP30.
"Radiografia" do setor
O secretário quer uma "radiografia" do setor para ter um mapa da real demanda que ainda precisa ser atendida.
"Temos escolas que estão sendo reformadas, que vão disponibilizar 5.000 leitos. Temos os navios que estão na fase final de contratação. Já contratamos a Embratur, que está em fase final de contratar a operadora, que por sua vez contrata os navios. Acredito que mais uma semana, duas no máximo, já tenhamos os navios praticamente contratados”, afirma Correia da Silva.
Esses navios vão ficar um pouco mais afastados. Não ficarão na Estação das Docas, como previsto inicialmente, porque o calado não preparado. A dragagem não deu certo. "E a gente acabou indo para um porto próximo, que é Outeiro. Mas ali precisa de uma reforma, que já começamos. Já está num estágio bastante alucinado de obras ali”, diz.
"Praticamente estamos construindo dois píeres novos. Estamos reformando e construindo um novo para poder atracar esses dois navios, com calados mais do que suficientes para esses dois navios, e, eventualmente, até para um terceiro se a gente conseguir contratá-lo”, explica.
Os dois navios devem oferecer seis mil leitos no total. Para aproximar quem vai se hospedar neles da área da convenção, está sendo construída uma ponte, que deve ser entregue em agosto, pelo governo do estado e uma pista de BRT.
“O BRT está em fase final. Vamos fazer uma linha direta do navio até o local do evento. Vai dar ali em torno de 25, 30 minutos no máximo, com os ônibus que a gente vai colocar à disposição para levar todo esse pessoal que tiver no navio”, conta, lembrando que até motéis estão disponíveis para acomodar as pessoas nesse período. "Achamos que vai ser suficiente”, garante.
Ofertas de imóveis e plataforma de reservas
A oferta em imóveis privados continua crescendo, segundo ele. Passou de 600 imóveis que normalmente se colocava disponível nas plataformas para mais de 5.000. Correia acredita que os preços exorbitantes vistos até aqui começam a diminuir, embora muitas pessoas continuem se queixando da falta de oferta e dos valores muito acima do que se poderia imaginar.
"Já temos uma pesquisa que aponta que já está diminuindo os valores desses imóveis. Significa que as pessoas, num primeiro momento, testaram, para ver se conseguiam um valor maior, e, vendo que não conseguem alugar por esses preços, estão diminuindo. Mesmo assim ainda...
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Cantora Fernanda Abreu diz que funk carioca sofre preconceito racial até hoje
6/12/2025
Artista brasileira com 35 anos de carreira solo vai fazer show na sexta-feira (13) em Paris e garante que vai levar ao palco parisiense a carioquice para o público dançar e se divertir. A cantora disse que o show será uma viagem musical e que tocará os seus maiores sucessos.
“Eu não vou à França há muito tempo, então vou aproveitar para tocar músicas de todos os meus discos. Eu vou cantar músicas do Sla Radical Dance Disco Club, Sla 2, Da Lata, Raio X, Entidade Urbana, Da Paz, Amor Geral… Enfim, acho que a galera vai querer ouvir, cantar e dançar comigo. Então, vai ser basicamente um show com muitos sucessos”, revelou Fernanda Abreu.
“Esse passeio musical vai traduzir muito o que é a minha trajetória dentro da música dançante brasileira. Vai ter um pouco de samba, de funk, de disco… De tudo um pouco”, completou.
Fernanda Abreu lembrou que seus shows fora do Brasil sempre têm muitos brasileiros e que a energia do palco contagia a todos. “O show é energético, com muita dança, suingue, embalo e batida. Então a receptividade é sempre muito boa”, destacou.
A cantora carioca, que sempre teve grande identificação com o Rio de Janeiro, revelou que a sua cidade natal é grande inspiração. “O Rio é onde vivo. Eu entendo o mundo através deste olhar carioca. O Rio é uma cidade de uma contradição muito grande, uma desigualdade que está muito na cara das pessoas. Você tem, por exemplo, um bairro como São Conrado, que é riquíssimo no asfalto e, na parte de cima, tem a favela da Rocinha, uma das maiores da América Latina. E esse contraste acontece em todo o Rio de Janeiro. Não é como em algumas outras cidades, que têm periferia e pobreza, mas fora do centro: como se houvesse cinturões. Você tem de caminhar muito para poder enxergar a pobreza e a desigualdade. No Rio de janeiro, por conta do relevo com morros, e com o surgimento de favelas, essa contradição é muito visível”, explicou.
“Eu comecei minha carreira solo em 1990 com uma linguagem musical muito diferente do que estava sendo feita na época. Eu abracei uma cultura periférica e favelada. Eu era uma menina branca de classe média e sempre defendi o funk carioca porque, no fundo, eu sempre achei que o preconceito era racial; tinha sempre um racismo estrutural ligado a uma rejeição ao funk carioca, muito mais do que musical. Era uma música feita por pretos, pobres e favelados. Então, estava sendo sempre criminalizada, e até hoje é assim”
Fernanda Abreu lembrou que, até o início dos anos 90, os morros cariocas eram redutos de samba e, a partir dali, a juventude começou a abraçar esta música eletrônica feita por DJs, que era o funk carioca.
"Eu acredito que a minha contribuição dentro da música pop dançante brasileira é ter trazido essa linguagem do funk e a mistura com o samba e com a música eletrônica. Hoje a gente vê aflorar artistas como Anitta, Ludmila, Isa, Luísa Sonsa e tantas outras grandes artistas brasileiras. E que, de certa maneira, seguiram este caminho da música pop dançante", disse.
“Musicalmente, o Rio de Janeiro é uma cidade que inventou o chorinho, o samba, a bossa nova e o funk carioca. Então, não tem como eu, que trabalho com música, não olhar, não ouvir e não enxergar essas expressões musicais e culturais. Foi aí que comecei a fazer a minha própria mistura”, revelou a cantora.
Nesta conversa com a RFI, Fernanda Abreu afirmou que a cena musical brasileira tem se transformado através das décadas. Para ela, a música, tanto no formato, quanto na linguagem, tem passado por evoluções influenciadas pela sociedade e pela realidade da época.
Fernanda lembrou que no processo brasileiro de democratização, em 1985, a trilha sonora que se fazia era, também, com críticas à ditadura. “Neste começo de liberdade, nos anos 80, vieram à tona bandas como Blitz, Paralamas, Legião, Kid Abelha, Barão Vermelho; era toda uma juventude que falava de liberdade e com uma pegada rock. E nos anos 90, eu, Carlinhos Brown, Lenine, O Rappa, Planet Hemp, Daniela Mercury, só para citar alguns...
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Jeferson Tenório transita entre diásporas negras e escrituras antirracistas no Festival do Livro de Saint-Malo
6/10/2025
Durante sua participação na 34ª edição do Festival Étonnants Voyageurs, em Saint-Malo, o escritor brasileiro Jeferson Tenório destacou a importância de discutir o racismo estrutural e a identidade negra no Brasil contemporâneo. Autor de O Avesso da Pele, obra que tem ganhado repercussão internacional, Tenório falou sobre censura, representatividade e lutas antirracistas, além de refletir sobre as diferenças entre o racismo brasileiro e o europeu.
Durante sua participação na 34ª edição do Étonnants Voyageurs, o Festival Internacional do Livro e do Filme de Saint-Malo, no norte da França, o escritor brasileiro Jeferson Tenório refletiu sobre o papel dos encontros interculturais e a força da literatura como ponte entre experiências negras ao redor do mundo.
“Cada vez que há encontros entre culturas, entre diferentes literaturas e expressões artísticas, percebo que existem consonâncias. Vejo a possibilidade de diálogo, de construção de pontes. É também uma oportunidade de compreender a complexidade do racismo e de perceber que as experiências negras e diaspóricas, no fundo, são muito parecidas. Acredito que a literatura tem justamente esse papel de revelar essas identidades. Embora existam dissonâncias, obviamente, a experiência da diáspora é muito semelhante em muitos aspectos”, afirmou o autor de O avesso da pele.
A mesa-redonda “Vozes de Luta” reuniu o escritor brasileiro Jeferson Tenório, o norte-americano Mateo Askaripour, e Olivier Marboeuf, de Guadalupe, somando algumas das principais vozes decoloniais a antirracistas contemporâneas. Na ocasião, Jeferson Tenório citou o autor martinicano Frantz Fanon, ao abordar o privilégio da escolha e a dimensão coletiva da existência negra, e falou ainda sobre o estágio do Brasil na discussão antirracista. Ele refletiu sobre os avanços e os desafios do país nesse tema.
Leia tambémEscritores brasileiros resgatam ancestralidades e lutas em homenagem especial no Festival de Saint-Malo
“Tenho viajado bastante por vários países nos últimos anos e percebo que o Brasil tem uma discussão bastante avançada e sofisticada em relação às questões raciais. Houve um aumento significativo no reconhecimento da literatura negra, assim como dos saberes negros dentro das universidades. Me parece que, hoje, há um avanço bastante significativo. Por outro lado, também existe uma reação conservadora e reacionária que ameaça transformar esses avanços em retrocessos. Essas contradições são próprias do Brasil e vêm se acentuando nos últimos anos”, analisou.
Censura
Tenório falou ainda à RFI sobre a censura sofrida por uma de suas obras mais conhecidas. "O Avesso da Pele, no ano passado, foi recolhido de algumas escolas justamente por tratar de questões como a violência policial, o racismo estrutural e também aquele racismo mais sutil, presente no cotidiano. Isso mostra como ainda vivemos em uma sociedade conservadora — e, em muitos aspectos, autoritária — que não permite que essas discussões cheguem às escolas, por exemplo", disse.
O escritor premiado contou ainda que esteve em Portugal para divulgar seu novo livro. "Esse é o meu trabalho mais recente, lançado em 2024, e se chama De Onde Eles Vêm. O livro conta a história de Joaquim, um jovem negro que ingressa na universidade por meio do sistema de cotas — algo que costumo chamar de uma 'revolução silenciosa' nas universidades. Essa entrada massiva de pessoas negras no ensino superior tem transformado a sociedade e a mentalidade coletiva. Ainda há muito racismo, é claro, mas essa mudança tem causado um impacto profundo", argumentou.
Questionado sobre a percepção do “diferente”, especialmente quando se fala da pessoa negra na França, Tenório disse que conhece pouco o país. "Tenho mais familiaridade com a cultura portuguesa, porque estudei bastante e frequento o país com certa regularidade. Mas, em relação à França, me parece que segue a mesma linha da maioria dos países europeus, que ainda não discutem profundamente a questão racial. Talvez o debate...
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'A política das emoções é também uma política da memória': Djamila Ribeiro abre Festival do Livro de Saint-Malo
6/9/2025
"O que é a liberdade?" Foi com essa pergunta que a filósofa, escritora, professora e editora brasileira Djamila Ribeiro abriu o painel inaugural da 34ª edição do Étonnants Voyageurs, o Festival Internacional do Livro e do Filme da cidade portuária de Saint-Malo, no norte da França. Ao lado do irlandês Paul Lynch, da norte-americana Lauren Groff e da franco-marroquina Leïla Slimani, ela interrompeu o debate inaugural para celebrar a trajetória de Marielle Franco (1979–2018), efígie do festival.
Djamila Ribeiro é autora de obras basilares para as novas gerações no pensamento antirracista e decolonial, como "Pequeno Manual Antirracismo" (um dos mais vendidos no Brasil em 2020-2021), "Lugar de Fala" e "Feminismo Negro". Questionada sobre o que mudou no Brasil em relação ao racismo nos últimos anos, ela apontou avanços inegáveis. "Uma coisa definitiva aqui no Brasil hoje esse é que tema está no debate público. As pessoas estão falando mais sobre isso", afirmou à RFI.
A presença constante de Marielle Franco nos materiais gráficos do festival — em cartazes, telões, na programação oficial e até nos crachás — emocionou profundamente Djamila. Na mesa de abertura do festival, diante de mais de mil pessoas, ela falou sobre a importância da imagem da vereadora. Durante a mesa-redonda sobre "liberdade", Djamila lembrou que Marielle “foi interrompida enquanto lutava pela liberdade, pelo direito de ser uma mulher pública e por causas importantes para nós, mulheres negras no Brasil — uma mulher que veio da comunidade e foi silenciada nessa luta”.
"Cartas para minha avó"
Além dos debates sobre racismo, ancestralidades e lutas convergentes, Djamila apresentou no Salão do Livro de Saint-Malo sua obra "Cartas para minha avó". O livro marca uma mudança do registro mais filosófico e ensaístico para um tom mais íntimo e pessoal. Escrever sobre si mesma foi, nas palavras da autora, “um processo de me permitir fazer isso”.
Djamila confessou que, no início, sentiu receio, pois sabia que mulheres escritoras muitas vezes enfrentam desrespeito e que falar do íntimo pode ser visto como uma forma de seguir padrões para conquistar respeito. Ainda assim, o livro “se impôs” a ela. "O editor havia solicitado outro trabalho, mas não me senti à vontade, e as primeiras páginas de 'Cartas para minha avó' simplesmente surgiram", contou: "a política das emoções é também uma política da memória".
A escrita foi difícil, marcada por momentos de choro, mas também por uma "sensação de libertação", segundo a autora. O livro acabou se tornando a história de muitas mulheres, com leitoras e até crianças de escolas que o adotaram escrevendo para Djamila sobre o impacto das cartas, relata a escritora.
Racismos
Convidada frequente em eventos internacionais, Djamila Ribeiro também falou da experiência de circular fora do Brasil. “O racismo é estrutural em todos os lugares, mas na França, por exemplo, vejo uma dificuldade maior em falar sobre isso, uma recusa em olhar para o passado colonial. Há uma diferença fundamental: no Brasil, temos o movimento negro mais antigo da América Latina, que há décadas denuncia o mito da democracia racial.”
As pessoas, os franceses falam que não são racistas, não há estatísticas baseadas em raça na França. Então, como é que a gente vai saber como a população negra na França vive?
Segundo ela, o Brasil "reivindicou esse mito da democracia racial" por muito tempo, uma "ideia romântica de que no Brasil não havia racismo". Foi necessário, segundo a autora, que os movimentos negros "denunciassem, refutassem essa ideia para que o Estado brasileiro assumisse que é um país racista e, ao assumir, criasse políticas públicas de enfrentamento ao racismo", contextualizou.
Djamila sente que, na França, ainda persiste essa visão da democracia racial, com a ausência de estatísticas baseadas em raça dificultando a compreensão da vida da população negra. "Sinto que o Brasil avançou muito ao enfrentar, ao assumir que era um país racista. E aqui na França...
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Antes de conferência dos Oceanos e de megaleilão, Marina Silva critica países consumidores de petróleo
6/8/2025
A sustentabilidade está em todos os discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a visita à França, iniciada na quarta-feira (5). A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, é um dos carros-chefe da comitiva presidencial, mas, em casa, tem enfrentado uma onda inédita de retrocessos ambientais, a cinco meses da COP30, em Belém.
Lúcia Müzell, da RFI em Paris
Há duas semanas, o Senado aprovou o Projeto de Lei 2159/21, apelidado de PL da Devastação, por desmantelar a lei de licenciamento ambiental no país. Com a desculpa de "desburocratizar” os procedimentos, o texto flexibiliza as exigências para a autorização de projetos com potencial risco socioambiental – no que foi considerado pela ministra como um "golpe mortal” na legislação em vigor.
Em entrevista exclusiva à RFI, na véspera de outra importante conferência da ONU, a de Nice sobre os oceanos, Marina Silva demonstrou confiança de que o presidente Lula "está agindo" para melhorar o texto encaminhado para análise dos deputados. Mas o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro – também presente na viagem à França – defende o projeto, chamado pela bancada ruralista de “destrava Brasil”.
“Os poderes são independentes e temos profundo respeito por essa independência. Mas estamos fazendo ver aos parlamentares que, se essa lei do licenciamento for aprovada, diminuindo os regramentos para a proteção ambiental, nós vamos, além de criar insegurança jurídica, inviabilizar as bases legais sobre as quais nós queremos reduzir emissão de CO2”, disse Marina.
Outro ponto de atrito dentro do próprio governo é o projeto de abertura de novas frentes de exploração de petróleo. Um megaleilão da Agência Nacional do Petróleo de 172 blocos em todo o país, dos quais 47 na margem equatorial, no norte do Brasil, na Foz do rio Amazonas, está marcado para o dia 17 de junho.
"O fato de ter um leilão não significa que a licença esteja dada. Os leilões são feitos, depois cada bloco vai passar por um processo de licenciamento”, explicou. "O Brasil talvez seja o único país que tem um compromisso de zerar o desmatamento até 2030 e fazer a transição para o fim do uso de combustível fóssil, que tem que ser uma transição justa e planejada, com países desenvolvidos liderando esse processo. Tanto países produtores, quanto países consumidores, e países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, vindo em seguida”, salientou.
A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida em Paris.
A senhora vem à França para acompanhar a visita de Estado do presidente Lula ao país, e vocês vão à terceira Conferência dos Oceanos da ONU. Os oceanos estão na linha de frente do aquecimento global e, neste sentido, dependem muito das decisões e ações tomadas nas COPs, em especial para encaminhar o fim dos combustíveis fósseis. Teremos na COP30 ações concretas neste sentido, para proteger os oceanos e o resto do planeta?
Os oceanos e a questão da mudança do clima têm, de fato, sinergias positivas e negativas. Se tivermos um clima equilibrado, a gente consegue manter a biodiversidade marinha. Sem um clima equilibrado, nós já temos problemas, sobretudo em relação aos recifes de coral, que passam por processo de embranquecimento. Quando isso se soma à poluição dos oceanos por diferentes fontes, inclusive a poluição em função dos plásticos, a gente tem um agravamento ainda maior da perda de biodiversidade.
O que nós temos trabalhado é para que a gente tenha, em todos os países, o compromisso de proteger pelo menos 30% das áreas na superfície terrestre e também a parte de oceano. O Brasil já tem 26% da sua área oceânica na modalidade de Unidade de Conservação e nós queremos alcançar a meta de 30%.
Ao mesmo tempo, estamos fazendo também nosso planejamento espacial marinho, um programa muito importante que nós criamos, para a proteção dos manguezais. Os manguezais conseguem sequestrar mais carbono do que floresta. Então, o debate na conferência vai estar em torno daquilo que os Estados nacionais...
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Em Paris, Gilmar Mendes defende regulação das redes sociais e critica modelo atual: “Envelheceu”
6/3/2025
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, afirmou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet precisa ser revisto diante dos desafios contemporâneos impostos pelas plataformas digitais. O magistrado defendeu, em entrevista à Rádio França Internacional (RFI), uma maior responsabilização das redes sociais e destacou a necessidade de o Brasil se inspirar em legislações europeias para enfrentar a desinformação e proteger a democracia.
Nesta quarta-feira (4), o STF retoma o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece que conteúdos só podem ser removidos mediante ordem judicial. Para Gilmar Mendes, essa regra já não responde aos desafios atuais.
“Esse modelo, de 2012, 2014, quando se falava na neutralidade das plataformas, envelheceu. Ele cumpriu uma função importante, mas hoje estamos sofrendo as distorções diante da evolução das redes e dos problemas que enfrentamos, como fake news e ameaças à própria democracia”, afirmou.
O ministro fez uma palestra na segunda-feira (2) no Seminário franco-Brasileiro de Rádio e Televisão organizado pela ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão) na Embaixada do Brasil em Paris, onde destacou a necessidade da regulação das redes sociais, o que não significa, segundo o decano, comprometer a liberdade de expressão.
“Regular as redes sociais não é tolher, ou de qualquer forma mitigar o direito fundamental à liberdade de expressão”, declarou no evento. Gilmar Mendes estacou que o tribunal caminha para uma interpretação que permita a retirada de conteúdos mediante simples notificação às plataformas, sem necessidade de decisão judicial. “É uma mudança significativa no caminho de uma maior responsabilização das plataformas”, explicou.
Brasil é exemplo
Durante a entrevista à RFI, Gilmar Mendes também criticou o modelo de negócios das redes sociais, que, segundo ele, se alimenta da polarização e da desinformação. “As plataformas têm sucesso com a conflituosidade. Notícias factuais não geram engajamento. O que gera engajamento são matérias polêmicas, muitas vezes falsas. Isso está ligado à monetização”, disse.
Ele defendeu que o Brasil siga o exemplo de países como França, Alemanha e Reino Unido, que já adotaram legislações mais rígidas. “As fake news não são um problema brasileiro, nós vimos inclusive nos debates as revelações de manipulações, inclusive com inteligência artificial”, afirmou. Para o decano do STF, o Brasil deve servir de exemplo, fazendo referência aos ataques de 08 de janeiro e um sistema de propagação de desinformação adotado no governo anterior. “Tivemos abuso, um governo que abusou das fake news, tinha lá o tal ‘gabinete do ódio’. As instituições se mostraram resilientes, mas nós temos consciência de que precisamos fazer uma boa regulação e, claro, temos muito a aprender com os avanços que já se detectam na Europa”, concluiu.
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Livro 'Tudo é Rio', da escritora brasileira Carla Madeira, é lançado na França
5/28/2025
Fenômeno literário no Brasil e em Portugal, a escritora Carla Madeira lança agora seu best-seller “Tudo é Rio” em francês. “L’Amour Fleuve” chegou às livrarias de Paris no dia 26 de maio, atraindo os leitores brasileiros, que já acompanham a obra da autora, e atiçando a curiosidade do público local.
Em uma viagem pela Europa para participar de diversos eventos, Carla Madeira desembarcou na capital francesa para o lançamento de “L’Amour Fleuve”, mas também para conversas com leitores brasileiros e franceses. A autora, que participou do encontro literário Printemps Brésilien, na universidade Sorbonne Nouvelle, conseguiu uma brecha na agenda para contar um pouco sobre seus projetos nos estúdios da RFI.
“Tudo é Rio” elevou o nome de Madeira ao patamar de escritora mais vendida do Brasil na categoria ficção em 2023. A obra também foi eleita Livro do Ano em Portugal, no ano passado. Em seguida foi lançado em italiano e agora em francês.
“Tem sido uma experiência muito rica, porque é a possibilidade de estar vivendo toda essa reflexão que envolve o fazer literário. Todas as conversas e muita imersão em assuntos importantes para a minha literatura, para minha escrita”, disse.
Sobre ver sua obra publicada em outros idiomas, Carla Madeira contou um pouco sobre o processo de confiança que precisou estabelecer com os tradutores, especialmente porque seus livros abordam elementos-chave da cultura brasileira, que precisam muitas vezes de um olhar mais criterioso para serem compreendidos pelos leitores estrangeiros.
“Quando ‘Tudo é Rio’ chegou em Portugal, eu comecei a pensar sobre isso, em como as minhas histórias têm uma sonoridade brasileira, passa muito pelos sons de Minas Gerais, e tem esses conteúdos que fiquei na dúvida se o leitor teria aderência. Mas fiquei muito impressionada com o alcance, com o caráter universal dessas questões, da sexualidade, da religiosidade, da violência, da maternidade. São assuntos que estão fazendo sentido aqui. Eu tive conversas com os tradutores, mas é um processo que você tem que confiar na escolha da editora. Com alguns eu tive conversas mais demoradas e eles recorriam a mim para esclarecer dúvidas e abordagens. Assim a gente vai aprendendo a confiar e entregar”, explicou.
“Tudo é Rio”
Carla Madeira disse que não esperava o enorme sucesso de “Tudo é Rio”, e que não sabia nem que a história se tornaria um livro. “Eu não sabia se seria um conto ou se seria algo que você escreve e põe na gaveta. Mas aí eu escrevi a cena central, que é muito violenta e paralisei por 14 anos. Quando retomei o livro, eliminei tudo o que vinha antes e recomecei exatamente desse lugar que tinha me paralisado. Escrevi em oito meses e, ao final, eu vi que tinha um livro. Lancei de maneira independente, em parceria com uma editora pequena, de Minas Gerais, a Quixote+Do, com tiragem pequena, muito tímida, de 700 exemplares. Mas depois vieram mil, depois três mil. E ainda nessa editora lançamos 10 mil exemplares, o que é significativo para qualquer livro, inclusive no Brasil. Aí eu fui para a Record, que é uma editora muito robusta”, contou, reforçando que o processo foi uma construção e não do dia para noite.
Quarto livro a caminho
Madeira conta que os seus três livros foram escritos em paralelo à sua vida profissional. Ela é publicitária e sócia de uma agência em Belo Horizonte, e explica que mesmo hoje dedicando um tempo maior à literatura, a escrita ainda ocupa um lugar de prazer na sua rotina.
“A literatura tem esse lugar de fruição, de prazer de estar escrevendo. Eu estou terminando meu quarto livro. Então eu tenho essa agenda, essa viagem, mas na hora em que eu tenho um tempinho, que posso ficar sozinha, abro o computador e me dedico. Tem que me arrancar dali porque eu tenho um gosto muito grande de escrever”, contou.
Sobre o tema e a previsão de lançamento da próxima obra, Madeira diz que está na fase de releitura e que gostaria que ele saísse esse ano. Mas tudo depende das agendas, especialmente as...
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Músico francês lança álbum com adaptações de canções de Jorge Aragão
5/28/2025
Apaixonado pela música brasileira e pelo Brasil, o músico francês Arthur Albaz se prepara para lançar em junho seu primeiro álbum, “Arthur Albaz chante Jorge Aragão”, uma homenagem a um dos maiores nomes do samba.
O projeto surgiu por meio de um convite de Fernanda Aragão, neta do músico brasileiro, que com a mãe, Tânia Aragão, gerencia o selo Aragão Music. No Instagram ela descobriu vídeos que Arthur Albaz, 29 anos, publica com versões de músicas brasileiras. Coincidentemente, o músico francês é casado com uma carioca fã de Jorge Aragão, com quem trabalhou para adaptar as faixas.
Ao todo, dez músicas foram selecionadas para serem adaptadas com um critério específico: “escolhi as canções de Jorge Aragão sobre o amor”. Albaz explica que com a imensidão da obra do ídolo carioca, ele decidiu se conectar com a energia e a emoção que sente ao ouvi-lo. “O trabalho foi feito junto com o amor da minha vida, falando do nosso amor e do que a gente sente também”, explica.
O processo foi tão romântico quanto eficiente. Em poucos meses, o casal reescreveu e gravou as dez faixas, todas elas cuidadosamente trabalhadas para respeitar a obra original. No entanto, as letras não puderam ser diretamente traduzidas para o francês. Por isso, em alguns versos, apenas o sentido foi adaptado; em outros, a similaridade da sonoridade entre as duas línguas foi o que guiou o trabalho. A faixa “Já é”, virou “J’irais” (irei, em português), mas “Doce Amizade” foi traduzida para “Sucré d’amour” (açucarado de amor).
“As letras [das músicas de Jorge Aragão] são maravilhosas, não dá para traduzir diretamente, não dá para adaptar a palavra original que cabe com a emoção das músicas”, afirma. “A gente não podia traduzir ao pé da letra porque em francês não ia corresponder a nada do que ele canta”, reitera Albaz.
Encarando esse desafio, o músico francês também se deu conta das nuances de cada idioma. “O jeito do brasileiro de comunicar é muito mais direto. O jeito francês vai para um lugar e depois para outro para falar sobre algo determinado”, observa. Para Albaz, não há dúvidas: quando o objetivo é expressar a emoção, o idioma português é mais eficiente.
Encontro com Jorge Aragão
O músico francês relembra, emocionado, o encontro com Jorge Aragão, em março deste ano, após um show do sambista na sala Circo Voador, no Rio de Janeiro. Albaz se surpreendeu com a humildade e a generosidade do ídolo, que além dos elogios ao projeto de seu álbum, também o convidou para se encontrarem no futuro.
“Um momento de sorte”, resume. “Eu não vejo a hora de sentar e conversar com ele novamente sobre esse trabalho e tocar ao vivo. Eu sei que ele gostou, mas eu quero saber mais”, reitera.
O lançamento do álbum antecede outro momento importante da vida de Albaz: a mudança para o Rio de Janeiro, no final deste ano. “Eu sou muito apaixonado pelo Brasil, muito mesmo. Realmente, eu queria ter nascido brasileiro. Eu falo isso para a minha mãe e o meu pai e eles também acham isso”, conta, aos risos.
Não por acaso, Albaz se inspira em um movimento de artistas franceses apaixonados pelo Brasil e que se transformam em uma espécie de transmissores da cultura brasileira na França. Um dos grandes representantes deste grupo é Pierre Barrouh, que participou do movimento da bossa nova, chegando a adaptar grandes clássicos da MPB para o francês.
“O Brasil, para quem conseguiu enxergar, é uma emoção que nunca sai. E a paixão que eu tenho pelo Brasil realmente construiu essa vontade de transmitir”, diz.
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Camila Pitanga participa pela 1ª vez do Festival de Cannes e reverencia o legado do pai
5/23/2025
A atriz Camila Pitanga está participando pela primeira vez do Festival de Cannes. Ela prestigiou a estreia do curta-metragem “Samba Infinito”, selecionado para a Semana da Crítica, e participou de outros eventos durante o maior festival de cinema do mundo.
Adriana Brandão, enviada especial da RFI a Cannes
Camila Pitanga faz uma participação especial no curta-metragem “Samba Infinito”, ao lado de Gilberto Gil. O filme do jovem diretor carioca Leonardo Martinelli foi selecionado para a importante mostra paralela Semana da Crítica.
Ela achou “incrível” representar o Brasil neste ano em que o país foi homenageado no Mercado do Filme, está na competição pela Palma de Ouro com “O Agente Secreto” e sente que participa de um movimento de renovação.
“Fazer parte de um curta, de cineasta expoente, é como se eu estivesse participando de um movimento de renovação do que é o ciclo do cinema”, diz, lembrando que seu pai, Antonio Pitanga, frequenta o Festival de Cannes há mais de 60 anos.
“O Pagador de Promessas”
O grande ator brasileiro atuou no único filme brasileiro vencedor da Palma de Ouro, até agora, “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, em 1962. Este ano, Antonio Pitanga está de novo nas telas em Cannes no documentário “Para Vigo Me Voy”, sobre a vida e obra de Cacá Diegues, de quem foi parceiro, amigo e construiu junto uma parte da história do cinema nacional.
“O legado de Antônio Pitanga é como se fosse um grande baobá. É um legado para o Brasil e para o mundo. Eu bebo dessa fonte, mas eu não estou aos pés de Antônio Pitanga. Ele é um farol que ilumina não só a minha caminhada, mas a caminhada de qualquer ator brasileiro”.
Leia ou clique na imagem principal para ouvir a entrevista completa
RFI: O que está achando dessa primeira participação no Festival de Cannes da sua carreira?
Camila Pitanga: Eu estou achando incrível poder estar no mesmo ano dessa homenagem ao Brasil no Mercado do Filme. Eu participo de um curta-metragem e estou achando muito curioso, muito excepcional. Tenho uma caminhada, mas acho que a vida da gente é sempre recomeço.
Fazer parte de um curta-metragem de um diretor expoente é como se eu estivesse participando de um movimento de renovação do ciclo do cinema. Sou filha de um ator do cinema, sou filha de Antônio Pitanga. Há mais de 50 anos, ele estava aqui recebendo a Palma de Ouro com o “Pagador de Promessas”.
Poder estar aqui participando nesse ano de celebração, fazendo um carnaval na Croisette, trazendo filmes que prezam pela inventividade, que prezam por um olhar crítico, mas ao mesmo tempo experimentando novas estéticas, é uma honra e uma emoção que não têm preço.
Justamente, o seu pai, António pitanga, participou do festival várias vezes. Atuou no único filme brasileiro que ganhou até agora a Palma de Ouro, “O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, em 1962. Você dá continuidade a um certo cinema autoral brasileiro em Cannes?
O legado de Antônio pitanga é como se fosse um grande baobá, que não fala sobre a filha e a atriz Camila Pitanga. É um legado para o Brasil e para o mundo. Eu fiz um documentário com o Beto Brant, querendo reverenciar e fazer com que as novas gerações pudessem reconhecer toda essa trajetória de vida artística, de contribuição, não só na cena cultural, mas na cena política brasileira.
Eu bebo dessa fonte. Honro com meu trabalho da melhor maneira possível, mas eu não estou aos pés de Antônio Pitanga. Ele é um farol que ilumina não só a minha caminhada, mas a caminhada de qualquer ator brasileiro.
Eu tive a honra de entrevistar o seu pai, Antonio Pitanga, há 2 anos, quando ele foi homenageado no Festival do Cinema Brasileiro de Paris..
Eu queria muito ter estado presente. Essa homenagem foi muito especial. Além da história da participação dele, ele é alguém que celebra, que renova. No festival do Rio do ano passado, meu pai estava presente em 3 filmes, sendo que em um deles acumulando o trabalho de ator e diretor, o “Malés”. Eu participo como atriz. É o segundo...
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“Samba Infinito”: curta de Leonardo Martinelli representa Brasil na Semana da Crítica de Cannes
5/21/2025
O curta-metragem “Samba Infinito”, de Leonardo Martinelli, com participação especial de Gilberto Gil e Camila Pitanga, está na competição da Semana da Crítica. O filme é o único representante do Brasil da importante mostra paralela do Festival de Cannes.
“Samba Infinito” se passa durante o Carnaval e acompanha a jornada de um gari que, mesmo estando de luto, trabalha na limpeza das ruas da cidade. Ele encontra uma criança perdida e decide ajudá-la.
Curta é feito de contrastes: alegria-tristeza, cultura popular-cultura de elite, trabalho-festa, realidade-fantasia. Ele simboliza uma das imagens mais fortes do Brasil que é o Carnaval. “A inspiração de fazer o projeto veio de juntar esses temas contrastantes e, ao mesmo tempo, muito brasileiros”, explica Leonardo Martinelli em Cannes
Ele lembra que a origem do Carnaval “vem de um legado da colonização europeia, mas também traz muitos elementos da diáspora africana, da cultura indígena. Então tudo acaba se misturando e formando algo unicamente brasileiro, e a gente busca retratar um pequeno fragmento disso no nosso filme”.
Gilberto Gil no elenco
Além da participação especial de Gilberto Gil, como um sábio guardião do Gabinete Real de Leitura, e de Camila Pitanga, o curta tem a atuação de Alexandre Amador e a estreia do ator mirim Miguel Leonardo. Para o jovem cineasta foi uma “sorte e honra ter esse elenco muito especial. Um quarteto que ilumina a tela”, celebrou ele.
Poder dirigir Gilberto Gil, particularmente, foi “a realização de um sonho porque ele é um artista brasileiro, na minha opinião, um dos mais importantes do século 20 e 21. Gil representa as contradições e as belezas que existem no ser brasileiro”, indica.
A primeira cena do filme é genial, uma ideia realmente de cinema. Uma placa de proibido fazer barulho parece estar na posição certa em uma rua torta.“É uma imagem que estava na minha cabeça há muitos anos, de um elemento da cidade que estivesse fora do lugar, mas que a câmera colocasse no lugar certo e colocando o resto da cidade do mundo de forma errada”, revela o diretor carioca.
Trilogia
“Samba Infinito” é o terceiro de uma trilogia de curtas musicais de Leonardo Martinelli, que começou com o primeiro filme do cineasta “Fantasma Neon”, e continuou com o “Pássaro Memória”. Segundo o diretor, Samba Infinito aborda temas que já estão presentes ao longo da filmografia dele, como “pensar como podemos habitar a cidade, como podemos representar o espaço público e, ao mesmo tempo, a relação da cidade com a labuta, com o trabalho”.
O curta foi selecionado entre os mais de 2 mil inscrito este ano e é o único brasileiro na competição da Semana da Crítica, independentemente do formato. “Já é um enorme prestígio, uma enorme premiação, essa seleção”, comemora Leonardo, enfatizando que “sempre sonhou estar em Cannes”, onde aproveita para buscar parcerias para a realização de seu primeiro longa-metragem.
Além disso, ele comemora poder estar representando o país nesse momento em que o cinema brasileiro está em evidência. “É muito especial!”
Os vencedores da Semana da Crítica serão conhecidos nesta quarta-feira, último dia da mostra. O Festival de Cinema de Cannes termina no sábado (24) e o brasileiro “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, é apontado como um dos grandes favoritos à Palma de Ouro.
Clique na imagem principal para ouvir a entrevista completa de Leonardo Martinelli em Cannes.
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Documentário sobre Cacá Diegues estreia em Cannes no dia em que cineasta completaria 85 anos
5/20/2025
O segundo filme brasileiro na seleção oficial estreou na segunda-feira (19) no Festival de Cannes. O documentário “Para Vigo Me Voy”, sobre a vida e obra de Cacá Diegues, integra a seção Cannes Classics.
A estreia aconteceu no dia em que o cineasta brasileiro, um dos mestres do Cinema Novo, completaria 85 anos. A seleção do filme, codirigido por Lirio Ferreira e Karen Harley, é uma homenagem do festival a Cacá Diegues, morto em fevereiro. Como salientou o diretor-geral do festival, Thierry Fremaux, o diretor brasileiro tinha uma relação histórica com Cannes.
Cacá Diegues participou de 12 vezes do festival de cinema francês, sendo oito delas como diretor, tendo concorrido três vezes à Palma de Ouro, três vezes como jurado e uma vez como produtor. O diretor participou das filmagens de “Para Vigo Me Voy”, concedendo entrevistas e abrindo o set de seu último filme “Deus é Brasileiro 2” para a equipe do documentário. Ele deveria estar em Cannes para esta estreia mundial, mas morreu antes de ver o filme concluído.
“Infelizmente, o Cacá não assistiu ao filme. Mas é uma alegria imensa, é muito emocionante toda essa trajetória e o filme ser lançado aqui no dia do aniversário dele”, festeja Karen Harley. “Onde ele estiver, eu acho que ele está muito feliz com essa estreia, com esse movimento todo de lançamento desse filme aqui”, completa Lirio Ferrreira.
60 anos de história do cinema brasileiro
O documentário tem imagens e depoimentos recentes do cineasta, mas é composto por trechos cronológicos de filmes e entrevistas de Cacá Diegues durante os 60 anos de sua carreira. Nesse percurso, também revela as últimas seis décadas do cinema nacional.
O título faz referência a um dos filmes cults do diretor, Bye Bye Brasil, que estreou justamente em Cannes, em 1980. “É uma espécie de abracadabra que o personagem do José Wilker diz quando vai fazer um truque”, lembra Lirio Ferreira. Para Karen Harley, essa referência sintetiza “todo o universo mágico do Cacá, extremamente lúdico, livre e alegre”.
Cinema político
Mas a obra do cineasta do Cinema Novo também era essencialmente política. “Ele é um dos grandes pensadores do Brasil, além de cineasta e cronista. Ele lutava muito pela democracia no Brasil, por um cinema popular, por uma política de audiovisual e por um cinema no Brasil consistentes, (para) que o Brasil deixasse de viver de ciclos de cinema”, salienta a codiretora de “Para Vigo Me Voy”.
Generosidade, intensidade e capacidade de renovação são também grandes legados do cineasta. “A gente está realmente vivendo momentos em que os inimigos ainda são os mesmos de uma outra maneira. A gente tem que sempre estar alerta. E eu acho que o exemplo de Cacá é significante para tudo isso”, ressalta Lirio Ferreira.
“Para Vigo Me Voy” concorre ao Olho de Ouro, prêmio de melhor documentário do Festival de Cannes, que termina no dia 24 de maio. O outro longa brasileiro da seleção, "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, concorre à Palma de Ouro.
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“O Agente Secreto” é um filme “absolutamente brasileiro”, define Wagner Moura em Cannes
5/19/2025
“O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, estreou neste domingo na competição oficial do Festival de Cannes. A equipe do longa, protagonizado por Wagner Moura, chegou ao tapete vermelho embalada por um bloco de frevo. O filme foi aplaudido com entusiasmo por vários minutos após a exibição e jà é citado como um forte candidato à Palma de Ouro.
“O Agente Secreto” se passa em Recife, em 1977, e explora as tensões políticas da época da ditadura militar brasileira. Essa é a primeira colaboração entre Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura. O diretor e ator concederam juntos uma entrevista à RFI em Cannes.
Para Wagner Moura, foi “libertador” voltar a atuar em português. Ele ficou muito feliz nas filmagens e com a colaboração inédita com Kleber Mendonça. Segundo o ator, “Agente Secreto” é um filme “absolutamente brasileiro”.
“Kleber transforma as referências dele em algo absolutamente brasileiro, de uma forma única. Quer dizer, é um cinema de gênero, que não foi inventado no Brasil, mas é um filme totalmente brasileiro. Isso faz com que esse filme seja um filme original, forte, potente, especial”, elogia Moura.
O cineasta pernambucano, afirmou que fez uma crônica de uma época. “É uma crônica em longa-metragem de um momento da história do Brasil que eu pessoalmente ainda lembro, porque eu era uma criança, mas, ao mesmo tempo, eu acho que tem muita pesquisa histórica”, afirma. O cineasta acredita que o filme fala de “resistência” porque mantém o “olhar na realidade”.
História
A trama acontece “em uma época cheia de pirraça” aponta uma legenda no início do filme. O longa segue o retorno do professor universitário Marcelo (Wagner Moura) a Recife. Ele busca documentos oficiais da mãe, uma adolescente, doméstica de origem indígena, engravidada pelo filho da família de senhores de engenho.
Marcelo também quer se reencontrar com o filho e fugir do Brasil, pois descobre que está marcado para morrer. Pessoas são assassinadas, corpos jogados em represas e rios. Uma perna é descoberta dentro de um tubarão, ganha vida e volta para se vingar. As citações de filmes da década de 1970 são inúmeras, sendo a mais explícitas dela a referência a “Tubarão”, de Steven Spielberg.
O longa é uma combinação de filme de espionagem, thriller político, pastiche, relato pessoal e elementos surreais. Explora temas de resistência, identidade e memória. “O Agente Secreto” tem vários elementos característicos da obra de Kleber Mendonça Filho.
Ele é realizado após “Retratos Fantasmas”, também selecionado em Cannes em 2022, fora da competição. Os dois longas foram rodados nos mesmos locais, e abordam a questão da memória, resistência, diálogo com a história do cinema, e têm ambos três partes.
O “Agente” seria uma continuação. “Eles têm a mesma alma, eu diria, porque são dois filmes muito repletos de imagens guardadas, mas eles não poderiam ser mais distintos”, acredita.
Filme político
Wagner Moura, diretor de “Marighella”, também aborda a questão da memória e da história do Brasil em sua obra. Ele salienta que gosta de filmes políticos, mas diz que “O Agente Secreto”, é um “filme político diferente”.
“O meu filme ‘Marighella’ é ostensivamente confrontador. Esse é um filme sobre pessoas que vivem numa situação tão louca, de valores tão distópicos que, como o Kleber fala, dizer que a ‘água é molhada’ soa como uma coisa comunista”, pontua.
“O Agente Secreto” marca a terceira participação de Kleber Mendonça Filho na disputa pela Palma de Ouro, após Aquarius (2016) e Bacurau (2019), e a quarta na seleção oficial. A seleção do longa reforça a presença e o prestígio do cinema brasileiro no cenário internacional, depois do Oscar histórico de “Ainda Estou Aqui”, que também aborda o tema da ditadura.
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Brasil vive “momento único” em Cannes, diz ministra da Cultura Margareth Menezes
5/16/2025
O Brasil é o convidado de honra do Mercado do Filme, o maior evento da indústria cinematográfica mundial, que acontece paralelamente ao badalado Festival de Cinema de Cannes. A delegação brasileira, composta por cerca de 60 profissionais, é liderada pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, que falou à RFI no pavilhão do Brasil em Cannes.
Margareth Menezes participa em Cannes de várias mesas redondas e outras atividades sobre a política do governo para o cinema brasileiro. Ela está acompanhada da secretária do Audiovisual do MinC, Joelma Gonzaga, que foi quem articulou, desde 2023, essa participação do Brasil como convidado de honra do Marché du Film (Mercado do Filme).
“Um momento único”, resume Margareth Menezes. O MinC investiu R$ 3 milhões nessa participação.
A ministra fica em Cannes até a próxima segunda-feira (19) para poder assistir à estreia de “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, no domingo (18). O longa brasileiro está na disputa pela Palma de Ouro.
RFI: Como foi a articulação para essa participação do Brasil aqui no mercado do filme de Cannes?
Margareth Menezes: Foi realmente um momento único. Essa é a primeira vez que o Brasil é homenageado, é o convidado de honra, tendo a oportunidade de fazer negócios. É a presença do cinema brasileiro internacionalmente. Essa construção começou em 2023, pela secretária do Audiovisual do ministério da Cultura, Joelma Gonzaga, que conhece bem o setor. É uma construção bem estruturada.
O Brasil sempre teve representação através do seu setor audiovisual, mas com a chegada de uma articulação também por parte do governo, isso se ampliou muito mais agora, podendo materializar uma oportunidade única para o Brasil, no momento em que o audiovisual brasileiro se recupera, há 3 anos, da desconstrução e atrasos para todo o setor cultural.
RFI: Qual foi o volume do investimento para essa participação recorde do Brasil aqui em Cannes?
M.M.: Por parte do Ministério da Cultura, do governo brasileiro, foram R$ 3 milhões. Nós fizemos uma chamada de edital para selecionar 30 produtores. Mas a própria iniciativa (dos produtores) e a expectativa positiva dobrou o número. São 65 pessoas (na delegação). Também pela informação do próprio diretor do mercado, estamos aqui com quase 400 brasileiros, pessoas, produtores, empresas. Enfim, foi muito além da expectativa do próprio Mercado. Isso é uma sinalização muito positiva para o momento do Brasil no mercado exterior em relação ao audiovisual.
RFI: O Brasil tem investido muito mais em cinema e na internacionalização do cinema. Já dá para ter uma ideia do retorno desse investimento no setor?
M.M.: Com o retorno dos filmes brasileiros às telas, cresceu o percentual do público brasileiro (assistindo) os filmes, as obras nacionais. Estamos abrindo também novas salas de cinema. Estamos no recorde histórico, agora já com mais de 3.000, quase 3.500. Vamos abrir esse ano mais 40, e em 2026 mais 60 salas. A nossa próxima meta é fazer uma articulação também com as portas de divulgação dos filmes, ou seja, os festivais.
RFI: Um dos dinamismos do cinema brasileiro atual é a regionalização, uma regionalização que se vê aqui nas telas, em Cannes. Como tem sido essa parceria do governo federal com os estados?
M.M.: Estamos retomando os arranjos regionais, que é uma política que promoveu justamente a abertura de outros polos produtores de cinema. Claro que numa escala menor do que no Rio e São Paulo, devido à tradição e a questão (de já serem) polos industriais. Nós estamos nesse momento fomentando a possibilidade e apoiando a abertura dessas outras células de produção cinematográficas nos outros estados. Tem a Ceará filmes, a Bahia filmes, Pernambuco também chegando. É importante porque você potencializa a oportunidade de melhorar também a qualidade da produção. Eu acho que a gente está fortalecendo o cinema nacional com essas novas portas abertas para os produtores e para as temáticas.
RFI: Este ano, uma associação de cineastas independentes...
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“A escolha de um papa com experiência na América Latina mostra que a Igreja quer dialogar com o mundo”, diz especialista
5/9/2025
O cardeal Robert Francis Prevost, natural dos Estados Unidos e naturalizado peruano, foi eleito Papa Leão XIV no segundo dia do conclave. A escolha rápida e simbólica marca uma nova fase para a Igreja Católica, com referências ao legado de Francisco e um olhar voltado ao diálogo e à justiça social, segundo análise do sociólogo de Religiões, Flávio Sofiati.
A fumaça branca surgiu mais cedo do que o esperado no céu do Vaticano, em apenas dois dias de conclave, surpreendendo muitos fiéis. Os 133 cardeais elegeram o cardeal Robert Francis Prevost, agora Papa Leão XIV como novo líder da Igreja Católica. A escolha do cardeal Robert considerada rápida, foi interpretada como sinal de articulação prévia e consenso entre os religiosos reunidos na Capela Sixtina.
“O que parece é que esse tempo a mais, com o Papa Francisco já adoentado, possibilitou as conversas e articulação dentro da Igreja para a escolha do novo pontífice”, sugere Flávio Sofiati
Leão XIV é o primeiro papa agostiniano e tem uma trajetória singular: nascido em Chicago, nos Estados Unidos, viveu por décadas no Peru, primeiramente como missionário e depois como bispo de Chiclayo, noroeste do país. Ele se naturalizou peruano em 2015. “É um papa verdadeiramente americano, porque nasceu nos Estados Unidos, mas foi naturalizado no Peru e conhece bem o que é esse continente. Mais importante do que isso, conhece o perfil da igreja latino-americana e tem conhecimento de uma lógica de igreja que é muito diferente do padrão europeu, que acabou sendo difundido pelo mundo”, analisa o sociólogo das religiões e professor da Universidade Federal de Goiás, Flávio Soffiati, na entrevista à RFI.
A escolha do nome “Leão XIV” também carrega simbolismo, segundo o especialista, pois tem como referência Leão XIII, o papa que lançou a encíclica Rerum Novarum, marco da doutrina social da Igreja. Para Sofiatti, o novo papa sinaliza também que pretende seguir uma linha semelhante à de Francisco, mas com estilo próprio.
“Não sei se será uma continuidade, mas é evidente que não será um rompimento. O legado de Francisco não será um parêntese de 12 anos na Igreja. A escolha de um papa fora da Europa, com experiência na América Latina, mostra uma Igreja que quer dialogar com o mundo”, frisou Sofiati.
“Pontes” e desafios
Logo após aparecer no balcão do Vaticano para uma multidão reunida na Praça de São Pedro, o novo papa fez seu primeiro discurso, destacando a construção de “pontes”, a promoção do “diálogo” e pedindo que as pessoas “não tenham medo”. Para Sofiati, a mensagem de paz do Papa XIV revela sua atenção com as crises globais e sua disposição de projetar a voz da Igreja na construção de uma sociedade mais justa.
Para além das questões relacionadas aos escândalos sexuais envolvendo a Igreja nas últimas décadas, um dos grandes desafios do novo papa, segundo sociólogo, será a de transformar a estrutura da Igreja em uma estrutura missionária.
“O primeiro desafio é de transformar toda essa estrutura da igreja numa estrutura que sai em missão, para levar o projeto de Jesus Cristo para a sociedade. E num diálogo de pontes, como ele disse nesse primeiro discurso, de fazer pontes com as culturas, com as pessoas, e respeito com as diferenças”, conclui.
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Cinebiografia de Ney Matogrosso fecha Festival de Cinema Brasileiro de Paris após sucesso no Brasil
5/6/2025
O longa "Homem com H", cinebiografia que homenageia Ney Matogrosso, fechou a programação do Festival Internacional de Cinema Brasileiro em Paris na terça-feira (6), depois de uma estreia de enorme sucesso em 1° de maio no circuito nacional. Mais do que um retrato de um ícone da música popular brasileira, o filme dirigido por Esmir Filho investiga as brechas poéticas entre ficção e realidade, reativando a memória afetiva do repertório de um dos maiores intérpretes do cancioneiro do Brasil.
O diretor Esmir Filho conta que uma das primeiras etapas do processo de escrita e realização do filme foi ouvir toda a discografia de Ney Matogrosso em ordem cronológica. Segundo o realizador, esse mergulho sonoro funcionou como uma espécie de ativação das memórias afetivas ligadas à obra do artista. A partir dessa imersão, surgiu a necessidade de fazer escolhas dentro do vasto universo que Ney representa. Segundo ele, o desafio foi justamente selecionar, entre tantas fases e personagens que compõem esse “panteão” musical e performático, os elementos que melhor traduzissem a essência de Ney Matogrosso para a linguagem cinematográfica.
"Ney é um artista que sempre escolheu as músicas que quis cantar. Ele não é um compositor, ele é um intérprete, mas ele é também um coautor da música, porque ele amplia o significado da canção, ele torce os sentidos", destaca Esmir Filho.
"Outra coisa que ele sempre diz é que ele cultiva o amor à primeira escuta. Eu acho isso lindo, é quando bate de cara, sabe?", diz. "Foi muito lindo partir desse ponto, pensar a música para depois depois mergulhar na história do artista e entender o que ele estava vivendo enquanto ele cantava", ressalta.
Lacunas entre a realidade e a ficção
Na visão do diretor, a cinebiografia — ou biopic — também pode abrir espaço para a invenção e a ficção. A ideia parte de uma concepção mais poética da memória, que ele próprio resumiu em uma frase dita durante uma conversa com Ney Matogrosso: “Memória é lacuna”. Ao compartilhar essa provocação com o artista, Esmir Filho conta que recebeu uma resposta positiva, como se Ney reconhecesse, também, que lembrar não é simplesmente recuperar fatos, mas lidar com fragmentos, sensações e silêncios.
"Eu acho que, quando a gente trabalha com cinema, trabalha com uma estrutura narrativa. Existe um arco de personagem a ser construído", afirma. "Por isso, minha intenção nunca foi simplesmente colocar um monte de eventos que aconteceram na vida do Ney, como se fosse um mosaico de momentos soltos. Eu sentia que precisava haver uma linha, um fio condutor narrativo. E passei um bom tempo tentando entender qual seria esse fio. Aos poucos, percebi que ele era quase transparente, mas, ao mesmo tempo, muito forte. Era um fio emocional", sublinha o diretor.
Esmir Filho conta que Ney Matogrosso acompanhou de perto o processo de escrita e realização de "Homem com H". "Desde o início do processo, o Ney acompanhou tudo de perto. Ele leu todas as versões do roteiro e sempre fazia comentários, trazia detalhes, enriquecia com mais textura. À medida que lia, ia captando nuances, compreendendo as escolhas narrativas — como, por exemplo, quando duas situações reais, que aconteceram em momentos diferentes da vida dele, eram fundidas em uma única cena para fins de construção dramática", diz.
"Eu sempre mostrava para ele, queria saber se algo o incomodava. Mas nunca houve uma relação de aprovação formal ou de controle criativo. Era um espaço de colaboração, de troca, de presença", destaca Filho. "Quando comecei a escolher o elenco, mandava para ele as fotos dos atores, mostrava os rostos, queria que ele visse quem estaria ali representando sua história. Ele chegou a acompanhar três diárias de filmagem — ficou muito feliz, se emocionou. E, antes mesmo do corte final, fiz questão de mostrar um corte mais avançado do filme, porque queria saber o que ele sentia ao assistir. Foi uma forma de respeitar esse vínculo que construímos ao longo de todo o processo", afirma o...
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"Sobreviventes": filme sobre naufrágio de navio negreiro questiona colonialismo português
5/2/2025
O filme 'Sobreviventes', uma coprodução Brasil-Portugal, estreou nos cinemas brasileiros em abril e será projetado neste domingo (04) na mostra competitiva do Festival de Cinema Brasileiro de Paris. “Sobreviventes” é o último trabalho do cineasta e documentarista José Barahona, morto em novembro de 2024. Com roteiro assinado por José Eduardo Agualusa e pelo próprio Barahona, a obra conta a história de um grupo de náufragos de um navio negreiro - negros e brancos - isolados em uma ilha deserta no século 19, onde enfrentam o dilema entre reproduzir hierarquias do passado ou construir um novo modelo de convivência, tendo como pano de fundo a escravidão e o colonialismo português.
“Sobreviventes” encerra a trajetória de Barahona, cineasta que dedicou grande parte de sua carreira a questionar as relações históricas entre Brasil e Portugal.
"O projeto nasceu em 2012, quando José escreveu a primeira versão da história, ainda como um resquício do documentário 'Manuscrito Perdido', que ele tinha filmado antes no Brasil", relembra a produtora Carolina Dias. O roteiro foi desenvolvido em parceria com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, uma escolha que ela considera essencial: "Fazia todo o sentido trazer um roteirista africano, e o Agualusa tem esse conhecimento tão vasto da cultura angolana, mas também portuguesa".
A obra traduz, segundo a produtora, diversas questões que o diretor levantava frequentemente sobre as relações históricas de Portugal com o Brasil e a África. “Ele gostava de questionar esse olhar de glória que os portugueses têm sobre o colonialismo. Ele não estava de acordo com esse olhar, 'a custa de quem a gente fez tudo isso? O que a gente provocou no mundo com esse colonialismo?' Ele gostava de cutucar, colocar essas questões e suscitar esses debates”, relembra Carolina.
Desafios das filmagens
As filmagens, em uma ilha do Oceano Atlântico, transformaram-se em uma verdadeira aventura, refletindo a própria temática do filme. Foram cinco semanas de gravação, com a equipe enfrentando grandes desafios de acesso às locações e as variações do clima. "José teve a ideia numa praia de acesso difícil, onde a gente tem que descer por uma trilha com corda no final. Para ele, sempre tinha que ser nessa praia", conta Carolina. A natureza torna-se, assim, elemento fundamental na narrativa: "Foi sempre um personagem que ele quis que fizesse parte do filme".
Paulo Azevedo, que interpreta o Padre Angelim, descreve seu personagem como um espelho das contradições sociais ainda presentes. "É um personagem que nasce em Portugal e vai muito cedo para o Brasil. Ele fala um pouco dessas pessoas sem raízes, que não são nem de um lugar nem de outro, mas que se escondem por trás dos personagens sociais que vestem", explica o ator, que já havia colaborado com Barahona em outros dois longas-metragens, “Estive em Lisboa e Lembrei de Você” (2015) e “Alma Clandestina” (2018).
"Durante as sessões, tanto no IndieLisboa quanto na Mostra de São Paulo, a gente pode ver o quanto as pessoas têm quase um riso nervoso por perceber que, mesmo em uma situação no século 19, algumas falas e situações estão presentes ainda hoje", observa Paulo, destacando a contemporaneidade das questões abordadas no filme.
O ator ressalta a importância de revisitar esse período histórico: "Assim como a Europa e o hemisfério norte olham tanto para a Segunda Guerra e a gente vê tantas versões sobre esse mesmo fato, ainda falta muito para entendermos como a escravatura envolveu tantos países e qual o papel de cada um deles, e como isso está presente ainda hoje”.
Paulo Azevedo destaca ainda a mensagem que o filme propõe ao dialogar com o momento atual da sociedade. "A gente fala muito de como manter viva a democracia, e não tem como avançar qualquer discussão sem pensar o racismo. É olhar para essas cicatrizes e tentar construir alguma forma de reparação para ter uma sociedade que vale a pena para todo mundo".
Legado
Embora ambientado no passado colonial,...
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