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Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
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Paris, France
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RFI
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Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
Language:
Portuguese
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"Ajuda internacional fracasou" no Haiti que vive “transição permanente”, denuncia especialista
1/13/2025
Quinze anos depois do terremoto que devastou o Haiti, em 12 de janeiro de 2010, o futuro do país nunca pareceu tão Sombrio. Ricardo Seitenfus, um dos grandes especialistas do país caribenho, está em Paris para uma palestra sobre “as perspectivas do Haiti diante da crise” na Casa da América Latina nesta segunda-feira (13). Em entrevista à RFI, ele disse que o país vive “uma transição permanente” e denuncia o “fracasso da ajuda internacional” no país.
O professor Ricardo Seitenfus é doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra e tem vários livros sobre o Haiti, onde foi representante especial da Organização do Estados Americanos, OEA, de 2009 a 2011. Na época, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização (Minustah) estava atuando no país.
Criada em abril de 2004 pelo Conselho de Segurança da ONU após a deposição do presidente Jean Bertrand Aristide, a missão de paz foi comandada durante toda a sua existência, até 2017, pelo Brasil. “Um grande fracasso”, resume Seitenfus. Segundo ele, a operação, que consumiu quase US$ 10 bilhões, não só falhou em estabilizar o país como também trouxe problemas adicionais, como o surto de cólera que matou milhares de haitianos.
O terremoto de 2010 veio agravar a situação, mas “o Haiti faz parte de uma engrenagem da indústria da ajuda Internacional e nós temos condições hoje no país que são muito piores do que as de 2004”, denuncia.
Atualmente, o Haiti é governado por um gabinete provisório há 9 meses e a presença de uma força policial internacional, liderada por tropas do Quênia, não consegue controlar a violência crescente das gangues que dominam a capital Porto Príncipe. Seitenfus ressalta que “cerca de 90% da área metropolitana de Porto Príncipe está sob o controle de gangues, complicando ainda mais o cenário”.
Fragillidade política
A violência crescente se soma à fragilidade política. O professor destacou que a transição iniciada em 1986, com a queda de Jean-Claude Duvalier, nunca foi concluída. “O Haiti vive uma transição permanente, sem consenso ou diálogo entre as forças políticas. Essa falta de entendimento dificulta qualquer avanço democrático”, afirmou.
Para Seitenfus, a solução não está em repetir os erros do passado, como as missões de paz da ONU, mas em garantir um pacto de liberdades democráticas, com o apoio do Conselho de Segurança da ONU e amparado por eleições justas, fortalecendo as instituições haitianas. “O Brasil poderia contribuir com isso, com a implementação do voto eletrônico”, acredita.
Além disso, o Brasil, que antes oferecia vistos humanitários aos haitianos, agora endureceu as regras de concessão, o que Seitenfus atribui a pressões da política migratória dos Estados Unidos com a volta de Donald Trump à Casa Branca, no próximo dia 20. Para ele, decisões como essa apenas agravam a situação de milhares de haitianos que buscam fugir das condições precárias no país.
Desafio de novas eleições
O governo provisório deve realizar uma reforma Constitucional e organizar eleições em 2026, mas as perspectivas são pouco animadoras, na opinião do especialista. “As forças políticas haitianas têm prazer em prolongar a transição, dividindo o poder e os escassos recursos disponíveis” entre eles, afirmou. “É preciso fortalecer as instituições haitianas, começando pela polícia, que hoje tem apenas 0,5 policial por mil habitantes”, aponta o professor.
Seitenfus acredita que a solução para o Haiti depende, acima de tudo, do fortalecimento, da adesão da confiança da população na democracia. A participação eleitoral no Haiti caiu de 63% em 2006 para apenas 20% nas últimas eleições.
Há dois caminhos “completamente distintos” para o Haiti, aponta o professor. O primeiro, é “o caminho do entendimento, do diálogo”, que é a essência da democracia, que respeita os direitos humanos. O segundo, é o “caminho da repressão”, que não respeita. “Pelo que eu estou vendo no Haiti, nós iremos pelo segundo caminho”, diz pessimista.
No entanto, o ex-representante da OEA no...
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“As relações entre Brasil e Venezuela estão por um fio”, diz especialista sobre posse de Maduro
1/10/2025
Depois de um dia de manifestações da oposição e de apoiadores do chavismo na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro toma Posse nesta sexta-feira (10) para um contestado terceiro mandato. O opositor Edmundo González, que reivindica a vitória nas eleições de 28 de julho, disse que voltaria a Caracas para assumir o poder, apesar da ordem de prisão emitida pelo governo contra ele. O clima é de tensão. Para analisar essa situação na Venezuela, a RFI conversa com o cientista político Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais e coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília.
A posse de Nicolás Maduro Nicolás Maduro reflete o crescente isolamento interno e externo da Venezuela. Segundo o cientista político Roberto Goulart Menezes, o apoio regional ao regime é praticamente inexistente, com rompimentos diplomáticos envolvendo Chile, Paraguai, e tensões com Argentina e Brasil. O professor ressalta que “as relações entre o Brasil e a Venezuela estão por um fio”.
No cenário global, a Venezuela conta apenas com respaldo diplomático de Rússia e China, mas sem garantias de intervenção significativa. A pressão internacional pode aumentar com a posse de Donald Trump, cuja política externa agressiva, liderada por figuras como Marco Rubio, mira diretamente regimes como o de Maduro. Apesar disso, a crise venezuelana segue sem solução, agravada pela repressão interna liderada por Diosdado Cabello, colocando opositores em risco. A tragédia humanitária e política na Venezuela, descrita por Menezes como um poço sem fundo, persiste, sem sinais de alívio imediato.
Leia a entrevista completa ou clique na foto principal para ouví-la
RFI: O que esperar desse dia de posse na Venezuela?
Roberto Goulart Menezes: A posse do Maduro é contestada dentro e fora da Venezuela. O Maduro, eu creio, chega numa situação pior do que a 6 meses atrás, quando ele foi declarado vitorioso pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela.
RFI: Por quê?
R.G.M: Porque o Maduro não tem apoio na região. O Chile rompeu relações diplomáticas com a Venezuela. A Venezuela rompeu relações com o Paraguai. A relação com a Argentina é de muito atrito entre Milei e o governo Maduro, sobretudo porque o Javier Milei também recebeu o Edmundo González recentemente e a Argentina reafirmou que o vitorioso nas eleições teria sido o Edmundo González. O Brasil se distanciou da Venezuela desde outubro. O México também. Então, nesse momento, Maduro e o regime venezuelano não têm apoio na região e muito menos fora da região. Apoio ele tem da China, da Rússia, mas um apoio diplomático. Mas, de fato, que possa interceder em favor deles nesse momento, me parece mais difícil. E também com o novo cenário daqui a alguns dias, com a posse de Donald Trump, Maduro sabe que a pressão sobre ele e o seu regime será ainda maior.
RFI: O que mudaria com a volta de Trump à Casa Branca ?
R.G.M: A chegada do Trump demonstra, pelas últimas manifestações do presidente eleito dos Estados Unidos, que ele vai ter uma política externa agressiva e, é claro, com a nomeação do Marco Rubio, filho de cubanos, ex-senador que renunciou recentemente para assumir o Ministério das Relações Exteriores, que nos Estados Unidos chama Secretaria de Estado, ele vai colocar uma pressão muito grande especialmente sobre Cuba, sobre a Nicarágua e sobre a Venezuela.
RFI: A líder da oposição venezuelana Maria Corina Machado disse que o chavismo está mais enfraquecido do que nunca, que Maduro só se mantém no poder pela repressão. Ela continua pedindo o apoio dos governos democráticos do mundo para ajudar o povo venezuelano a tirar Maduro do poder. Como deveria ser a pressão Internacional para que essa situação mude efetivamente?
R.G.M: A partir do Brasil, a gente olhando os movimentos do governo Lula, tanto na assessoria Internacional como na diplomacia do Itamaraty, o que nós temos é que o Brasil procura primeiro manter aberto algum canal de diálogo com o regime, visando...
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Fotógrafo francês lança livro sobre capoeira, candomblé e carnaval, rituais ‘emblemáticos’ da cultura brasileira
1/9/2025
O livro “Rituels du Brési” (Rituais do Brasil), de Stéphane Herbert, apresenta ao público francês um panorama visual de três manifestações emblemáticas da cultura brasileira, e em particular de Salvador da Bahia: a capoeira, o candomblé e o carnaval. Apresentado como um “caderno de fotografia”, a obra é lançada pela editora Hemisphères como parte dos eventos da temporada cultural cruzada França-Brasil de 2025.
As fotografias coloridas e de muito contraste de “Rituais do Brasil” revelam a história dos três rituais, que segundo o fotógrafo “refletem a alma da civilização brasileira”. O trabalho também testemunha a relação de mais de 30 anos de Stéphane Herbert com o Brasil.
O livro é uma homenagem ao fotógrafo e etnólogo francês Pierre Fátúmbi Verger, que viveu e morreu em Salvador em 1996. Foi o trabalho de Verger, um dos primeiros a revelar ao mundo a força e a beleza dos rituais afro-brasileiros, que levou a então jovem Stéphane Herbert ao Brasil. O mestre, que também era babalaô, pai do segredo, no candomblé, o influenciou muito.
“Eu não tive a chance de frequentar ele muitas vezes porque cheguei na Bahia no fim da vida dele, mas eu tive a chance de mergulhar na biblioteca dele e (isso) abriu muitas portas para a minha compreensão desse mundo fascinante”, conta.
Stéphane Herbert continua em “Rituais do Brasil” um diálogo com Verger, “tentando mostrar o que está acontecendo hoje com a cultura afro-brasileira”. O título fala do Brasil, mas as fotografias foram feitas exclusivamente em Salvador e convidam o leitor para um passeio visual pela cidade, “centro do Brasil africano por excelência”.
O trabalho equilibra a abordagem documental e artística. As fotos foram tiradas entre 1995 e 2005 em Kodachrome. A técnica permitiu ao fotógrafo “atualizar também o contexto dessa cultura que hoje é uma cultura que se afirmou plenamente, depois de um longo período de resistência, no segredo”.
As fotos são acompanhadas de legendas, que vão muito além de uma simples descrição ou localização. Os textos são como pequenas resenhas etnográficas sobre a história desses rituais. “Fiz questão de colocar legendas, pequenos textos, para oferecer ao leitor uma coisa mais didática e também emoções (...) para introduzir o leitor a esse mundo”, explica.
Séculos de opressão
Stéphane Herbert acompanhou nesses 30 anos que frequenta o Brasil a evolução desses três rituais. Ele observa que as três manifestações hoje ganharam o mundo. “Depois de tantos séculos de sofrimento, a capoeira se exporta, o candomblé tem a sua tradição, claro, e o carnaval é um convite forte a todo mundo.”
O fotógrafo constata a tensão dos últimos anos no Brasil e o crescimento de atos contra a cultura afro-brasileira, que ele chama de “quase uma guerra de religiões”, mas acredita que “o candomblé, que já passou por 500 anos de opressão, vai superar tudo isso”.
“Rituels du Brésil” chega às livrarias francesas em fevereiro, mas as fotos que compõe o livro podem ser vistas em uma exposição montada na sede da editora Hemisphères, em Paris. O fotógrafo convida a todos para visitar a mostra e como um bom baiano termina a entrevista com um caloroso “axé”.
Clique na foto principal para assistir à entrevista completa.
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Unesco cria curso inédito de combate a fake news destinado a influencers
1/8/2025
O curso “criadores de conteúdo digital, como ser uma voz confiável online” foi criado pela Unesco, em parceria com o Knight Center de Jornalismo, ligado à Universidade de Austin, no Texas. As aulas online foram ministradas ao vivo no final de 2024, mas os interessados ainda podem acessar o conteúdo de graça na internet.
O curso inédito de combate às fake news destinado a influenciadores e influenciadoras digitais do mundo inteiro já atraiu, no final de 2024, 10 mil pessoas de 160 países. A alta participação é “um sinal muito positivo de que há um desejo por aprender mais, por entender (...) como combater a desinformação, o discurso de ódio e outros problemas que existem no ambiente digital”, acredita Guilherme Canela chefe da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança dos Jornalistas da Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, sediada em Paris.
A formação “criadores de conteúdo digital e jornalistas: como ser uma voz confiável online” tem quatro módulos, que continuam disponíveis na internet, gratuitamente, e em quatro línguas: espanhol, francês, inglês e português.
Antes de propor o curso, a Unesco realizou uma sondagem com influencers do mundo inteiro. O resultado indicou a necessidade urgente de se fazer um curso para combater a desinformação e os discursos de ódio online. Segundo a pesquisa, 2/3 das pessoas entrevistadas confirmaram que não checam as informações que compartilham com seus seguidores. “Esse dado é super preocupante”, salienta Guilherme Canela.
Mas a sondagem também revelou um aspecto positivo, ao mostrar que 73% dos entrevistados “reconhecem essa limitação” e têm interesse de receber “mais informações, mais conteúdo sobre todas essas questões”. O curso foi criado fazendo uma ponte entre “os criadores de conteúdo desse novo mundo, os chamados influencers, e o jornalismo, que tem como uma ferramenta básica o processo de checagem das informações, das fontes”, detalha o chefe da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança dos Jornalistas da Unesco.
Brasil, país dos influenciadores digitais
Somadas todas as plataformas, o Brasil é o segundo país do mundo com o maior número de influenciadores, atrás apenas dos Estados Unidos. O país tem mais de 10,5 milhões de influencers. A consequência dessa forte presença e pouca checagem de informações é a grande polarização de discursos nas redes.
Guilherme Canela diz que o Brasil não é um dos principais alvos da Unesco nessa batalha contra as fake news e o discurso de ódio online. Ele lembra que a agência da ONU é formada por 194 Estados-membros que recebem a mesma atenção. No entanto, ressalta que o Brasil tem interesse particular “nessa agenda do combate à desinformação”.
As ações contra os atos golpistas de 8 de janeiro, o investimento feito pela presidência brasileira do G20 e os preparativos para a COP30 de Belém são algumas das iniciativas do Brasil citadas pelo chefe da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança dos Jornalistas da Unesco. Por isso, a organização “tem trabalhado muito com vários atores brasileiros, inclusive com o governo, mas também com influenciadores, como Felipe Neto, por exemplo “, nessa discussão sobre a desinformação.
O debate integra “uma discussão mais ampla sobre a governança do ecossistema digital, que é a maneira mais estrutural de combater a desinformação”, indica Guilherme Canela. O tema vai pontuar o ano de 2025 com o aprofundamento de reflexões sobre o impacto da inteligência artificial na desaceleração ou multiplicação de fake news, com o Dia Mundial de Liberdade de Imprensa deste ano, em 3 de maio, sendo dedicado “à liberdade de expressão e inteligência artificial”.
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Ditadura é pano de fundo para livro ambientado na periferia de São Paulo nos anos 1970
1/7/2025
Os anos 1970 pelo olhar de uma jovem que sonha em passar no vestibular, vinda de Mato Grosso para São Paulo. Enquanto a narradora experimenta mudanças radicais em sua vida, procura trabalho e estuda, os anos de chumbo da ditadura se desenrolam nos bastidores. Essa é a trama do novo livro de Mazé Torquato Chotil.
“Mares agitados: na periferia dos anos 1970” é o 14° livro – dos quais cinco são em francês - da jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil. Nascida em Glória de Dourados, hoje Mato Grosso do Sul, ela tem doutorado e pós-doutorado na França, onde vive desde 1985.
Boa parte da obra da jornalista franco-brasileira é calcada em experiências pessoais. Ela já escreveu sobre os pais, que deixaram o Ceará nos anos 1950, para participar da colônia agrícola nacional de Dourados.
“Mas o lugar nunca cresceu. Por exemplo, não tinha universidade. Aí os jovens que queriam estudar tinham que ir embora. Eu fui para São Paulo, amigos foram para o Rio de Janeiro, para o Rio Grande do Sul. Eu tive vontade de falar dessa segunda migração de jovens nos anos 1960-1970, em direção aos grandes centros”, conta Chotil.
A autora acompanha a trajetória de uma jovem, que sai do interior do Mato Grosso do Sul para ir estudar e trabalhar em São Paulo. A descrição minuciosa da geografia, das primeiras impressões, das descobertas culturais, traça um retrato sociológico de Osasco, na periferia de São Paulo. Mais do que isso, são experiências vividas à sombra dos anos de chumbo da ditadura militar.
“Eu acompanho a saída da personagem até a chegada em São Paulo. Na época, a rodoviária de São Paulo ali na frente dos trens que chegavam até o centro da cidade. Ela vai também pensando no que estava diferente ou como é que era a vida dela naquele pequeno vilarejo. A ideia é passar no vestibular, mas ela vai ter que trabalhar também, porque os pais não têm muitas condições financeiras”, conta Chotil.
As lembranças imagéticas do livro nos remetem a bacias de alumínio, maças argentinas envoltas em papel de seda azul, à antiga rodoviária de São Paulo com seus losangos coloridos, viagens de trem pelo subúrbio, inauguração do metrô paulistano, surto de meningite e Gil Gomes.
Enquanto a jovem relata suas experiências no cotidiano – procurar um primeiro emprego, as descobertas culturais – uma outra “voz” pincela a realidade da ditadura, que segue em paralelo.
Biografias
Além de se basear nas experiências próprias para seus livros, Mazé Torquato também escreve biografias, como “José Ibrahim: o líder da primeira grande greve que afrontou a ditadura”, que aconteceu em Osasco em 1968, e de “Maria d’Apparecida: une Marie pas comme les autres”, sobre a primeira cantora lírica negra brasileira, que chegou a cantar na Ópera de Paris, mas que morreu em total anonimato em 2017, na capital francesa. Depois da biografia da artista, Chotil criou a Association les Amis de Maria d’Apparecida, que conseguiu que a cantora obtivesse uma placa comemorativa no endereço onde viveu em Paris.
"Sair da invisibilidade"
Chotil também é agitadora cultural, principalmente do setor literário. Ela fundou a União Europeia de Escritores de Língua Portuguesa para promover livros e autores que vivem no exterior. Há mais de dez anos ela organiza encontros literários em Paris, que atualmente acontecem na Biblioteca Gulbenkian, na Casa de Portugal, na Cidade Universitária.
Ela lembra que dos livros traduzidos para o francês, na França, menos de 2% são de obras em português. “Queremos aumentar essa participação e sair da invisibilidade”, diz. As entrevistas e encontros podem ser assistidos no canal de Mazé Torquato Chotil.
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“Charlie Hebdo abraçou agenda da extrema direita, mas ninguém deve ser fuzilado por suas opiniões”, diz chargista
1/6/2025
Em 7 de janeiro de 2015, o mundo foi abalado pelo ataque terrorista contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo. O atentado, que matou 12 pessoas, incluindo 8 integrantes da redação, reacendeu discussões sobre liberdade de expressão e seus limites. Dez anos depois, o cartunista brasileiro Carlos Latuff, conhecido por seu trabalho politicamente engajado e que também retratou o episódio em uma de suas charges, reflete sobre as consequências do ataque e o papel da charge e da sátira.
Carlos Latuff relembra o impacto da notícia do atentado ao Charlie Hebdo recebida por meio das redes sociais. "Minha reação inicial foi de surpresa, porque até então eu não tinha notícia de chargistas serem alvos de ataques dessa natureza", recorda.
Dias depois do episódio, Latuff criou uma charge, divulgada em veículos da imprensa nacional e internacional, no qual retratava sua visão do ataque cometido pelos irmãos Chérif e Said Kouachi: "Desenhei os dois atiradores disparando contra a sede do Charlie Hebdo. As balas atravessavam o prédio e atingiam uma mesquita na parte de trás, simbolizando que aquela ação teria consequências imprevisíveis contra a própria comunidade islâmica." Segundo Latuff, o atentado acabou alimentando a islamofobia já presente na Europa, particularmente na França.
O cartunista também critica o histórico editorial do Charlie Hebdo. "Não sou fã do trabalho deles. Um jornal que se pretende progressista abraçou um pensamento anti-imigrante e antimuçulmano. No momento em que ele resolveu não fazer uma crítica a respeito da manipulação da religião por parte de determinados líderes islâmicos, mas sim um ataque gratuito e covarde contra a fé islâmica, o Charlie Hebdo abraçou a agenda da extrema direita”, afirma Latuff.
“Isso evidentemente não significa que a resposta a essas charges e ofensas tenha sido justa, obviamente que não. Qualquer pessoa de bom senso não pode aprovar que chargistas, ou quem quer que seja, tenha que ser fuzilado por conta de opiniões. É de se lamentar e de se condenar”, acrescenta.
Para o chargista carioca, a sátira do jornal, em muitos casos, ultrapassou os limites do bom senso. "Se a intenção era simplesmente ofender, como fizeram ao retratar Maomé de maneira ofensiva, isso é infantil e irresponsável."
“Dois pesos e duas medidas”
Na entrevista à RFI, Latuff considera que existem “dois pesos e duas medidas” e uma “hipocrisia da sociedade europeia” em relação à liberdade de expressão. "O Charlie Hebdo não tratou com tanta veemência ou com tanta virulência, por exemplo, a questão palestina e Israel. Quem quer que critique o genocídio que está acontecendo em Gaza hoje é tachado de antissemita, de pronto. Na Europa, naquela época (do ataque ao Charlie Hebdo) e hoje, é muito fácil atacar muçulmanos e imigrantes. É um golpe baixo e fácil", diz.
Latuff comentou ainda porque não aderiu à campanha "Je suis Charlie" (Eu sou Charlie”) lançada na França e que se expandiu por muitos países em solidariedade aos cartunistas e chargistas e em apoio ao jornal satírico após o atentado. "Dizer ‘Je suis Charlie’ significava dizer para mim na época que estava de acordo com a atitude do jornal de ter feito aquelas charges ofensivas contra Maomé e os muçulmanos. Eu lamentei e condenei o ataque. Mas é isso. Perderam a vida em nome da causa da extrema direita que até hoje é contra islâmicos, árabes e imigrantes, que é de se lamentar para um jornal que se propõe progressista”, reitera.
Para Latuff, o atentado ao jornal satírico francês não teve impacto em seu trabalho de chargista, que tem foco em questões políticas. “O papel do chargista, seja numa democracia, seja numa ditadura, é de combate. O chargista é um artista de combate, da trincheira. Mas é preciso ter muita responsabilidade. Caso contrário, uma charge mal feita pode ajudar a criminalizar um segmento, como charges com ataques racistas, xenófobos e islamofóbicos, como tem feito o Charlie Hebdo na França", insiste.
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“A meta é disputar as primeiras posições”, diz brasileiro Cadu Sachs em 4ª participação no Rally Dakar
1/3/2025
O Rally Dakar 2025 começou nesta sexta-feira (3) na Arábia Saudita. Nesta 47ª edição, cinco brasileiros participam do rally considerado mais difícil do mundo, entre eles o navegador Cadu Sachs. Aos 28 anos, ele encara a sua 4ª participação no Dakar. Na edição passada, terminou em sétimo lugar na classificação geral ao lado do piloto brasileiro Marcelo Gastaldi.
Nesta edição de 2025, Cadu volta a competir na categoria Challenger para veículos leves, mas desta vez ao lado de outro piloto, o português Gonçalo Guerreiro, de 24 anos, da Red Bull Off-Road Junior team.
Essa nova parceria começou a ser desenhada no Marrocos no ano passado, durante uma etapa do circuito mundial. “Nos conhecemos lá, mas ainda não sabíamos que seríamos uma dupla. Felizmente, deu certo”, relembra Cadu.
Ele destaca o comprometimento e as habilidades do piloto português que vai estar no comando do modelo Taurus T3 MAX: “Gonçalo é muito dedicado e tem bons conhecimentos mecânicos. Acho que temos tudo para fazer uma ótima corrida.”
Evolução no Dakar
Com três edições anteriores no currículo, Cadu sente-se cada vez mais preparado para enfrentar os desafios do deserto saudita. “A cada ano fico mais confortável, aprendendo coisas novas e me familiarizando com o carro, o que é essencial em provas longas como essa”, explica.
Ele também celebra os resultados recentes: “Em 2024, terminamos o Mundial em terceiro lugar, vencemos duas etapas no Dakar e isso contribuiu muito para a evolução.”
Estratégia e desafios do percurso
Para Cadu, a chave do sucesso no Dakar é a estratégia. “Os dias são longos, passamos em média oito horas no carro. É fundamental saber onde atacar, quando diminuir o ritmo e como lidar com problemas mecânicos”, afirma. Ele também destaca a importância do relacionamento com o piloto: “São muitas horas juntos, então é essencial manter uma boa dinâmica.”
Sobre o percurso deste ano, que terá quase 8 mil quilômetros, Cadu prevê dificuldades já nos primeiros dias. “Teremos muita pedra, o que exige gestão cuidadosa dos pneus, especialmente na etapa de 48 horas. É um desafio extra, mas estamos preparados”, garante.
Metas e expectativas
Cadu e sua equipe evitam fixar metas muito ambiciosas para não aumentar a pressão, mas o objetivo é claro: “A gente não quer colocar um peso de uma obrigação, para não colocar mais pressão do que já é. Mas com certeza a gente está com o equipamento bom. Nós vamos brigar ali pelas primeiras posições", afirma.
O otimismo é reflexo da confiança no carro e na equipe. "Tanto em termos de navegação como em termos de pilotagem, acho que todo o conjunto é bom. Carro é bom, a equipe é boa, então eu acho que a meta será disputar as primeiras posições, mas nós não estamos colocando muito esse peso para que isso seja natural”, afirma.
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Livro "Dentes de Crocodilo" traz ficção, história e música em trama envolvendo Brasil e França
12/23/2024
“Dentes de Crocodilo”, terceiro livro do escritor e jornalista Maurício Torres Assumpção, é uma obra que entrelaça ficção contemporânea e literatura histórica, conduzindo o leitor por uma narrativa repleta de mistério, tragédia e música. Ambientado entre o Brasil e a França, o romance, publicado pela editora Leya, é inspirado em pesquisas realizadas pelo autor e resgata figuras históricas importantes, como o compositor Heitor Villa-Lobos e a cantora lírica Elsie Houston.
Segundo Maurício, o ponto de partida para o livro veio de sua extensa pesquisa sobre a comunidade brasileira em Paris, realizada para sua primeira obra, “A História do Brasil nas Ruas de Paris”, que deu origem ao podcast de mesmo nome publicado pela RFI Brasil.
Outra parte da investigação, relacionada aos barões do café, resultou na segunda obra do escritor carioca, o romance Cafeína, lançado em 2020. O material coletado era tão rico que ele decidiu também aproveitar para seu mais recente trabalho.
“Quando escrevi Dentes de Crocodilo, ainda aproveitei muito dessa pesquisa, usando agora a vida do Villa-Lobos e da cantora lírica Elsie Houston”, explica o autor. No entanto, desta vez, Maurício optou por criar um romance, inserindo dois personagens contemporâneos que conectam o presente ao passado e dois países, a França e o Brasil.
A trama é narrada por Fernando, que retraça uma amizade de mais de 40 anos com Wagner Krause, um professor brasileiro especializado em Villa-Lobos. “Queria criar um personagem para contar a história do outro. Isso também me permitiu explorar a amizade entre dois homens que se conhecem desde a infância e se reencontram em Paris na maturidade”, revela Maurício. Esse reencontro marca o início de uma jornada que mistura pesquisa acadêmica, paixão e tragédia.
Wagner Krause é apresentado como um professor de cultura brasileira no King’s College, na Inglaterra, que viaja à Sorbonne para ministrar palestras sobre Villa-Lobos. Durante sua estadia em Paris, ele se apaixona por uma misteriosa mulher, desencadeando os eventos dramáticos do livro. “Essa paixão é o começo da grande tragédia da história”, adianta o autor.
Além da ficção, o livro destaca o papel da música brasileira e resgata a trajetória de Villa-Lobos e também de outra figura histórica importante, mas pouco conhecida do grande público, Elsie Houston.
“A parte da pesquisa do Villa-Lobos já estava feita e foi incluída no livro A História do Brasil nas Ruas de Paris. Mas também descobri a existência da Elsie, que foi uma cantora lírica muito importante nos anos 1920”, conta Maurício.
O autor destaca a relevância de Elsie, não apenas como cantora, mas também como acadêmica. “Ela chegou a dar palestras na Sorbonne e escreveu um livro sobre música brasileira, publicado nos anos 1930. Eu queria redescobrir e revalorizar a Elsie Houston para que as pessoas a descobrissem e se interessem por sua história”, diz.
Maurício também aponta que Elsie Houston foi contemporânea, mas acabou “apagada” pelo brilho de Carmen Miranda. As duas dominaram os palcos da época com estilos semelhantes, mas trajetórias muito diferentes. “A Elsie não teve tanto espaço, mas foi muito importante. Ela não tinha só o lado do espetáculo, tinha o lado cultural também”, afirma.
Na entrevista, Maurício Torres Assumpção comentou a evolução de sua escrita, que começou com um livro de reportagem até a passagem para a ficção com “Dentes de Crocodilo”. “Meu primeiro livro foi 100% jornalístico. O segundo livro aproveita a pesquisa do primeiro, mas já faz ficção histórica e esse terceiro livro já é uma ficção contemporânea com elementos históricos, jornalísticos. Eu diria que existe um processo gradual de afastamento do jornalismo rumo à ficção total. Esse é o meu objetivo de ser um autor contemporâneo escrevendo só ficção”, conclui
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Se fosse no Brasil, caso de Gisèle Pelicot teria pena mais severa, diz ouvidora Nacional da Mulher
12/19/2024
A justiça francesa condenou à pena máxima, 20 anos de prisão, Dominique Pelicot, o homem que durante mais de 10 anos dopava sua então esposa, Gisèle, para estuprá-la e também a oferecia para outros desconhecidos recrutados pela internet para abusar sexualmente dela. Os outros 50 homens acusados do processo pegaram penas entre 3 e 13 anos, abaixo das penas solicitadas pela Promotoria Pública. Renata Gil, do Conselho Nacional de Justiça e nomeada ouvidora Nacional da Mulher, afirma que, se fosse o Brasil, o caso teria resultado em penas muito mais severas.
Entrevista de Patrícia Moribe
O drama de Gisèle Pelicot ficou conhecido mundialmente e entrou para a história como um caso emblemático da luta das mulheres contra as agressões sexuais. Mas logo que o veredicto foi anunciado, se multiplicaram os comentários, principalmente de associações de defesa das mulheres, alegando que as penas impostas eram brandas demais diante dos crimes cometidos.
“Sinceramente, sinto pena de Gisèle Pelicot, que lutou tanto para que esse julgamento fosse histórico. Na realidade, as sentenças não serão históricas”, lamentou Isabelle Boyer, uma das integrantes do coletivo feminista Les Amazones d'Avignon, que há meses vem colando cartazes contra a violência sexual nos muros da cidade francesa.
“A pena máxima foi aplicada, mas ela fica aquém da necessária reparação da barbaridade do crime para a vítima”, concordou Renata Gil. A ouvidora Nacional da Mulher lembra que se trata de um caso de estupro coletivo, repetidamente praticado, o que aumenta a gravidade dos delitos, tanto de Dominique Pelicot, como dos outros 50 acusados. “Eles são pessoas que poderiam ter conhecimento da situação em que a vítima se encontrava”, detalha.
Legislação do Brasil mais avançada que na França
Segundo ela, se o caso de Gisèle Pelicot tivesse ocorrido no Brasil, as penas seriam certamente mais severas, já que o país “tem uma legislação mais avançada do que a francesa com relação às violências contra a mulher”.
Renata Gil lembra que a lei Maria da Penha, que contempla várias circunstâncias específicas ligadas à violência contra a mulher, faz com que o Brasil tenha “a terceira melhor legislação do mundo”.
Além disso, ela ressalta que a Justiça brasileira adota um protocolo com perspectiva de gênero que tem um impacto direto nesses casos. “Essa norma – de aplicação obrigatória pelos juízes brasileiros – determina que a palavra da vítima em crimes contra as mulheres tem uma relevância maior. Então, as provas que são cotejadas em casos de crimes comuns, como depoimento testemunhal e gravações, elas não têm tamanha relevância como a palavra da vítima nesses crimes”, exemplifica.
Mesmo assim, ela considera o caso francês “emblemático” para que as pessoas saiam do silêncio em situações de agressão, inclusive no Brasil, onde a lei é conta com punições mais severas. “Temos índices alarmantes. O país é o quinto que mais mata mulheres no mundo. Então o fato de Gisèle ter exposto sua intimidade é muito relevante, pois acaba incentivando positivamente as denúncias e as punições”, afirma a ouvidora.
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‘Cientista-artista’ brasileiro lança EP de estreia inspirado pela MPB e por Paris
12/19/2024
O médico Matheus Vieira, natural de Niterói, faz música desde os seis anos de idade, mas era, até há pouco tempo, um diletante. Foi em Paris, onde se estabeleceu há dois anos para cursar um doutorado em Imunologia, que o brasileiro amadureceu a veia artística e criou coragem para se lançar profissionalmente. O resultado é o EP “Moradaramo” que acaba de ser lançado pelo “cientista-artista”.
O EP de estreia do cantor, compositor e violonista Matheus Vieira chegou às plataformas digitais em 22 de novembro. “Moradaramo” foi gravado no Brasil, mas foi integralmente composto em Paris. “O desterro da minha casa de Niterói para Paris fez com que as coisas que me atravessam, transbordassem em forma de música, com uma maturidade que eu enfim gostei e quis dar segmento”, conta.
O EP, com arranjos e produção do maestro Luiz Potter, tem quatro faixas: “Morada”, “O Corvo e o Assum Preto”, “Casamento de Viúva” e “Nós”. Cada música representa uma estação do ano, espelhando a vivência do artista em Paris. “Viver a marcação das estações foi uma coisa completamente inédita para mim aqui. Eu cheguei no outono e terminei no verão, que já tem sol de novo. Então, eu reencontro esse Sol pessoal”, explica.
Cada música também remete a universos distintos da música popular brasileira, como samba ou baião. O compositor diz que a “MPB, que é tão ampla quanto inespecífica”, define o seu estilo musical.
Cientista-artista
A trajetória de Matheus Vieira se inscreve na história de outros músicos brasileiros que passaram por Paris desde Heitor Villa-Lobos, nos anos 1920, e construíram pontes entre a França e o Brasil.
Ao invés de músico-médico, que não rima, ele se define como um “cientista-artista”, em uma referência ao poeta-diplomata Vinícius de Moraes que serviu muito tempo em Paris.
“Ele é uma das referências, inclusive, porque mostrou dentro do meio artístico brasileiro que a gente pode ser várias coisas ao mesmo tempo. Não sou diplomata, talvez um pouco poeta, mas para fazer uma coisa que rime mais, (fica) artista-cientista, que eu acho que dá mais caldo”, aposta.
Outra referência almejada é a antropofagia de Oswald de Andrade, que também passou anos importantes em Paris. “A música brasileira é antropofágica por definição”, ressalta o compositor.
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Palíndromo
O título do EP, “Moradaramo”, é um palíndromo, isto é, um recurso estilístico que pode literalmente ser lido de trás para frente e vice-versa. O nome apareceu de maneira “acidental”, relembra o músico.
“Eu fiz a canção ‘Morada’ e a um determinado momento, quando eu estou no final da música, eu repeti a morada, a morada eu vi que (ouvia) ‘dar amor’. E era exatamente isso que eu queria fazer nessa nova fase, nesse capítulo da minha vida”, descreve Matheus Vieira, que vai continuar desenvolvendo paralelamente as duas carreiras, a de médico e a de músico.
Nesta quinta-feira (19), ele faz uma primeira apresentação do EP de estreia na Casa de América Latina de Paris.
Clique na imagem principal para assistir à entrevista completa.
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Brasileiro cria spray que economiza água da descarga do “xixi” e conquista prêmios internacionais
12/18/2024
O empreendedor brasileiro Ezequiel Vedana da Rosa, criador do produto inovador “Piipee”, foi um dos 13 vencedores do programa internacional “Líderes do Futuro”, promovido este ano pela Fundação Príncipe Albert II de Mônaco. Em entrevista à RFI, Ezequiel compartilhou sua trajetória e destacou como sua invenção, um spray que substitui a descarga do vaso sanitário, pode economizar milhões de litros de água potável e conscientizar sobre a importância de preservar recursos hídricos.
A ideia do “Piipee” surgiu como um insight. Em 2010, o empreendedor brasileiro, hoje com 36 anos, acordou se perguntando “por que gastamos tanta água para eliminar urina no vaso sanitário?”. Ele lembra que cada pessoa gasta em média de 8 a 12 litros por descarga. No Brasil, isso representa cerca de 40 litros por dia e por pessoa. Ezequiel Vedana da Rosa, que não é químico de formação, levou cinco anos e meio de pesquisa e desenvolvimento para transformar essa ideia em produto e lançar sua startup. A comercialização começou em 2015.
O “Piipee” funciona como uma alternativa à descarga do “xixi”, responsável por 80% do consumo de água nos vasos sanitários. Segundo Ezequiel, o spray neutraliza os componentes da urina, composta de 95% de água e 5% de sais e minerais, entre eles a ureia. Ele garante que o produto não faz mal à saúde nem ao meio ambiente.
“É como trazer uma estação de tratamento para dentro do sanitário da sua casa”, disse, destacando que, além de economizar água, a inovação higieniza, altera a coloração e perfuma. Concretamente, o usuário pulverizaria o vaso a cada ida ao banheiro. Mas, como o nome indica, o spray só substitui a descarga do “xixi”.
Sustentabilidade
Ezequiel, claro, visa vender seu produto, mas seu foco também é a sustentabilidade, tentando influenciar hábitos para proteger um recurso que é finito e que cujo acesso está cada vez mais difícil.
Atualmente, os principais clientes do Piipee são grandes empresas e indústrias, que conseguem reduzir em até 40% os custos mensais com água. O produto também é adotado por particulares que, em alguns casos, reduzem pela metade suas contas. “Não é só economia financeira; é um processo de reeducação sobre nosso impacto no planeta”, diz.
Um dos principais desafios para a aceitação do Piipee é cultural. O hábito de acionar a descarga está fortemente associado à higiene e à saúde pública. “Independentemente da cultura, as pessoas não refletem sobre esse ato diário”. Em todo o mundo, ele indica que “7 bilhões de pessoas acionam a descarga todos os dias” sem pensar no desperdício de água que esse ato representa.
Ezequiel Vedana ressalta que temos “a falsa sensação” de que só porque acionamos a descarga, limpamos o vaso sanitário. “A gente toma banho, lava nossas roupas, nossas louças, só com água?”, questiona.
Crises hídricas
Cenários de crise hídrica, como o que está previsto em Barcelona novamente em 2025, “ajudam a quebrar essas barreiras e abrir portas para soluções como a nossa”, afirmou. Diante do racionamento de água inevitável, sem água para fazer comida, para tomar banho, para limpar pelo menos uma vez por semana a casa, a população veria a inovação como uma boa alternativa, defende o empresário.
Apesar de o Brasil possuir grande disponibilidade de água, Ezequiel alerta para os riscos das mudanças climáticas. Ele mencionou as secas históricas recentes na Amazônia como um indicativo de que situações semelhantes se repetirão. “A temperatura global está subindo além do esperado, e muitas metas para 2030 não serão alcançadas. Precisamos criar métodos que prolonguem nossa sobrevivência no planeta”, destacou.
O reconhecimento internacional não é novidade para o empreendedor. Além do prêmio da Fundação Príncipe Albert II de Mônaco, o Piipee já recebeu mais de 35 premiações, incluindo um selo da ONU como uma das soluções mais inovadoras para combater as mudanças climáticas até 2030. Para ele, esses prêmios são essenciais para legitimar a proposta. “Não é só um maluco do Brasil com...
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"Ele sempre soube que nasceu músico", diz francês autor de romance biográfico sobre Hermeto Pascoal
12/13/2024
Um romance biográfico para contar a história de um dos maiores instrumentistas do Brasil. “Hermeto Campeão, os pensamentos de Pascoal” em tradução livre, foi publicado na França pela editora L’Harmattan. O livro escrito por Pierre Cicsic, um engenheiro francês apaixonado pelo Brasil, explora com riqueza de detalhes a cultura, as tradições e o folclore brasileiros, tendo como pano de fundo a vida de Hermeto Pascoal.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
Da infância em Lagoa da Canoa, no interior de Alagoas, até se tornar um ícone da música brasileira. A trajetória de Hermeto Pascoal na música começa muito cedo, quando ele “se comunicava e compunha com os animais, com a natureza, os sapos, as formigas, as cigarras”. Ele era um garoto especial, que ao mesmo tempo que tinha dificuldades na escola por não conseguir ler, tinha um ouvido afinado. “Ele sempre soube que nasceu músico. Talvez por causa do albinismo, já que ele nasceu no campo, mas não podia acompanhar o pai na roça por causa do sol, ele ficava na sombra, perto da água, perto das árvores, perto dos pássaros, e ele aprendeu a música com isso tudo”, contextualiza o autor.
Filho do seu Pascoal, que tocava acordeão nas festas do vilarejo, Hermeto e o irmão, Zé Neto, roubaram o instrumento do pai para aprender sozinhos. Autodidata, primeiro no acordeão, depois no pandeiro e no piano, todos logo perceberiam que o lugar dele era no palco. Os dois irmãos fugiram ainda adolescentes para o Recife, onde arrumaram o primeiro emprego na rádio. “Os músicos com quem ele trabalhava viram que Hermeto era muito mais do que um simples tocador de sanfona. Ele toca forró, ele toca a música popular, foi assim que ele começou. Mas todo mundo viu que ele ia muito mais longe”, completa o autor.
No livro, dois personagens, Antoine e Chiara, levam o leitor a descobrir a vida de Hermeto Pascoal, nascido em 1936, e que ainda hoje, aos 88 anos, enche salas de concerto pelo mundo. Mas por que um romance biográfico e não uma biografia? “A escolha do romance veio depois de uma conversa com Cacau (Cláudio Cacau de Queiroz), músico que tocou com o Hermeto e que fez o prefácio do livro, ele me falou que realmente o Hermeto merecia um romance, porque a vida dele é um romance”, avalia.
Os detalhes do albinismo e como Hermeto Pascoal sempre enfrentou com determinação o preconceito. O amor de uma vida inteira pela esposa Ilza. A amizade com Sivuca. O cabelo comprido e a barba longa, que Hermeto Pascoal adquiriu nos Estados Unidos, entre os anos 1970-1972, onde tocou com grandes nomes da música americana. Tudo isso está exposto ao longo de mais de 300 páginas.
Ficção e realidade
Pierre Cicsic afirma que os dois personagens principais são frutos de ficção, ainda que Antoine “seja um pouco autobiográfico”. “Tem coisas da minha vida e coisas que imaginei e que inventei para a vida do Antoine”, completa o autor, que incluiu cenas passadas na França. “Eu quis mostrar a diferença entre dois caminhos: o do Hermeto, que é uma linha reta, pois ele sempre fez o que queria fazer, sem compromisso nenhum, enquanto a trajetória do Antoine é diferente. Ele é um técnico, mas também músico amador, até que as duas trajetórias vão se juntar”, explica.
O personagem Antoine embarca em uma viagem pela América do Sul, passando pela Bolívia, Peru e Equador, em busca do que acreditava ser a música original, autêntica. Mas ele não encontra nada disso antes de chegar ao Brasil, país do qual não sabia nada, antes de entrar de ônibus, chegando do Paraguai. Foi exatamente a sensação de Pierre ao visitar o Brasil pela primeira vez, no fim dos anos 1970. “Eu não sabia nada de samba, nada de futebol ou das imagens populares do Brasil no mundo”, diz. “Não me interessava. Eu descobri o Brasil primeiro no Rio de Janeiro, depois na Bahia, no momento em que havia essa explosão da MPB, da música popular brasileira, com todos os músicos Chico, Caetano, Gil, etc. Então, fiquei apaixonado por essa música e o que eu buscava estava no Brasil”,...
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Em livro sobre a Amazônia, geógrafo francês derruba mitos e discute caminhos viáveis
12/11/2024
Grande observador do mundo, de suas movimentações políticas e ambientais, o geógrafo Hervé Théry começou a pesquisar a Amazônia há exatos 50 anos. Em seu novo livro, “Amazone, um monde en partage”, lançado na França, ele traça um panorama da região e discute desafios de sustentabilidade da maior floresta tropical do planeta.
Pesquisador emérito do Centro Nacional de Pesquisas Cientificas (CNRS), da França, e professor do Departamento de Geografia da USP, Hervé Théry tem sido uma testemunha das mudanças na Amazônia desde que fez sua primeira viagem de pesquisa ao Brasil, em fevereiro de 1974.
Uma tradução literal do livro que Théry está lançando seria “Amazônia, um mundo compartilhado”. Ele explica: “Ela foi inicialmente compartilhada no Tratado de Tordesilhas entre espanhóis e portugueses, isso no início da chegada dos europeus. Mas ao chegarem, os europeus tiveram que compartilhar com quem estava lá, com os autóctones, os indígenas. Depois teve de ser compartilhada entre os países que se tornaram independentes e cada um ficou com um pedaço da Amazônia. ” Ele cita ainda a expressão francesa “recevoir en partage”, que significa “receber de herança”. “Ou seja, trata-se de uma herança que a humanidade recebeu e que deveria ser bem cuidada”, explica.
O livro expõe uma visão abrangente e reflexiva sobre a Amazônia, desde aspectos geográficos e históricos, até chegar ao que ele chama de “xis da questão”, que são os desafios de políticas públicas para um planejamento sustentável. Para ele, proteger por proteger não adianta, é preciso dar condições de vida aos habitantes do mundo rural, seja os que vão desmatar ou não, colocando em prática culturas mais eficientes e menos destrutivas, por exemplo.
Preservar e desenvolver
Nos anos 1990 e 2000, Théry participou Comitê Científico do PPG7, um programa-piloto do G7 para a Amazônia, quando presenciou a tensão entre os que defendiam a preservação, de um lado, e do outro, o desenvolvimento. “Mas a Amazônia é tão imensa. Eu sou geógrafo, sensível às questões espaciais. Tem espaço de sobra para todo mundo. Se for decidido que metade da Amazônia é intocável e que com 50% dá para fazer agronegócio, pequena agricultura, pecuária, tem espaço para isso. Só que as duas partes são extremistas e não queriam. É preciso achar políticas que sejam capazes de preservar e dar, ao mesmo tempo, possibilidades para os habitantes de lá ou para gente que queira ir viver lá”.
“Às vezes eu tenho discussões bem fortes com os habitantes de lá. ‘Quem são vocês, europeus, para dizer para não desmatar? Vocês desmataram tudo.’ Eu digo sim, é verdade. Principalmente no século XIII. Só que desde então temos uma agricultura estável. Então, em francês não se fala de sustentável, se fala durável. De uma coisa que dura oito séculos”. O mais importante, ele ressalta, é “dar possibilidade de as pessoas viverem bem e preservar o estado da floresta. Porque dependem disso. ”
Pulmão do mundo
Théry contesta a expressão de que a Amazônia é o pulmão do mundo. “O pulmão absorve o oxigênio e produz CO2. Exatamente o contrário do que a gente quer”, explica. “Já a floresta faz o mesmo, mas também transforma o CO2 em oxigênio pela fotossíntese. Mas, no momento, o balanço da Amazônia, que absorvia carbono e devolvia oxigênio, está começando a fraquejar por conta do desmatamento”.
Ele também refuta outra ideia pré-concebida da “floresta virgem, onde não tem ninguém a não ser poucos índios”. São mais de 20 milhões de habitantes na Amazônia brasileira e mais de 30 milhões na região toda. “Ou seja, é uma região já ocupada”, diz, citando a geógrafa brasileira Bertha Becker, que usava o termo “selva urbanizada”.
Centro do continente
Para escrever o livro, Théry teve de pesquisar sobre a Amazônia de outros países e isso o levou a constatar a comunicação ativa entre todas as áreas.
“A Amazônia, hoje uma região, não é mais o fundo de quintal dos nove países, mas um lugar topograficamente no centro do continente”, diz. “Em termos de...
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"Solução para a Síria só pode ser política e diplomática", diz presidente da Comissão da ONU
12/10/2024
A queda do regime de Bashar al-Assad abriu um novo capítulo na história da Síria e representa um grande desafio para a estabilização do país. A ascensão do grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham (HTS), liderado por Abu Mohamed al-Jolani, trouxe alívio para os opositores do regime, mas também alimenta preocupações sobre o futuro político, social e econômico da Síria. Para o presidente da Comissão Independente de Investigação sobre a Síria da ONU, Paulo Sérgio Pinheiro, nenhum "astrólogo" pode prever o que vai acontecer no país, assim como é difícil acreditar na possibilidade de ver Assad responder pelos crimes cometidos durante seus quase 25 anos no poder.
“A primeira constatação é a alegria da população das principais cidades, especialmente em Damasco, de ver os presos libertados. As famílias vão, afinal, saber quem está vivo, quem não está. Muitos presos, com mais de 10 anos de prisão, foram torturados barbaramente. Todos os horrores vem à tona, isso é positivo", afirma Paulo Sérgio Pinheiro, que preside a Comissão desde 2011 e já visitou várias vezes o país durante o processo de investigação.
Ele destacou que o regime de Assad marcou, além de um período de repressão brutal, um colapso econômico e social, com 90% da população vivendo abaixo da linha da pobreza.
Pinheiro enfatizou que 16 milhões de sírios ainda necessitam de assistência básica. "Infelizmente, apenas 23% do financiamento humanitário necessário foi atendido pelos doadores internacionais. A ajuda está fraquíssima. Então, a situação tanto social quanto econômica é desastrosa, e como na geopolítica, é extremamente confusa", ressalta Pinheiro.
Solução por via diplomática
A presença de bases militares da Rússia, juntamente com milícias iraquianas e iranianas em território sírio tornam as negociações ainda mais complexas para as novas lideranças do país. No entanto, o presidente da Comissão independente da ONU para a Síria destaca que, como tem insistido nos últimos anos com as instâncias internacionais, a solução passa por canais diplomáticos.
Sobre a possibilidade de diálogo com o HTS, grupo com origens em organizações terroristas como a Al-Qaeda, Pinheiro foi enfático: "A diplomacia precisa falar com todos. Não há solução militar para a Síria, apenas uma solução política e diplomática."
Embora o HTS, do líder al-Jolani, tenha histórico ligado a grupos extremistas como Al-Qaeda e Estado Islâmico, e também de muitas violações de direitos humanos, denunciados pela própria Comissão, Pinheiro reconheceu avanços sob sua administração em Idlib, como melhorias no fornecimento de serviços essenciais.
Apesar de terem cometido violações, tortura, assassinatos, prisões arbitrárias, silenciamento das críticas da oposição, por outro lado, eles conseguiram institucionalizar, quer dizer, o lixo, água, eletricidade, que é importante para a população. E uma certa tolerância com outras crenças. Então, de uma certa maneira, o discurso de (al-Jolani) é de um líder moderado”, afirma Paulo Sérgio Pinheiro.
Habilidade de líder rebelde
Apesar dos discursos moderados da nova liderança, que promete não retaliar aliados do regime de Assad, Pinheiro foi cauteloso ao prever estabilidade a curto prazo. "O cenário é extremamente incerto, com desafios econômicos, sociais e políticos massivos. Mesmo com um líder habilidoso como Jolani, resta saber se ele conseguirá concretizar suas promessas. Poucas vezes eu ouvi de um líder de uma revolução um discurso tão articulado e moderado. Então é um cara hábil. Agora, se essa habilidade dele vai ser concretizada nos fatos, ninguém sabe. Nem um astrólogo pode prever."
Sobre a possibilidade do ditador Bashar al-Assad responder pelos crimes cometidos durante seu regime, Paulo Sérgio Pinheiro é pouco otimista.
“O Assad está ótimo na Rússia. Ele nunca vai ser pego pelo Tribunal Penal Internacional, porque primeiro, a Síria nem faz parte do tratado, e mesmo que venha a ser parte, a Rússia vai mantê-lo escondido. Ele deve estar em Vladivostok, ou na...
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Transmissão da fé para as novas gerações é um dos desafios da Igreja, diz Dom Jaime Spengler ao ser nomeado cardeal
12/9/2024
O Papa Francisco nomeou, neste sábado (7), 21 novos cardeais. Entre eles, está o brasileiro Dom Jaime Spengler. O franciscano de 64 anos, recebeu o barrete vermelho na cerimônia na Basílica de São Pedro, durante o Consistório Ordinário Público. O arcebispo de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, nasceu em Gaspar, no estado de Santa Catarina. Ordenado padre em 1990, o prelado se junta ao grupo de sete brasileiros que compõe o Colégio Cardinalício. Atualmente Spengler é também presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).
Gina Marques, de Roma,
Na cerimônia do Consistório, o Papa Francisco disse aos novos cardeais que a missão deles é a construção da unidade e que não cedam à “competição corrosiva”, nem se deslumbrem com prestígio, poder e aparência.
O vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, veio a Roma para acompanhar a solenidade. Além de um breve encontro com o pontífice, o político (PSB) se reuniu com o novo cardeal brasileiro.
Antes da cerimônia no Vaticano presidida pelo Papa Francisco, os novos cardeais encontraram os jornalistas na Sala de Imprensa da Santa Sé, ocasião para Dom Jaime Spengler comentar a importância de sua nova designação.
“Eu diria que a importância talvez seja uma espécie de reconhecimento pelo trabalho que estamos tentando desenvolver ao nível continental. Por outro lado, a importância aponta para o chamado a uma cooperação ainda mais intensa na promoção daquilo que é a missão da própria Igreja no contexto universal, ou seja, de promover a comunhão entre os povos, de anunciar o evangelho onde ela se faz presente.”
Segundo o cardeal, atualmente um dos maiores desafios da Igreja talvez seja a transmissão da fé com uma linguagem adequada às novas gerações. “Talvez a linguagem que hoje nós usamos encontre dificuldade na sua receptividade, sobretudo pelos adolescentes e jovens. Esse é um aspecto. O segundo aspecto, que eu creio nos desafie, é tornar conhecida aquilo que é a doutrina social da Igreja nos diversos ambientes. Não só intra, mas também extra eclesiais. A Igreja possui um tesouro que pode ir ao encontro de tantos desafios que a sociedade globalizada hoje deve afrontar.” afirmou.
A Igreja vive uma crise de vocações e o problema não é de hoje. Cada vez menos jovens seguem o chamado sacerdotal. Dom Spengler admite que o declínio vocacional, vivenciado intensamente na Europa, começa também a se sentir no contexto brasileiro e latino-americano.
“Como fazer frente a isto? Eu gosto sempre de recordar uma expressão de São Paulo VI, que está num texto dos anos 70 chamado Evangelii Nuntiandi, onde ele dizia que o ser humano hoje ouve com muito mais atenção as testemunhas que os mestres. Eu creio que para fazer frente, por exemplo, aos desafios vocacionais hoje, a grande exigência é (ter) testemunhas críveis.” frisou.
Guerras pelo mundo
Atualmente muitas guerras assolam o mundo. O Papa Francisco incansavelmente faz diversos apelos pela paz. O cardeal ressaltou que aqueles que mais sofrem com os conflitos armados são os pobres.
“Atualmente, se não me falha a memória, nós temos 59 conflitos armados acontecendo mundo afora. Para nós cristãos e católicos não podemos esquecer algo que é fundamental: Cristo é a nossa paz. A referência ao foco não pode deixar de ser o Cristo. Portanto, resgatar ou promover um olhar focado para Ele, que de alguma forma é uma referência para nossa cultura, não só ocidental, se torna decisivo para fazer frente as realidades conflitivas que tantos sofrem as consequências. Quem mais sofre com as guerras, com os conflitos, são os pobres. A Igreja estará sempre ao lado dos pobres.” destacou.
Durante a entrevista à RFI, o arcebispo de Porto Alegre, emocionado, enviou uma mensagem de solidariedade à população do Rio Grande do Sul que este ano sofreu com a devastação provocada por enchentes. A catástrofe deixou 183 mortos e 27 desaparecidos. Na época, o Vaticano doou quase meio milhão de reais ao...
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Tom Jobim: 30 anos após sua morte, jornalista francesa relembra entrevista icônica com o músico
12/6/2024
Neste domingo, 8 de dezembro, completam-se 30 anos da morte de Antônio Carlos Jobim, um dos maiores nomes da música brasileira. Para marcar a data, o programa RFI Convida conversou com a jornalista francesa Annie Gasnier, que relembrou momentos marcantes de sua entrevista com o cantor, compositor e maestro em 1994, pouco antes de sua morte.
Ela compartilhou detalhes dos bastidores da conversa, incluindo o ambiente descontraído na casa do artista, as lembranças do encontro dele com o parceiro Vinícius de Moraes e a confissão feita por Jobim de uma de suas versões preferidas de "Garota de Ipanema".
Annie Gasnier descreveu com emoção como foi recebida na casa de Tom Jobim, no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, um espaço que refletia a harmonia entre modernidade e natureza, característica muito presente nas composições do artista.
“Era uma casa muito bonita, aberta sobre a natureza, com flores e muito verde. Estavam lá a mulher dele, Ana, a filha, Maria Luísa, e os cachorros. Foi perto do piano, tomando café, um momento muito tocante para mim” lembrou.
A jornalista destacou a descontração de Tom Jobim durante a entrevista e o tom de bate-papo usado pelo maestro ao comentar os assuntos, variados, desde suas lembranças de Ipanema, até a parceria com Vinícius de Moraes, e a história por trás de uma das canções que o tornaram mundialmente conhecido: "Garota de Ipanema".
“O mais interessante é que em Ipanema ainda existe esse bar onde eles escreveram essa canção, onde passava essa garota, que hoje todos sabem que é a Helô Pinheiro. Na época se chamava Bar Veloso, mas que virou Garota de Ipanema. Acho que o Brasil também entrou nos Estados Unidos graças também a essa música”, comentou.
Questionado por Annie Gasnier sobre as diversas versões da famosa canção, Tom Jobim respondeu primeiramente ter perdido a conta, mas estimava em mais de 500 versões e traduções para o clássico, que segundo disse na entrevista, era uma "música local que se tornou universal". Depois, ao lado do piano, Tom Jobim confessou à jornalista que uma de suas interpretações favoritas era da cantora de jazz americana, Ella Fitzgerald.
“Tom Jobim estava tocando algumas notas no piano e depois disse: ‘acho que uma das versões que mais me tocou e emocionou foi a de Ella Fitzgerald. Ela colocou uma emoção diferente, coisa de mulher', ele disse”, lembrou Annie Gasnier.
Relação com a França
A gravação mantida pela jornalista mostra ainda que durante toda a entrevista, Tom Jobim se esforçava em introduzir palavras em francês nas respostas. “Faltava prática. Ele era daquela burguesia do Rio de Janeiro que falava francês. O pai dele tinha sido diplomata na França em 1940. Ele morou algum tempo, e também viajava bastante para a França por causa do trabalho, mas também porque gostava”, conta Annie Gasnier.
Outra lembrança marcante para Tom Jobim com a França, registrada na entrevista, foi sobre a conquista da Palma de Ouro do Festival de Cannes do filme Orfeu Negro, dirigido por Marcel Camus baseado na obra Orfeu da Conceição de Vinícius de Moraes.
Tom Jobim compôs com o parceiro várias músicas para a trilha sonora do premiado longa, entre elas, “A Felicidade”. “Pela primeira vez meu nome com o do Vinícius apareceu em Paris e tudo mais com as músicas do Orfeu”, disse Jobim à jornalista.
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Marco Guimarães revisita mistérios do Quartier Latin em Paris no 3° livro traduzido para o francês
12/3/2024
O escritor carioca Marco Guimarães é autor de 12 romances, alguns deles traduzidos e publicados não só no Brasil, mas em países como Angola, Croácia, Itália e França. Radicado em Paris, ele acaba de lançar o terceiro livro publicado em francês, L’étrange miroir du Quartier Latin (O estranho espelho do Quartier Latin, em tradução livre), que sobrevoa um universo anteriormente já abordado pelo autor: o antigo bairro do Quartier Latin, povoado desde a Idade Média por "fantasmas", "mitos" e "espelhos".
Em seus Diários, o escritor argentino Ricardo Piglia costumava dizer que o lugar de onde se escreve determina de alguma forma a escrita. Mas, para o escritor carioca Marco Guimarães, o processo é um pouco mais complexo que uma referência ou transposição geográfica. "De qualquer forma, não é bem isso", diz o autor, radicado há 14 anos na capital francesa. "Nós precisamos pensar o seguinte: há uma ativação inconsciente de uma imagem arquetípica que modula e transforma nossa obra. Acredito que isso está ligado a um inconsciente coletivo que acabamos acessando", afirma.
"Trabalhei bastante sobre isso, talvez haja uma relação entre esse inconsciente coletivo, essas imagens arquetípicas e minha escolha por Paris. Essa escolha, talvez, esteja ancorada em simbolismos presentes na vivência na cidade e na própria história dela. Acho que isso pode fazer sentido", admite. "
O universo dos escritores latino-americanos que ocasionalmente escreveram em Paris ou sobre Paris, como outro argentino, Julio Cortázar, autor do monumental O Jogo da Amarelinha, clássico da literatura mundial escrito na capital francesa, é extenso. Cortázar costumava dizer que "Paris é uma imensa metáfora" e que "caminhar por Paris significa avançar até mim". "Para mim, esse conceito vai ainda mais longe", afirma Guimarães. "A linguagem da literatura é, essencialmente, metafórica. E a mesma metáfora que usamos para escrever é também usada pelo leitor para interpretar o texto", argumenta.
Os "mistérios" do Quartier Latin
Mas se o argentino Cortázar fala sobre "constelações mentais e sentimentais" em suas flâneries pela capital francesa, Guimarães traz o leitor de volta em seu novo livro ao velho bairro do Quartier Latin, na rive gauche de Paris, bairro que começou a ser densamente povoado ainda no século 13, na época medieval, um lugar cheio de "fantasmas" e "espelhos".
"O Quartier Latin é conhecido como o bairro das 'sorcières', das bruxas, há até histórias e livros publicados sobre isso. Acho que o local tem uma espécie de magia. Pude sentir isso quando cheguei a Paris há 14 anos. Fui muito bem recebido pela comunidade da Rue Mouffetard, onde morei por muito tempo", conta o escritor.
"É também uma das áreas mais antigas, porque, na época romana, era um dos caminhos que levavam a Roma. Tudo isso me faz voltar ao tema do inconsciente coletivo e das imagens arquetípicas. A Rue Mouffetard, com seus mistérios e simbolismos, sem dúvida, faz parte da minha trajetória literária", descreve o autor.
"Esse livro aborda a história de um suicídio que ocorre em Paris", relata Guimarães. "É difícil classificá-lo em um gênero específico. Ele se insere no realismo fantástico, mas também apresenta elementos do polar [romance policial]. No entanto, não é um policial clássico, porque, nesse gênero tradicional, a narrativa é geralmente muito centrada em um detetive ou policial que investiga e resolve um crime. Não é o caso aqui", avalia.
A morte como referência literária
"Esse livro, como muitos outros da minha trajetória literária, traz a morte como um elemento recorrente. A morte está sempre presente. Isso é algo que aparece ao longo de várias obras, e não é diferente nesta. Mas, além disso, você vai notar referências literárias, como O Retrato de Dorian Gray, de [Oscar] Wilde, Madame Bovary, de [Gustave] Flaubert, Os Sofrimentos do Jovem Werther, de [Johann Wolfgang von] Goethe, ou A Morte de Ivan Ilitch, de [Liev] Tolstói", diz.
"A morte é um tema universal, presente na...
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Celebração na França de 40 anos do MST tem agenda de debates e oposição ao acordo EU-Mercosul
11/29/2024
A celebração dos 40 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na França tem sido marcada por uma agenda intensa de debates e visitas em diversas regiões do país de uma delegação do movimento vinda especial do Brasil. Entre as representantes presentes está Nallyja Fernanda, integrante do Coletivo Nacional de Juventude e do Coletivo Nacional de Cultura do MST. Neste sábado (30), o Comitê dos Amigos na França homenageará a trajetória do movimento em um evento especial em Paris.
O evento de sábado marca não apenas os 40 anos do MST, mas também um reconhecimento pela longa parceria com o Comitê dos Amigos na França. “Essa é uma celebração de nossas conquistas e um compromisso com o futuro, reforçando a solidariedade internacional como instrumento de transformação social”, diz Nallyja Fernanda.
A relação entre o MST e o Comitê dos Amigos na França remonta ao massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996. “A solidariedade nasceu em um contexto de repressão gigantesca, quando pessoas ao redor do mundo se sensibilizaram e quiseram apoiar o movimento. Desde então, essa relação se fortaleceu como um intercâmbio político e cultural”, explicou Nallyja, que está na França acompanhada de Meriely Oliveira, líder do coletivo “Plano Nacional Plantar Arvores e Produzir Alimentos Saudáveis” no Estado da Bahia.
Durante sua passagem pela França, a delegação do MST visitou regiões que vão do norte ao sul do país, explorando a realidade de pequenos agricultores e práticas locais. “Temos aprendido com experiências de mecanização agrícola, produção coletiva e agricultura bio, que dialogam diretamente com a nossa matriz agroecológica”, destacou a líder.
Oposição ao acordo União Europeia-Mercosul
A visita da delegação do MST foi programada durante todo o mês de novembro e coincidiu com uma série de manifestações dos agricultores franceses por todo o país contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, em discussão entre os dois blocos.
Durante o diálogo com os setores agrícolas franceses, as representantes do MST têm exposto o posicionamento do movimento contra o tratado que pode criar a maior área de livre comércio do mundo. Para Nallyja, o acordo favorece grandes multinacionais e o agronegócio, em detrimento dos pequenos agricultores e da soberania alimentar. “Esse tratado potencializa articulações do agronegócio e prejudica diretamente quem produz alimentos para a população, além de impactar negativamente o meio ambiente e reproduzir uma lógica colonialista”, aponta a ativista.
Embora o governo brasileiro apoie o acordo, o MST se articula com a Via Campesina e outros movimentos internacionais para combatê-lo. “Entendemos que essa decisão responde a pressões da bancada ruralista, que representa 60% do parlamento brasileiro, mas seguimos firmes na defesa dos direitos conquistados e na luta por um modelo de produção sustentável e justo”, defende Nallyja.
Interesse francês pelo MST
Entre os temas mais discutidos pelas representantes do MST com o público francês estão a organização interna do movimento brasileiro e suas estratégias de mobilização. “A capacidade do MST de organizar as massas é um modelo que interessa especialmente à esquerda francesa, em um contexto de avanço da extrema direita na Europa”, diz Nallyja, citando a emblemática marcha de 1997, que reuniu 100 mil pessoas em Brasília.
Outro ponto de destaque tem sido a agroecologia. Desde 2014, segundo a militante, o MST adotou essa matriz como base de sua produção, reforçando o compromisso com a soberania alimentar e a sustentabilidade. Ela lembra que “70% dos alimentos no Brasil vêm da agricultura familiar, enquanto o agronegócio exporta commodities. É fundamental politizar a questão alimentar e reafirmar o papel dos camponeses”, defende.
Diálogo com a juventude e construção de futuro
Além das celebrações, o intercâmbio com coletivos jovens na França tem sido central. “Nosso coletivo de Juventude existe desde 2005 e forma lideranças para as lutas do seu...
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"Esse encontro merecia ser registrado", diz Bebê Kramer que se apresenta em Paris com o Trio in Uno
11/28/2024
O primeiro encontro aconteceu em Paris e, desde então, eles vêm encantando plateias da Europa e do mundo. Bebê Kramer, um dos acordeonistas mais respeitados do Brasil, se juntou ao Trio in Uno, formado pela italiana Giulia Tamanini no saxofone soprano, e os brasileiros José Ferreira, no violão de 7 cordas, e Diego Cardoso, no violoncelo. Juntos, eles assinam o álbum “Destinos”, que apresentam numa turnê que já passou pela Itália, antes de ocupar palcos da França e da Bélgica.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
Idealizado e gravado após o sucesso do primeiro show que o grupo fez na capital francesa, em dezembro de 2023, “Destinos” traz um frescor para músicas latino-americanas bem conhecidas, com interpretações e novas versões para composições de Astor Piazzolla, Radamés Gnattali, Sivuca, César Camargo Mariano, entre muitos outros.
“Nós já éramos amigos antes de ter o trabalho pronto. Em um dado momento da vida, eu vim fazer uma turnê na Europa com outros trabalhos e acabei passando em Paris para a gente tocar no New Morning, onde agora a gente vai se apresentar de novo”, conta Bebê Kramer em entrevista à RFI Brasil. “E aí, pensamos que esse encontro merecia ser registrado. Então, entramos para o estúdio e acabamos gravando esse CD 'Destinos', que traz releituras de algumas músicas minhas e desses compositores também”, completa. “A gente traz a música brasileira para cá e com versões sofisticadas”, define.
O álbum reúne dois instrumentos muito representativos da música brasileira, o violão e o acordeão, enriquecidos com saxofone e violoncelo. “A gente adora essa mistura. É muito bacana”, explica o violonista José Ferreira. “Além dos instrumentos mais característicos da música brasileira, tendo o sopro e as cordas na alma, essa mistura dá um tom quase orquestral para esse pequeno grupo”, continua. “São instrumentos de natureza diferente, que se completam e que se complementam em muitas possibilidades legais para os arranjos e para o som”, observa o músico.
O repertório mistura a espontaneidade da música popular ao requinte da música clássica, agradando a um público diverso. “Tem algo que se parece com a música de câmara, dos arranjos que são pensados, com uma arquitetura própria”, explica Diego Cardoso.
"Nós nos conhecemos aqui em Paris, 12 anos atrás" diz à italiana Giulia Tamanini. "Para mim, foi um encontro muito afortunado. Tive muita sorte, pois foi graças a eles que eu descobri a música brasileira, a qual eu me apaixonei, e comecei a tocar, e viajei bastante pelo Brasil", destaca.
Música com sotaque gaúcho
Nascido em Vacaria, no Rio Grande do Sul, Alessandro Kramer, ou melhor, Bebê Kramer, guarda a herança da cultura gaúcha que ele, agora, põe a serviço de estilos diferentes como o chorinho, o samba, o forró e o jazz. “Desde garoto, desde guri, como a gente fala lá, eu sempre tive a cabeça muito aberta para a música e sempre gostei de ouvir outros tipos de discos, de instrumentistas diferentes, de violonistas, saxofonistas e pianistas, além dos acordeonistas todos que me influenciaram, logicamente, principalmente os gaúchos, que foram a minha fonte inicial”, afirma Kramer, que se mudou aos 16 anos para Santa Catarina e depois para o Rio de Janeiro. “Isso foi formando um caldo musical, que eu acabei juntando com Trio in Uno, trazendo um pouco dessa coisa fronteiriça do Rio Grande do Sul. E acaba que tudo o que eu faço, sendo choro, samba ou forró, tudo fica com sotaque gaúcho”, brinca o músico que tem mais de 20 anos de carreira, vários discos gravados e premiados.
Os shows acontecem dia 28 de novembro em Bruxelas e 30 de novembro em Paris, no New Morning.
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'Antissemitismo é vírus hipercontagioso', alerta Milton Blay em novo livro
11/27/2024
Em seu livro mais recente, "A Nova Ordem Moral", o jornalista Milton Blay escreve que "a hecatombe em Gaza ultrapassa os limites do conflito israelo-palestino e vai além das fronteiras do Oriente Médio”. Em entrevista à RFI, o autor explica que o que acontece desde o ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023, sugere um momento de “tentativa de refundação da ordem geopolítica e moral do mundo”.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
No livro publicado pela editora Kadimah (2024), Milton Blay defende que o antissemitismo nunca deixou de existir e se dissimula nas correntes de "pseudo-esquerda" e "atrás das cortinas do antissionismo" que, segundo ele, seria capaz de apoiar a discriminação em nome do que considera ser o mal maior, o colonialismo, do qual Israel também é acusado.
O autor descreve o antissemitismo como "uma patologia social", um "vírus hipercontagioso" que se espalha "por terras longínquas". E diz que o ataque sem precedentes do Hamas contra Israel, em 7 de outubro de 2023, questiona a identidade judaica.
Para Blay, os judeus "são as primeiras vítimas quando o obscurantismo ameaça se abater sobre a humanidade", num alerta sobre possíveis novas violências. “Atentados são possíveis e mesmo prováveis”, afirma. “Basta lembrar que a França entrou no norte da África para impedir o desenvolvimento de grupos terroristas naquela região, que atacariam a Europa”, exemplifica.
“O Hamas é o segundo grupo terrorista mais rico do mundo, depois do Hezbollah, no Líbano. Então, nós temos aí uma guerra, atualmente, contra os dois grupos mais ricos e grupos terroristas que estão prestes a fazer atentados no mundo inteiro”, adverte.
Em 2023, na França, “o número de atos antissemitas quadruplicou, chegando a 1.774, para ultrapassar 2 mil nos quatro primeiros meses de 2024", destaca Blay. Em 2022, haviam sido 436 atos antissemitas, segundo o ministério do Interior. Atualmente, "94% dos judeus dizem ter medo", afirma o autor.
Em toda a Europa, os incidentes antissemitas se multiplicam. Coquetéis molotov foram lançados contra uma sinagoga na Alemanha, pichações de estrelas de Davi e de mãos ensanguentadas foram vistas em Paris, enquanto ataques a lojas e sinagogas assustaram a população na Espanha.
Blay escreve que, há um ano, os judeus se sentem inseguros e desestabilizados pelo Hamas. E que "no dia 7 de outubro, o medo despertou fantasmas de milênios".
Coalizão de ultradireita em Israel
Por outro lado, o autor também aponta que a existência de um governo em Israel, “liderado por Benjamin Netanyahu, com participação de partidos ortodoxos de ultradireita, racistas, homofóbicos, misóginos, coloca em risco não apenas os alicerces do Estado, como ataca o judaísmo laico” que, segundo Milton Blay, "permitiu a sobrevivência” dos judeus, após o extermínio de um terço dessa população na Europa.
“Não há a menor dúvida. É um governo de extrema direita, o pior governo que Israel já teve em toda a sua história”, avalia Milton Blay. “É um governo efetivamente racista, um governo misógino, é um governo que se aproxima dos governos teocráticos que existem no mundo”, completa. Blay compara “os sionistas religiosos teocráticos, que não reconhecem o Estado laico e afirmam a superioridade da lei religiosa sobre o direito civil”, com governos de "certos países muçulmanos onde reina a sharia, a começar pelo Irã”.
O jornalista descreve a coalizão israelense no poder como sendo “de extrema-direita hipernacionalista, com teocratas ultraortodoxos, messiânicos, dispostos a acabar com a democracia secular, arrasar os palestinos e combater os judeus progressistas”. E completa dizendo que “Israel nunca esteve tão próximo de uma revolução autoritária religiosa”. Em seu livro, aponta para o risco de Israel se tornar “uma teocracia messiânica com tecnologia nuclear, poder militar e conhecimento tecnológico, de efeito global”.
“O que os aiatolás de Teerã querem é aplicar plenamente a sharia, ou seja, a lei islâmica, a lei do Alcorão. Então, não há lei civil. E...
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