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RFI
De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.
Episodes
ADI diz que São Tomé e Príncipe vive situação "anormal" e que nomeação de Américo Ramos é uma "surpresa"
1/13/2025
O imbróglio político em São Tomé e Príncipe é uma "situação anormal" segundo o partido maioritário ADI, motivado por "razões pessoais" do Presidente Carlos Vila Nova, segundo explicou à RFI o secretário-geral do ADI, Elísio Teixeira.
Numa semana, São Tomé e Príncipe teve três primeiros-ministros diferentes. Na segunda-feira passada, Patrice Trovoada foi destituído pelo Presidente Carlos Vila Nova com acusações de deslealdade institucional, com a nomeação, entretanto, sob indicação do partido maioritário ADI, de Ilza Amado Vaz. Com a divulgação da lista de ministro da então primeira-ministra a acontecer antes do aval final do Presidente, Ilza Amado Vaz apresentou a sua demissão que levou depois à sua exoneração, com o Presidente a escolher no final do dia de ontem Américo Ramos como novo primeiro-ministro.
Do lado do ADI, mesmo se se trata de um antigo secretário-geral do partido, esta decisão não se compreende, já que o partido tinha sugerido o nome do advogado Adelino Pereira. Em entrevista à RFI, Elísio Teixeira, actual secretário-geral do ADI, admite que o partido foi surpreendido pela decisão do Presidente e que não ajudará a formar o próximo Governo.
RFI: Como descreve a situação política em São Tomé e Príncipe?
Elísio Teixeira: Claro que, do nosso ponto de vista, é uma situação anormal, porque o ADI ganha as eleições em 2022 com maioria absoluta e apresentou o candidato a primeiro ministro. Logo, tem toda a legitimidade para cumprir o mandato até 2026. Obviamente que havendo a demissão do primeiro ministro Patrice Trovoada e o ADI enquanto partido vencedor, apresenta um outro nome para dar continuidade ao programa sufragado em 2022, mas tendo em conta a natureza do conflito - que em certa medida não se consegue perceber porque parece que deixou de ser institucional e em parte passou a ser um conflito quase de natureza pessoal - então há nomes que foram rejeitados e pelo que o Presidente da República indicou, o primeiro ministro, pese embora seja oriundo do ADI, não foi indicado pela direcção atual do partido.
Portanto, podemos confirmar que o nome de Américo Ramos não foi indicado pelo ADI. Confirma isso?
Nós tínhamos indicado ontem o nome do advogado Adelino Pereira, que foi o nome da direcção do partido indicou ontem ao Presidente da República. Mas, entretanto, o Presidente da República nomeou o Dr. Américo Ramos, que é uma figura oriunda do ADI e para as funções de primeiro ministro.
Vocês tiveram alguma razão para essa renúncia em relação a Adelino Pereira.
Nós não tivemos retorno do Presidente e, embora tenhamos enviado o nome de Adelino Pereira, fomos depois digamos que surpreendidos com a nomeação do Dr. Américo Ramos.
E no vosso entender porque é que a escolha do Presidente recaiu sobre Américo Ramos?
Obviamente que entendemos que ele quer dizer que deve ser o ADI a continuar o programa sufragado em 2022 até 2026. Logo, digamos que escolheu uma figura oriunda do ADI, que foi recentemente secretário geral do partido. Até há bem pouco tempo, Américo Ramos foi deputado eleito pelo partido ADI. O Presidente da República indigitou-o como primeiro ministro talvez por ele ser oriundo do partido, pese embora não tenha sido indicado pela direcção do partido.
No vosso ponto de vista, trata se de um governo de iniciativa presidencial?
Tecnicamente sim, porque se a direcção do partido indica o nome e o nome do partido não é tido e se indica um outro nome... Neste momento entendemos que há aqui um Governo que foi formado de iniciativa presidencial.
Do vosso lado vocês pensam agora participar no processo de construção do Governo? Ou seja, reunirem se com Américo Ramos e tentar atribuir pastas a membros do ADI?
Não, não nos cabe a nós indicar nomes neste momento, tendo em conta que não foi o nome escolhido pela direção que é primeiro-ministro. Portanto, caberá ao primeiro ministro indigitado pelo Presidente formar o seu elenco e depois tratar de tudo o resto. Poderá ser que chame pessoas do ADI, mas neste momento...
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Carlos Vila Nova podia ter utilizado "outros mecanismos" antes de destituição
1/10/2025
O antigo candidato às presidenciais Eugénio Tiny disse em entrevista à RFI que o Presidente Carlos Vila Nova tinha outros mecanismos antes de demitir Patrice Trovoada, como convocar a Assembleia Nacional. Já as prioridades para o novo Governo de Ilza Amado Vaz são a apresentação de um Orçamento do Estado, assim como o pagamento de salários em atraso na saúde e na educação.
Ilza Amado Vaz é a nova primeira-ministra de São Tomé e Príncipe, após a destituição do Governo de Patrice Trovoada na segunda-feira. Ilza Amado Vaz era até agora Ministra da Justiça, da Administração Pública e dos Direitos Humanos. Trata-se da terceira mulher a chefiar São Tomé e Príncipe.
Para Eugénio Tiny, ex-candidato às presidenciais e antigo vice-presidente da Assembleia Nacional, Ilza Amado Vaz é "uma personalidade de valor", mas contesta a organização do país, indicando que o Presidente Carlos Vila Nova podia ter recorrido a outras medidas antes de destituir o Governo.
"Temos que ser sinceros, nada funciona. Quando [o Presidente] fala do irregular funcionamento das instituições, é um facto real e nós não estamos aqui a fazer a defender ninguém. Porque eu também acho que o Presidente, antes de chegar à demissão do primeiro ministro, tinha outros mecanismos a nível da Constituição para utilizar. Podia convocar a Assembleia Nacional, podia convocar o Conselho de Estado, podia ir dirigir mensagem à Assembleia. [...] Ele podia ter aproveitado de facto esse espaço para que o assunto fosse realmente discutido. E aí talvez não se chegava a esse ponto, porque os deputados, mesmo pertencendo ao partido ADI, podiam chamar a atenção do seu líder, ou mesmo a oposição. Podia também chamar a atenção do primeiro ministro porque de facto também viajava demais", indicou o antigo deputado.
Eugénio Tiny defende assim uma mudança radical do sistema político em São Tomé e Príncipe, um sistema que considera estar actualmente corrompido pela corrupção e pela dependência do estrangeiro. Para já, cabe agora a Ilza Amado Vaz executar decisões importantes para o futuro do arquipélago.
"O novo governo tem que se ocupar é de questões prioritárias. Ou seja, a questão do Orçamento Geral do Estado, porque nós não temos sequer um orçamento. Muito menos uma proposta para ser discutida, analisada e aprovada. O país tem problemas financeiros e de financiamento gravíssimos. Não tem dinheiro. Não consegue sequer pagar salário de modo regular. Vai pagar os salários ao longo do mês a conta gotas. Tem ainda dívidas por pagar com pessoas que trabalharam para a Saúde, para a Educação. Houve quem não tenha recebido salário durante um ano e entrou no novo ano ainda sem salário. Tudo isto está por resolver", concluiu.
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Aldeias Infantis SOS de Cabo Verde implementam projecto de combate ao abuso sexual
1/10/2025
As Aldeias Infantis SOS de Cabo Verde implementam a partir deste mês de Janeiro o projecto “Djunta Mô” que pretende ajudar no combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes.
As Aldeias Infantis SOS de Cabo Verde implementam a partir deste mês de Janeiro o projecto “Djunta Mô”, que significa “só todos juntos conseguimos” para ajudar no combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes.
“Este projeto nasce no seguimento de um diálogo político já realizado anteriormente pela União Europeia em Cabo Verde, em que os atores da sociedade civil, neste diálogo apontaram a questão do aumento da problemática do abuso sexual das crianças e adolescentes ou exploração sexual das crianças e dos adolescentes e que haveria a necessidade do seu combate, verificar, portanto, qual é a debilidade. Uma das debilidades encontradas é a questão da rede de proteção, portanto, estarei explicando que um dos objetivos, além do combate em si ao abuso sexual nas crianças e adolescentes, bem como a questão da exploração, mas um dos pilares e dos objetivos também é o repouso da rede de proteção para, portanto, se conseguir alcançar o segundo objetivo. Portanto, a partir deste diálogo político identificado, desta problemática, a União Europeia avançou uma consulta junto de organizações da sociedade civil e entendeu~que as aldeias infantis SOS estariam posicionadas para elaborar este projeto, obviamente juntamente com outros parceiros de implementação, e seguirmos neste trabalho até dezembro de 2027, ou seja, é um projeto de três anos” avançou o director nacional das Aldeias Infantis SOS de Cabo Verde, Ricardo Andrade.
O projecto “Djunta Mô” das Aldeias Infantis SOS de Cabo Verde para ajudar no combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes vai ser desenvolvido nos municípios de São Filipe, na ilha do Fogo, da Praia e de Santa Catarina em Santiago. Concelhos onde registam mais casos e mais denuncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes.
Embora afirmou que os dados abusos sexuais estão desfasados da realidade, Ricardo Andrade, disse que é na ilha do Fogo há mais casos de abuso sexual contra menores
“A Ilha do Fogo pelas razões claras porque lidera as questões das denúncias e também do abuso sexual em Cabo Verde. É de conhecimento de todos, são dados enunciados pelo ICCA e também na Ilha de Santiago, a sua tendência é de aumentar. Obviamente, a ambição seria alcançar todo o território internacional, por exemplo, esta problemática também tem uma incidência muito grande em Santo Antão, se fosse pelos números nós teríamos de chegar em termos local a Santo Antão, mas infelizmente pela limitação dos recursos não podemos chegar em termos de atuação local, mas estaremos chegando através da advocacy, através da comunicação via televisão, via redes sociais e também via rádio” disse Ricardo Andrade.
Em termos de denuncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes adiantou que nos anos de 2021, 2022 e 2023 foram registados na ilha do Fogo, 52, 51 e 51 casos, recpectivamente.
“Mas verdade nós sabemos, a questão do abuso é muito maior, porque na Ilha do Fogo a questão da denúncia ainda é uma problemática para se trabalhar e é onde nós vamos trabalhar, porque por um lado, as comunidades muitas vezes não sabem que é um crime público, qualquer pessoa deve denunciar; segundo, muitas vezes não se conhece bem os canais de denúncia, ou então há uma certa descrença nos canais de denúncia e na efectividade da justiça ou ainda tem a questão dos bairros em que toda a gente conhece toda a gente, existe um certo embaraçamento para se trazer estas denúncias à luz do dia, devido às relações familiares, de amizade ou então até interesses outros e que acabam por impedir. E, na verdade, estes são os dados oficiais, mas sabe-se que, no fundo, são muito maiores” argumentou.
Em termos de Santiago Norte os dados oficiais mostram que nos anos 2021, 2022 e 2023, foram denunciados 26, 41 e 41 casos de abuso sexual de menores de idade. Já para Santiago Sul,...
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António Feijó Júnior publica novo livro sobre petróleo angolano
1/10/2025
António Feijó Júnior apresentou recentemente, em Lisboa, o livro "Refinação, armazenagem, distribuição e comercialização de derivados do petróleo. O papel dos biocombustíveis". A RFI falou com o autor sobre as novas refinarias a serem construídas em Angola, a exportação de derivados do petróleo para países vizinhos, a indústria petroquímica, os biocombustíveis e a redução da emissão de CO2. Oiça aqui.
António Feijó Júnior tem largos anos de experiência na indústria petrolífera, em Angola e no estrangeiro, no sector público e privado. O vasto conhecimento técnico, acumulado ao longo de uma vida profissional dedicada ao "ouro negro" permite-lhe tornar acessível a complexidade da indústria petrolífera.
Depois de em 2017 ter lançado o livro "Petróleo uma indústria globalizada", um trabalho com foco no "upstream", que compreende as actividades de exploração e produção de petróleo, António Feijó Júnior apresentou recentemente, em Lisboa, o livro "Refinação, armazenagem, distribuição e comercialização de derivados do petróleo. O papel dos biocombustíveis" editado pela Perfil Criativo - Edições. A obra, pensada e executada com rigor, proporciona um entendimento sobre a cadeia de "downstream", que engloba o processamento do petróleo bruto e o escoamento dos derivados a serem consumidos.
A RFI aproveitou a presença de António Feijó Júnior em Portugal para uma entrevista em que, entre outros temas, se fala das novas refinarias a serem construídas em Angola, da exportação de derivados do petróleo para os países vizinhos de Angola, da indústria petroquímica, dos biocombustíveis e a redução da emissão de CO2 ou a utilização de terras aráveis para a produção de biocombustíveis.
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"Regresso de Mondlane reafirma compromisso com os eleitores"
1/9/2025
Venâncio Mondlane, líder da oposição moçambicana, regressou esta quinta-feira, 9 de Janeiro, a Maputo após mais de dois meses fora do país, contestando os resultados das eleições gerais. Disponível para o diálogo, criticou as autoridades, acusando-as de estar a cometer um "genocídio silencioso" contra o povo. "O regresso de Mondlane significa o cumprimento do seu compromisso com os eleitores", afirma o investigador no Centro de Integridade Pública, Ivan Maússe.
RFI: O que significa o regresso de Venâncio Mondlane e como é que está a ser vivido este dia, aí, na capital moçambicana?
Ivan Maússe: O regresso de Venâncio Mondlane, que foi o candidato presidencial pelo partido do Podemos e ficou em segundo lugar, significa o cumprimento do seu compromisso com os eleitores. Apesar de contestar os resultados eleitorais, Mondlane conseguiu consolidar um apoio a nível nacional, quebrando divisões regionais e étnicas. Ele conseguiu unir o país e tocar o coração de muitas pessoas, especialmente das que se sentem desamparadas pelo Estado. Este regresso reafirma o seu compromisso em continuar a lutar pelos seus valores e pelas massas que o apoiam.
Que leitura se pode fazer da acusação de "genocídio silencioso" e de que forma esta afirmação pode afectar a legitimidade do governo de Filipe Nyusi?
É importante considerar que, desde Outubro de 2024, mais de 400 pessoas morreram em consequência da violência policial. Há várias situações em que a polícia matou cidadãos, e os corpos foram enterrados em valas comuns sem que as famílias pudessem realizar os funerais de forma digna. Perante tais situações, é compreensível que alguém como Mondlane, que lidera manifestações pacíficas, sinta a necessidade de regressar ao país. A violência policial e as acusações de genocídio podem, sem dúvida, afectar a legitimidade do próximo governo, especialmente o de Daniel Chapo, que terá de lidar com Mondlane e com a sua base de apoio.
Como devem o governo e os partidos políticos responder à pressão de Venâncio Mondlane e à crescente contestação popular? Qual é a importância do diálogo proposto por Mondlane, considerando a crise pós-eleitoral?
O diálogo deve ser sempre visto como um meio de pacificação social. A história de Moçambique mostra que a paz foi alcançada por meio de diálogos políticos, como aconteceu nos acordos de 1992, 2012 e 2019. O diálogo político é essencial para o desenvolvimento do país. No entanto, as partes envolvidas devem ser flexíveis e compreender que as propostas não são vinculativas, devendo ser sujeitas a negociações. O importante é que todos os actores políticos ponham de lado as suas ambições pessoais em prol do bem comum e do desenvolvimento de Moçambique.
Qual é o impacto do uso da força policial contra manifestantes e apoiantes de Venâncio Mondlane na imagem do governo perante a comunidade internacional?
A violência policial, que não é novidade em Moçambique, pode gerar instabilidade e afastar a sociedade das forças de segurança. O uso excessivo da força, especialmente contra manifestações pacíficas, pode provocar uma separação entre a população e a polícia, o que prejudica ainda mais a imagem do governo. É importante que os responsáveis, como o ministério do Interior e o Comando Geral da Polícia, tenham um discurso ponderado e que as forças policiais usem a força de forma proporcional à ameaça real.
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Situação política de São Tomé e Príncipe é "inaceitável" e "imperdoável"
1/8/2025
O Presidente são-tomenses Carlos Vila Nova demitiu o governo de Patrice Trovoada, alegando incapacidade do executivo em lidar com desafios económicos e sociais, além de alegar prolongadas ausências do chefe do governo. O chefe de Estado deu 72 horas para a ADI indicar um novo líder. PatriceTrovoada contestou a decisão que considera ilegal e pediu um parecer ao Tribunal Constitucional. O sociólogo Olívio Diogo afirma que actual situação política do país é "inaceitável" e "imperdoável".
RFI: Qual o impacto desta decisão presidencial no equilíbrio de poderes em São Tomé e Príncipe?
Olívio Diogo: O país não tem condições para o que está a acontecer. É inaceitável e imperdoável da parte da população são-tomense que esses dois indivíduos estejam a promovero uma situação de total instabilidade num país onde tudo está a funcionar normalmente, e onde a população está a trabalhar rigorosamente para encontrar uma via de desenvolvimento para o país. Esses dois indivíduos deviam ter algum tipo de visão, ter como objectivo principal das suas acções o desenvolvimento do país. É inaceitável e inadmissível essa situação entre eles e o impacto é irreversível.
O Presidente da República deu dois dias ao partido no poder apresentar um novo nome, mas pela reacção do primeiro-ministro, parece que ele não irá apresentar uma nova figura para chefiar o governo. Ele também invocou o facto de recorrer ao Tribunal Constitucional. O impacto disso será o seguinte: caso o Tribunal Constitucional reaja favoravelmente ao primeiro-ministro, teremos um Presidente da República completamente fragilizado. Caso o primeiro-ministro não reaja, o Presidente terá que tomar medidas, e essas não serão favoráveis à posição do primeiro-ministro. Isso coloca-nos numa situação institucional e política complicada. Todos os partidos políticos já se manifestaram sobre essa situação, alguns a favor e outros contra a posição do Presidente. O que é certo é que o Presidente da República não parece estar em condições de viabilizar a continuidade do primeiro-ministro.
Como se chegou a essa situação?
Essa é a pergunta principal: Qualquer pessoa que acompanhe a política são-tomense sabia de duas coisas: Primeiro, a forma de actuar do primeiro-ministro. Mas também, o Presidente da República não é inocente. Ele, o ADI, foi ministro das Infra-estruturas no governo do primeiro-ministro.
Ambos são oriundos da mesma ala política, a ADI?
Sim, ambos são oriundos da mesma ala política. E é importante deixar claro que são farinha do mesmo saco. Por isso, é difícil entender como é que dois líderes, que pertencem ao mesmo grupo, chegam a uma situação em que dizem que o "saco" está tão podre.
A demissão do governo pode ser interpretada como uma crise constitucional. Qual é a legitimidade constitucional dessa decisão, uma vez que a Constituição não contempla, por exemplo, um governo de iniciativa presidencial?
A Constituição é clara sobre isso. Se analisarmos a situação com atenção, tanto a intervenção quanto o decreto presidencial que demitiu o governo não têm total base constitucional. A Constituição não permite um governo de iniciativa presidencial. Portanto, a única solução possível para esse impasse é a convocação de novas eleições.
O que isso implicaria para São Tomé e Príncipe, um custo adicional e um esforço maior?
Isso paralisaria todo o trabalho e os acordos com o FMI. Seria um retrocesso no desenvolvimento do país, um retrocesso sem medida. As implicações seriam incomensuráveis, um movimento completamente insano e irresponsável dessas duas figuras.
O pedido do Presidente para que a ADI indique um novo nome para o cargo de primeiro-ministro é viável? Patrice Trovoada poderia voltar a ocupar o cargo, ou, em caso de bloqueio, ele poderia nomear o ministro dos Negócios Estrangeiros, Gareth Guadalupe, por exemplo. Isso seria possível?
É importante entender o contexto. O Presidente está apenas cumprindo o que manda a Constituição, pois o ADI tem maioria absoluta. O Presidente está...
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Charlie Hebdo: “O lápis tem mais força, o problema é que cada vez há mais espingardas e menos lápis"
1/7/2025
Dez anos após o ataque ao Charlie Hebdo, que tirou a vida a 12 pessoas, oito eram elementos da redação do semanário, a RFI falou com o desenhador reformado Carlos Brito, antigo colaborador dos jornais franceses Le Monde e Le Canard Enchainé. Uma conversa sobre liberdade de imprensa, de expressão, auto-censura… a leitura de quem, ao longo de décadas, olhou o mundo pela lente da mais poderosa das armas: o lápis.
RFI: O que é que mudou nestes dez anos?
Carlos Brito: O que é que mudou nestes últimos dez anos? Para já, mudou o facto de que eu deixei de desenhar há 12 anos. Saí um bocado do circuito do desenho de imprensa. Deixei de desenhar, mas continuei a fazer exposições e a comunicar através do desenho. Mas deixei de depender financeiramente do desenho. E isso é muito bom, porque o desenho de imprensa, precisamente de há dez anos para cá, mas já tinha começado antes, está em muito má situação.
Eu pertenço a uma geração que pôde viver do desenho de imprensa. Hoje é praticamente impossível viver profissionalmente do desenho de imprensa.
O desenho está a desaparecer. É uma espécie em vias de desaparecimento e está a desaparecer dos jornais.
Há 10 anos toda a gente era Charlie, mas hoje tenho a impressão que só mesmo o Charlie Hebdo, que continua a existir e, mesmo assim, não exactamente no mesmo modelo de há dez anos.
Eu não sou leitor do Charlie Hebdo. Fui leitor do antigo Charlie Hebdo, no tempo do [François] Cavanna, Professeur Choron… A nova fórmula não corresponde exactamente à minha forma de funcionamento. O que não impede que tivesse, evidentemente, lá amigos. Segui a carreira deles e perdi-os. O caso do Cabu com quem trabalhava no Le Canard Enchainé, e o Tignous que éramos bastante amigos e o Honoré. Foi muito violento.
Entretanto, hoje a situação está cada vez pior. No que diz respeito ao desenho, por exemplo, neste fim-de-semana aconteceu o caso da Ann Telnaes, do Washington Post, que se demitiu porque lhe foi recusado um desenho que caricaturava Jeff Bezos, que é proprietário do Washington Post.
É uma óptima desenhadora, com trabalho de qualidade, abordando as questões políticas, o que nos Estados Unidos é muito difícil.
Foi a segunda mulher cartoonista na história a ter recebido um Pulitzer, precisamente pelos desenhos.
O que é raro. Precisamente quando a conheci, também conheci o Kal, que é o desenhador do Baltimore Sun e do Independent da Grã-Bretanha, e ele tinha-me contado na altura, após o 11 de Setembro [de 2001], que muitos desenhadores na imprensa regional nos Estados Unidos foram despedidos no rescaldo do Patriot Act, porque havia pressões. Portanto, a situação está muito mal.
Qual é o grande problema do desenho? É mais forte do que um texto corrido que provavelmente os leitores não iriam ler?
Sim, tem mais impacto. O desenho tem mais impacto, é uma leitura imediata.
De facto, eu constatei, durante os 30 ou 40 anos em que pratiquei esta profissão, que há uma desconfiança da parte da hierarquia da imprensa relativamente ao desenho. Quer dizer, utilizam o desenho, mas sempre desconfiados. Reparei que os chefes de redacção preferem os desenhos faladores, com palavras, com diálogos, etc, porque aí percebem logo do que se trata. Não gostam muito de desenhos mudos.
Mas aí condicionam a leitura ao terem palavras, condicionam a análise, condicionam a visão de quem está de fora.
Na minha opinião, um desenho com palavras é um desenho fechado. Quer dizer, acabou ali, a sua mensagem acabou ali.
Os desenhos mudos podem conter mensagens subliminares, dão possibilidade de interpretação da parte dos leitores. Fui sempre um apologista do desenho mudo mais que do desenho falado, porque acho que é uma janela que se abre para a capacidade de imaginação do leitor. E reparei que, por vezes, as pessoas falavam de desenhos que fiz e que encontraram coisas que eu sinceramente não tinha visto.
É essa capacidade, essa interpretação por parte do leitor, por parte de quem está a ver que um desenho com palavras...
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Charlie Hebdo: Aumentou a consciência do perigo e da manipulação da intolerância
1/7/2025
Dez anos após o ataque ao Charlie Hebdo, o jornal satírico diz-se “indestrutível” numa edição especial publicada esta terça-feira, 07 de Janeiro. Um número com 40 caricaturas subordinadas ao tema “rir de Deus”. Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, sublinha que, nestes dez anos, aumentou a consciência dos perigos que representa o islamismo hiper radical e, também consciência da possibilidade desses temas serem manipulados.
Dez anos após o ataque que na quarta-feira 07 de Janeiro de 2015 tirou a vida a 12 pessoas, entre elas oito elementos da redacção do semanário, o "Charlie Hebdo" continua a "ter vontade de rir". O jornal era alvo de ameaças desde 2006, na sequência da publicação de caricaturas do profeta Maomé.
Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, sublinha que, nestes dez anos, aumentou a consciência dos perigos que representa o islamismo hiper radical e, também consciência da manipulação destes temas.
RFI: Dez anos depois do ataque ao jornal Charlie Hebdo, o que é que mudou?
Álvaro Vasconcelos: Uma coisa que acho que mudou - e mudou claramente - foi uma consciência muito maior do perigo da intolerância, daquilo que representava o islamismo hiper radical. Por outro lado, e não menos importante, a consciência de que não se deve confundir o islamismo hiper radical com os muçulmanos em geral, apesar de, no seguimento da crise das caricaturas - antes do Charlie Hebdo - na Dinamarca, com a publicação das primeiras caricaturas, ter havido uma grande manipulação da questão por parte das ditaduras árabes, nomeadamente no Egipto, para mobilizarem a opinião pública de uma forma favorável ao regime e anti-europeia, contra a liberdade de expressão na Europa.
Acho que hoje se tem mais consciência de que, por um lado, a intolerância é absolutamente inaceitável - intolerância contra a criação artística - isto na Europa. Mas, por outro lado, também há consciência da possibilidade desses temas serem manipulados por correntes e por forças políticas que não têm como objectivo a defesa dos direitos fundamentais e da liberdade de expressão, mas apenas ou estigmatizar a comunidade muçulmana ou vice-versa, manipular as comunidades muçulmanas contra exactamente a democracia e liberdade de expressão.
Há, eventualmente, um antes e um após este ataque que foi o primeiro de vários em 2015, em França?
A nível político acho que houve uma dupla consequência. Por um lado, uma consciência maior da ameaça que representava o islamismo hiper radical e, por outro lado, maior consciência da necessidade de tomar medidas específicas para proteger os jornalistas.
Ao mesmo tempo, se uma parte das correntes políticas percebeu que não se pode confundir os muçulmanos com os atentados de Charlie Hebdo, nós vimos a extrema-direita crescer em todo o lado na Europa e a fazer dos muçulmanos, nomeadamente dos imigrantes e dos muçulmanos, uma ameaça.
Portanto, acho que é complexo pensarmos o Charlie Hebdo apenas na perspectiva fundamental da liberdade de expressão. Devemos, também, pensar como é que as correntes da extrema-direita manipulam o islamismo para crescerem na Europa e como manipularam todos estes acontecimentos, confundindo o mundo muçulmano, os muçulmanos e os crentes com aqueles terríveis assassinos que mataram os jornalistas do Charlie Hebdo.
A mesma extrema-direita que saiu à rua três dias após os atentados de 07 de Janeiro de 2015, para desfilar na defesa dos valores do Charlie Hebdo.
Eu não creio que a extrema-direita alguma vez possa defender os valores do Charlie Hebdo.
O Charlie Hebdo foi sempre um jornal iconoclasta, um jornal que sempre caricaturou os excessos e os extremismos. Um jornal que foi sempre anticlerical e, portanto, a extrema-direita - que tem certamente correntes que são fortemente integristas católicos - não se revê no Charlie Hebdo. Quando ela se manifesta supostamente em favor da liberdade de expressão, não é para se...
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Novas alianças em África: "Há uma nova Guerra Fria com Rússia e China"
1/6/2025
A Costa do Marfim anunciou a saída do contingente francês a partir desde mês de Janeiro, em resposta ao movimento crescente de novas parcerias como a Rússia e a China em África. "Podemos pensar neste cenário como uma nova Guerra Fria, mas com características económicas e geopolíticas específicas", defende o historiador, antropólogo e investigador permanente do Instituto Nacional de Estudos de Pesquisa da Guiné-Bissau, João Paulo Pinto Có.
RFI: Que leitura faz deste anúncio do Presidente Alassane Ouattara, que revelou que o contingente francês vai começar a sair do país ainda este mês de Janeiro?
João Paulo Pinto Có: Esta decisão do Presidente Ouattara acompanha o anseio de um movimento muito grande e forte no continente africano, nomeadamente de uma juventude e de novas políticas, também de relações diplomáticas mais horizontais com os antigos colonizadores. Visa, portanto, reclamar a soberania do próprio país. É uma decisão que não me surpreende muito, porque Ouattara já vinha fazendo alguns discursos que apontavam para esse caminho. Não só ele, mas muitas outras lideranças africanas.
Neste momento, o que se tem no continente africano são diversos actores que buscam uma relação e uma cooperação internacional para o desenvolvimento, nomeadamente com a China, a Rússia e a Turquia. Esses novos actores oferecem novos moldes de cooperação, países que não foram colonizadores no continente e, portanto, têm interesse em buscar uma nova dinâmica de colaboração. A África tenta, assim, traçar novas metas e quebrar paradigmas para alcançar uma cooperação mais clara e transparente.
Há um efeito dominó nesta decisão: Depois do Chade, do Mali e do Níger, de que forma a saída das forças francesas desses países pode afectar a luta contra o jihadismo e outros grupos extremistas, sobretudo no Sahel?
A presença militar francesa no continente africano sempre foi um tema controverso. Embora a França procure combater o jihadismo e o terrorismo no continente, para muitos países africanos essa presença também significava algo negativo. Muitos viam essa presença como maligna, acusando a França de, além de combater, financiar o próprio terrorismo.
Por exemplo, o actual regime maliano acusou a França de ser a principal patrocinadora do jihadismo, seja através da venda de armas, seja de outras formas. Um agravante disso foi a denúncia feita pelo Mali há alguns anos, numa reunião de emergência no Conselho de Segurança das Nações Unidas, acusando a França de patrocinar operações que desestabilizam o continente africano.
A presença francesa é vista nalguns países como um suporte a regimes tirânicos e ditatoriais que querem perpetuar-se no poder. Por outro lado, para outros, a França tem tido um papel que pode, em algumas circunstâncias, dissuadir líderes de violar os valores democráticos e constitucionais. No entanto, a conjuntura actual está a mudar, impulsionada por dinâmicas internacionais, como a guerra no centro da Europa e a perda de hegemonia de potências como a Rússia. Com isso, o cenário africano também está a ser reconfigurado, com novos regimes a emergirem e a França a ser pressionada a sair de certos países.
Falava da Rússia, estamos perante uma transição para novas alianças com potências como a Rússia? E de que forma essas novas alianças podem ter um impacto na segurança da região?
A Rússia, embora não tenha sido uma potência colonizadora no continente africano, sempre manteve relações com os países africanos, como na comercialização de armamentos. Além disso, a Rússia apoiou muitos movimentos de independência no continente.
O que vemos agora é, de certa forma, uma transição de influência: de uma França para uma Rússia, ou até para uma China, que procuram estabelecer novos moldes de cooperação com os países africanos. A Rússia, por exemplo, tem uma pressão muito forte no continente africano. Muitos dos regimes actualmente no poder, como no Mali e em Burkina Faso, têm relações próximas e cordiais com a Rússia.
Este é, de facto, um...
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Entre música e teatro a procura de identidade da cantora Gildaa
1/3/2025
A cantora franco-brasileira, Gildaa, actuou no concerto comemorativo dos 10 anos da Session UNIK da rádio FIP, no estúdio 104 da Maison de la Radio, em Paris. A cantora explora a memória ancestral e a espiritualidade, a dualidade entre Camille e Gildaa, misturando samba, R&B ou ainda jazz numa criação musical livre e sem fronteiras.
O concerto celebrou uma década de sessões Unik da FIP que imortalizam duetos de cantores inéditos, gravando-os directamente num suporte vinil. Os duetos prensados em séries limitadas - cerca de trezentas exemplares - em discos de 45 RPM, costumam ser vendidos durante o Record Store Day, o dia dedicado às lojas de discos independentes.
A primeira edição, em 2014, contou com o dueto Jane Birkin e Emily Loizeau, seguiram-se Philippe Katerine e o colectivo Catastrophe, Arthur Teboul e Alain Chamfort ou Angélique Kidjo e Catherine Ringer.
No dia 17 de Dezembro, MC Solaar revisitou o seu “New Western” com o grupo de rock The Limiñanas; a cantora Yael Naim retomou “Shine” ao lado da multi-instrumentista franco-brasileira Gildaa e “I love you” de Billie Eilish foi reinterpretada pela harpista soul Sophie Solyveau e pelo saxofonista Laurent Bardainne.
Gildaa, nome artístico de Camille da Silva, subiu ao palco com uma dezena de artistas para este concerto comemorativo dos 10 anos da Session Unik.
Na sua primeira entrevista em língua portuguesa, à RFI, a cantora franco-brasileira Gildaa confessa ter ficado "espantada com o convite”, confessa, explicando que seu nome chegou até os organizadores por indicação da amiga, Sophie Solyveau.
Embora tenha começado no teatro, Gildaa explica que a sua identidade musical nasceu de uma necessidade de autenticidade. “Camille já é outra pessoa, e nós convivemos juntas”, diz, referindo-se à sua faceta teatral: Camille, a actriz que compunha para outros, cedeu espaço a Gildaa, a cantora que agora expressa sua própria voz. "Foi assim que comecei a escrever, procurando uma forma de dizer o que não conseguia na técnica com que trabalhava", conta-nos.
A procura pela memória e pela espiritualidade é outro ponto central na música de Gildaa, para quem a arte é um processo de coexistência entre diferentes mundos. “É um cruzamento de universos”, diz-nos, lembrando que entrelaça cultura brasileira e ocidental. “O importante não é saber quem somos, mas viver o caminho”, afirma.
"Comecei numa cozinha onde a minha mãe faz festas com todo o povo brasileiro em Paris", conta. A sua música mistura de samba, jazz e R&B, uma "feijoada" de influências culturais que se reflectem na liberdade criativa com que compõe.
“A poesia brasileira tem uma forma única de dizer o que não pode ser dito abertamente, enquanto o francês tem mais palavras, mais camadas”, descreve Gildaa, destacando o cruzamento de línguas, que se tornam numa das suas riquezas.
Gildaa vai estar em cena no centro cultural 104 nos dias 14, 15 e 16 de Janeiro e entre os dias 21 a 30 de Janeiro no teatro do Rond Point, em Paris.
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Medo em Moçambique "agudiza-se" com aproximação da tomada de posse de Daniel Chapo
1/3/2025
A instabilidade política em Moçambique está a levar milhares de pessoas a abandonarem o país, chegando aos países vizinhos como Malawi e Essuatíni nas últimas semanas. Segundo Adriano Nuvunga, director do Centro para a Democracia e os Direitos Humanos, disse em entrevista à RFI muitas destas pessoas passam as fronteiras moçambicanas devido às perseguições políticas, mas também devido à fome que se generalizou no país.
A ONU disse estar “profundamente preocupada” com a violência pós-eleitoral em Moçambique desde as eleições gerais de Outubro e denunciou a fuga de moçambicanos, cerca de 3.000 até agora, para o Malawi e no Essuatíni. Esta é uma realidade também constatada pelo Centro para a Democracia e os Direitos Humanos como Adriano Nuvunga.
"Há muitas pessoas a sair. Nós há já duas semanas reportámos que 1.500 pessoas tinham saído de Moçambique, particularmente da província da Zambézia, com mais destaque para os distritos que fazem fronteira com o Malawi. Atravessam a fronteira para o Malawi à procura de segurança, mas também à procura de comida. Porque neste contexto, não só é a sua vida que está em risco por causa da repressão policial, mas também não há possibilidade de produção de bens alimentares", detalhou.
Até dia 15 de Janeiro, data da tomada de posse oficial de Daniel Chapo, a tensão vai continuar a aumentar no país. Adriano Nuvunga descreve um clima de medo em Maputo onde actualmente não há manifestações, mas com as autoridades a decidirem reforçar a presença militar, incluindo com blindados em frente a edíficios administrativos.
"É um dia que assusta as pessoas. Nunca se tinha visto uma situação onde a crise política e a violência pós eleitoral chegasse a este nível de ameaçar a própria investidura daquele que foi indicado como vencedor, ainda que injustamente. E nós vemos o Estado a importar mais armamento. Eu estou agora a circular na cidade de Maputo. É um cenário de guerra, com armamento muito pesado como blindados a protegerem, por exemplo, a Presidência da República. E isso não é próprio de Estados democráticos, é característico de Estados autoritários que têm medo da sua população. Então este medo generaliza-se, Este medo agudiza-se à medida que nos aproximamos da data porque não sabemos o que vai acontecer", indicou o activista.
Este clima de tensão foi agravado pelo impacto do ciclone Chido no país, que fez pelo menos 100 mortos e quase 1.000 feridos, especialmente no Norte de Moçambique. Estas populações já fragilizadas pelo terrorismo, pelos impactos da crise política no país, estão agora num estado de necessidade absoluta já que muitos perderam as casas, acesso a água potável e electricidade.
"Precisa-se um pouco de tudo para ajudar a população que perdeu os seus meios de sobrevivência. É preciso ajuda humanitária mesmo, há comunidades que têm as casas destruídas. E não esqueçamos quem perdeu também entes queridos devido à repressão policial: as viúvas e as crianças que ficaram órfãs. Daqui a pouco vai iniciar o ano lectivo e as crianças precisam de apoio. E o Estado moçambicano, por um lado partidarizado e por isso não é um Estado credível para atender as pessoas dentro dos padrões internacionalmente estabelecidos de assistência humanitária, mas por outro lado, sem mesmo capacidade por causa da devastação, por causa da corrupção. O Estado não tem capacidade de resposta. É um Estado incapacitado e é um quadro assustador. É um quadro de um Moçambique que mesmo onde ainda há edíficios de pé, como Maputo, o estado de espírito não é muito diferente daquele que assistimos no pós guerra civil, onde a sociedade e o espírito em geral da sociedade está devastado também pelas balas da polícia disparadas indiscriminadamente contra a população", declarou Adriano Nuvunga.
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Mayotte: "está tudo um caos", mas escola deve recomeçar no dia 13 de Janeiro
1/2/2025
Cerca de 15 dias depois da passagem avassaladora do ciclone Chido pelo arquipélago da Mayotte, o novo primeiro-ministro francês, François Bayrou, esteve nesse território e entre as promessas feitas à população local está o restabelecimento da electricidade, o impedimento da reconstrução dos bairros de lata e ainda o recomeço das aulas já no dia 13 de Janeiro. No entanto, segundo um professor lusófono no arquipélago, o regresso não se deve fazer em todas as escolas.
Manuel Vila Nova, professor franco-são-tomense instalado na Mayotte há 12 anos, descreveu em entrevista à RFI o cenário de devastação durante as quatro horas em que o Chido atingiu o arquipélago, não tendo poupado casas, edíficios públicos e nem mesmo os habitats naturais.
"Está tudo um caos. O ciclone durou quatro horas durante essas quatro horas foi um calvário. Foi terrível. A nível das infraestruturas, está tudo no chão. Está tudo. Não havia eletricidade nem rede de comunicações. Todos os cabos estavam no chão. Durante os dois primeiros dias não tivemos água. Até os animais selvagens estão também com problemas porque o seu habitat foi destruído. Praticamente todas as árvores sofreram com o ciclone", explicou o professor.
Manuel Vila Nova já tinha bilhete marcado para passar o Natal em França continental, mas o ciclone impediu-o de apanhar o seu avião, tendo conseguido sair da Mayotte só no dia 23 de Dezembro, tendo passado primeiro pela Reunião e aí conseguindo embarcar para França continental.
Entre 14 de Dezembro, data do ciclone, e 23 de Dezembro, este professor testemunhou a destruição na cidade onde vive, em Sada, e viveu as consequências do ciclone, tendo sido ajudado pelos vizinhos já que havia escassez de bens alimentares em todo o arquipélago.
Há poucos dias, o primeiro-ministro francês François Bayrou anunciou que as aulas vão ser retomadas já no dia 13 de Janeiro, mesmo se muitas escolas estão "completamente destruídas". Manuel Vila Nova prepara agora o seu regresso à Mayotte para este regresso às aulas, mas as condições não serão as mesmas devido à passagem do Chido.
"Depende das escolas. Na escola básica onde dou aulas, se houver uma intervenção é possível retomar. Não tivemos assim grandes problemas. É sobretudo o tecto do segundo andar. O ginásio está um bocado complicado, mas as salas de aulas estão funcionais. Portanto, eu penso que com umas pequenas intervenções a gente pode até trabalhar, mas não vai ser um trabalho como se fazia antes. Tem que haver uma organização um pouco diferente. Mesmo os alunos também estão e estão a viver dificuldades. Já há pessoas que têm dificuldades de comer. Portanto, não vai ser tão fácil. Mas há escolas que não podem funcionar a partir do dia 13", concluiu.
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Windcredible, produção de energia renovável com África no horizonte
12/27/2024
Chama-se Windcredible e veio para revolucionar a produção de energia renovável para autoconsumo através de turbinas eólicas para ambiente urbano.
Cabo Verde pode ser o primeiro país do continente africano a usar as turbinas Windcredible para a produção de energia eléctrica descentralizada utilizando a energia do vento.
Projectadas para serem silenciosas, arrancarem com ventos de baixa velocidade e tirarem o melhor rendimento dos ventos mais fortes, robustas, duráveis, de baixos custos de manutenção, as turbinas eólicas da Wincredible podem contribuir para a descarbonização e ser uma "peça no puzzle da sustentabilidade".
A startup portuguesa Windcredible foi criada há dois anos, está em fase de pré-industrialização, e regista uma grande procura pelas turbinas que devem chegar ao mercado em 2025, em 3 modelos para diferentes necessidades: Nano - 100W, Urban - 1 kW, Farm - 10kW.
A RFI esteve nas instalações da Windcredible, na Damaia, arredores de Lisboa, para falar com o director executivo (CEO), Filipe Fernandes, e com o diretor de operações (COO), António Santos. Uma conversa onde, entre outros temas, se falou de alterações climáticas, economia, tecnologia, educação, Cabo Verde, África e, como é óbvio, de turbinas eólicas e produção de energia eléctrica.
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2024, o ano em que Moçambique votou, desceu à rua e protestou
12/23/2024
Entramos na fase final de 2024 e, como todos os anos, tentamos esboçar um balanço dos últimos meses que passaram em África. Neste sentido, falamos com diversos estudiosos, nomeadamente o escritor e analista cabo-verdiano António Ludgero Correia, o professor de Relações Internacionais angolano Osvaldo Mboco, o analista moçambicano Justino Quina, o jornalista guineense Diamantino Lopes, o sociólogo são-tomense Olívio Diogo e o especialista português do Corno de África, Manuel João Ramos.
Neste balanço do ano, não podíamos deixar de dar destaque a Moçambique cuja actualidade tem sido trágica com a recente passagem do ciclone Chido no norte do país, provocando numerosos mortos e afectando muitos milhares de pessoas.
A nível político, estas últimas semanas foram também intensas em Moçambique, depois das eleições gerais de 9 de Outubro, com a CNE a declarar a Frelimo no poder vencedora com mais de 70% dos votos.
Resultados rejeitados pela oposição, em particular pelo partido extraparlamentar 'Podemos' e o seu candidato presidencial Venâncio Mondlane que apelou regularmente a manifestações e bloqueios por todo o país.
A repressão desses movimentos resultou em mais de 130 mortos, de acordo com a sociedade civil, o que abriu uma ferida profunda no seio da população. Para o cientista político Justino Quina, houve um extremar de posições de parte a parte. Só que "o país não tem condições de viver períodos de instabilidade cíclica", adverte o estudioso.
Este foi também um ano de dor no Sudão, onde pelo segundo ano consecutivo, o exército do general Abdel Fattah al-Burhane se opôs aos paramilitares das Forças de Apoio Rápido do general Hamdane Daglo, com um balanço que ascende a várias dezenas de milhares de mortos, 12 milhões de deslocados e a "maior crise humanitária do mundo", segundo a ONU. Uma situação que infelizmente não tem fim à vista, de acordo com Manuel João Ramos, especialista do Corno de África ligado ao Instituto Universitário de Lisboa, para quem este "é o problema mais grave em todo o mundo, mas aquele é mais esquecido".
A zona do Sahel também continuou em ebulição em 2024, nomeadamente com o Níger, o Mali e o Burkina Faso a anunciarem no começo do ano a sua decisão de sair da CEDEAO. Esta decisão foi confirmada em meados deste mês na última cimeira da Comunidade Económica do Estados da África do Oeste, com os dirigentes da organização a dizerem que esta saída será definitiva dentro de seis meses. Para o jornalista e analista guineense Diamantino Lopes, "factores políticos, diplomáticos e também factores económicos nesses países e ainda associados à segurança" contribuíram para esta decisão.
Este foi também um período particularmente conturbado no Senegal, onde após o anúncio do adiamento das presidenciais inicialmente previstas em Fevereiro, eclodiram manifestações violentas. O escrutínio que acabou por ser realizado em Março, foi marcado pela vitória do opositor Bassirou Diomaye Faye. O seu partido venceu igualmente as legislativas de Novembro, confirmando Ousmane Sonko no posto de primeiro-ministro. Esta alternância política traduziu-se por uma viragem, designadamente em termos de relações com parceiros tradicionais como a França.
Recentemente, o Senegal disse que não quer mais a presença de tropas francesas no seu território, por uma questão de soberania. "Agora, vemos um novo grupo político que é pan-africanista, tem uma outra visão política, uma outra visão da sociedade", considera Diamantino Lopes ao falar em "mudança geracional".
Pelo contrário, na Guiné-Bissau, 2024 marcou a continuidade da viragem assumida em finais de 2023, após a dissolução do parlamento.
A instabilidade política e a repressão de protestos populares, foram alguns dos aspectos marcantes deste ano. Após ter anunciado a realização de legislativas antecipadas para 24 de Novembro, o Presidente da República acabou por anunciar o seu adiamento quinze dias antes da data prevista para o escrutínio. Para Diamantino Lopes, 2024 não foi um ano...
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Ano de 2024: França ao ritmo da instabilidade política e da euforia olímpica
12/21/2024
Fazemos o resumo dos momentos que marcaram este ano em França. 2024 foi um ano em que os franceses assistiram à dissolução do Parlamento, a França acolheu os Jogos Olímpicos e Paralímpicos e tornou-se o único país do mundo a incluir o direito ao aborto na Constituição.
A 9 de Junho, dia das eleições europeias, o partido de extrema-direita francês, representado principalmente pela União Nacional, registou um crescimento expressivo, consolidando a sua posição e ganhando mais representação no Parlamento Europeu.
"Este escrutínio em sistema de listas é proporcional, valoriza sistematicamente a extrema-direita. Enquanto o sistema das legislativas é um escrutínio em duas voltas que exige uma maioria, isso não favorece efectivamente os partidos que têm representações muito fortes em certas partes do território, mas não a nível nacional. Portanto, esta situação [dos resultados das europeias] era previsível", descreve o docente em ciências políticas da Universidade de La Rochelle, Eric Monteiro
Os resultados das europeias levaram o Presidente francês a dissolver o Parlamento. Emmanuel Macron convocou eleições antecipadas, numa tentativa de resolver a crise política e as tensões internas.
Seguiu-se uma instabilidade política e a França mergulhou num período de incerteza, com protestos e tensões sociais. A falta de uma maioria estável no Parlamento conduziu o país a um impasse político e à dificuldade de o governo aprovar leis.
"A Constituição não prevê, de nenhuma forma, que se possa destituir um Presidente porque ele é impopular. A única solução será a demissão do Presidente porque o calendário judicial da líder da extrema-direita está em curso e que ela corre o risco de ser inelegível. Portanto, se o Presidente se demitisse amanhã, ela poderia ser candidata e seria provavelmente eleita. No contexto actual, daqui a seis meses, a Justiça terá dado primeiras respostas ao julgamento por desvio de dinheiro europeu da União Nacional. Ela tem essa necessidade de acelerar o processo para que a população tenha consciência que é necessário que o Presidente se demita. Mas ele já disse que não o faria", lembra o analista político.
Gisèle Pelicot, um símbolo da luta contra a violência sexual
No dia 2 de Setembro, Gisèle Pelicot chegou ao tribunal de Avignon anónima. Durante três meses e meio, o processo Mazan ganhou uma dimensão internacional e na quinta-feira,19 de Dezembro, Gisèle Pelicot saiu desse mesmo tribunal como um símbolo da luta contra a violência sexual.
Ex-marido de Pelicot foi condenado à pena máxima de 20 anos de cadeia, por violação agravada, bem como todos os outros 50 arguidos foram condenados. "Este processo foi extremamente difícil e neste momento penso nos meus três filhos, mas também nos meus netos porque eles representam o futuro. Foi por eles que enfrentei este combate", declarou Gisèle Pelicot à saída do tribunal de Avignon.
"O que é excepcional neste processo é a quantidade de homens que foram encontrados e acusado. Estes processos levantam a questão da responsabilidade de alguns homens e também sobre o consentimento", defende a advogada em Nice, Catarina Barros.
O sucesso dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024
Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024 foram um sucesso: Foram vendidos um recorde de 12 milhões de bilhetes. Alguns dos locais mais emblemáticos da capital francesa serviram de cenário para as provas, foi o caso da Torre Eiffel, do rio Sena ou ainda do palácio de Versalhes.
"Começamos com uma abertura que foi excepcional, que elevou o ambiente dos Jogos a um patamar alto. As pessoas aderiram desde a cerimónia", lembra Bruno Pereira, um dos 45 mil voluntários dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris.
Os Jogos Paralímpicos de Paris ficaram marcados pelo espírito de inclusão e superação, com a participação de milhares de atletas com deficiência. "Alguns voluntários foram convidados ao evento que o governo francês criou depois dos Jogos Paralímpícos em que todos desfilaram nos...
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O mundo poético e político de Ídio Chichava subiu ao palco do Museu de Orsay
12/20/2024
A dança é um lugar de liberdade e também de luta política no universo do coreógrafo moçambicano Ídio Chichava. Esta quinta-feira, o artista apresentou o espectáculo “Sentido Único” no Museu de Orsay, em Paris, e mostrou que o poético também é político e que a liberdade em palco é o eco dos anseios das ruas de Moçambique.
Numa altura em que Moçambique vive as consequências de mais um ciclone tropical e em que a repressão continua a tentar calar os protestos de rua, os artistas moçambicanos relembram a força da criativa da liberdade. O palco é esse espaço de transmissão de valores para o coreógrafo Ídio Chichava, que cruza rituais tradicionais com inspirações contemporâneas. Os movimentos transcendem o tempo e ascendem num “sentido único” habitado por emoções e memórias das lutas que os moçambicanos também travam ainda hoje.
A peça “Sentido Único” foi apresentada no auditório do Museu de Orsay, em Paris, no âmbito do projecto “Carnets d’Esquisses” e foi nesse espaço que fomos conversar com Ídio Chichava e também com os intérpretes do espectáculo, Osvaldo Passirivo e Mai-Júli Machado. [Uma conversa que pode ouvir neste programa na reportagem áudio.]
Perante os protestos pós-eleitorais no seu país, que duram há dois meses e em que morreram pelo menos 130 pessoas, Ídio Chichava começou por nos contar que está solidário com o povo que manifesta nas ruas e admitiu que os seus bailarinos “não dançam vazios” mas “carregados de todas as emoções e a memória” dos moçambicanos que morreram nas manifestações. O palco é o seu espaço de liberdade e também o lugar que lhe permite mostrar a sua indignação e dizer “basta”.
“É deste lugar, como artista, que nós temos a possibilidade de poder amplificar as nossas vozes e dar voz, através deste microfone, para que outros entendam que Moçambique precisa de ajuda e precisa que outros manifestem para que a situação mude. Existe um regime que quer manter o país em suas mãos e nós não queremos. Então, eu digo basta como artista e vamos continuar, sempre que pudermos, a dar voz a nós próprios e aos moçambicanos porque precisamos realmente que o mundo manifeste ao nosso lado e que diga, junto com as nossas vozes, Basta!”, declarou o coreógrafo.
Dançar talvez seja o “sentido único”, a única direcção possível quando a realidade é demasiado dura. “Se eu olhar muito, a história de Moçambique, com a guerra colonial, a guerra civil, nós como moçambicanos usamos a nossa forma de estar como ondas que vão sempre lavando as nossas almas, as nossas memórias. Tudo se traduz em cantos. E nós vamos cantar, vamos dançar”, diz Ídio Chichava.
“Sentido Único” é precisamente o nome do espectáculo que agora apresentou e que, apesar de já ter sido criado há algum tempo, assume novos tons à leitura do que se passa hoje em Moçambique. “Agora estamos no sentido único e eu, como povo, não vou recuar. Não vou recuar”, acrescenta o coreógrafo. “Sentido Único” é também o caminho de dois corpos que se provocam, se alinham e desalinham, que estão sozinhos lado a lado, ou que se encontram e se prendem, antes de se desprenderem, mas que, no final, crescem sempre. Esta é também uma criação que surgiu quando o governo moçambicano aprovava uma lei que condenava casamentos prematuros, um flagelo para as meninas em Moçambique.
A peça foi apresentada no âmbito do “Carnet d’Esquisses” [“caderno de esboços”] que propõe, uma vez por mês, no Museu de Orsay e na Livraria 7L, em Paris, espectáculos de jovens coreógrafos. Ídio Chichava foi convidado para integrar a programação, depois de também a bailarina Mai-Júli Machado ter apresentado uma peça em nome próprio na Livraria 7L. Esta é uma das várias iniciativas artísticas do "Paris Dance Project", um projecto que tira a dança dos teatros e que a leva para espaços urbanos alternativos, como uma pista de patinagem ou o tecto da Philarmonie de Paris, onde Ídio Chichava apresentou duas outras obras no âmbito de “La Ville Dansée”. Os fundadores do "Paris Dance Project", Solenne du Haÿs Mascré e...
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Macau a meio caminho na transição plena para soberania chinesa
12/20/2024
Macau assinalava nesta sexta-feira metade do processo de transição de Portugal para a China, 25 anos, de um total de 50, no âmbito de uma região administrativa especial chinesa, como negociado entre Lisboa e Pequim.
E isto na semana em que uma lei foi votada em Macau contemplando o despedimento de funcionários públicos caso sejam tidos como desleais para com o território ou com a China.
Para fazer um diagnóstico falámos com Paulo Rêgo, director do semanário Plataforma.
Este admite haver pressões no território para que se adopte um registo que não belisque a China, à luz do que Pequim implementou na vizinha Hong Kong, após a repressão dos protestos pró democracia de 2019 e 2020, mas relativiza o peso da nova legislação.
Há um juramento e uma declaração de fidelidade à função pública, bem como hà em Portugal, ou como decorre dos próprios contratos de privada. Se um funcionário do Plataforma, do meu jornal, não for fiel ao meu projecto, eu despeço-o. E, portanto, é verdade que há e tem havido, nomeadamente nos anos do COVID e do pós COVID, um recrudescimento claro e visível do discurso securitário e do discurso patriótico.
Isso esteve ligado ao que aconteceu em Hong Kong, nomeadamente ?
Tudo o que aconteceu em Hong Kong teve uma consequência e efeitos directos do que passou a acontecer em Macau, nomeadamente no discurso securitário e naquilo que aqui hoje se repete em cada esquina que é "Macau, governado pelas suas gentes", desde que sejam patriotas e tenham amor à Pátria.
O Gabinete dos Assuntos para Macau e Hong Kong, em Pequim, já diz tudo no seu nome. O grupo de pessoas que toma decisões sobre as Regiões autónomas especiais toma decisões sobre as duas.
E, portanto, o que aconteceu em Macau, onde não há sentimento anti-nacionalista, onde não há protestos anti-Pequim, que é uma pequena cidade que vive completamente dependente de Pequim decidir que pode ter dinheiro. Não é porque se Pequim não deixar virem os jogadores para Macau, Macau vai à falência.
Portanto estamos no regime de "Um país, dois sistemas". Diz-me que, ao fim ao cabo, não havia problemas em Macau. Eu lembro-me, porém, que no passado chegou a haver protestos para assinalar a repressão em Tiananmen. Estes protestos agora já não existem !
Não há protestos de Tiananmen, eles foram proibidos com um parecer jurídico do presidente do Tribunal de última instância, que toma posse como chefe do Executivo. Como aquilo que aconteceu em Hong Kong com os deputados que foram proibidos de se candidatarem, não é?
Os chamados dissidentes ou independentistas, aqueles que a China decidiu que não cumpriam os critérios de amor à mãe pátria. Isso também aconteceu em Macau. Também houve deputados nas últimas eleições que foram proibidos de concorrer. Portanto, isso aconteceu. É uma mão dura de Pequim sobre qualquer movimento político dissidente ou contestatário. Mas a minha leitura enquanto jornalista e enquanto cidadão é que para aí. Eu convido qualquer ouvinte vosso a ir à www.Plataforma de Macau, ler os editoriais que eu escrevo sobre a China e sobre Macau, para perceberem que tem o mesmo tom e o mesmo grau de liberdade daqueles que você pode escrever sobre o presidente francês.
Não há uma censura óbvia e uma submissão a Pequim ?
Há uma pressão, uma pressão óbvia dos poderes nacionais para que toda a gente concorde com eles. Penso que em França também percebemos como é que isso se faz, não é? A questão é quando nós recebemos pressões, o que é que fazemos? Se resistirmos a elas e continuarmos a praticar jornalismo... O meu jornal tem dez anos, ainda cá está e 80% dos seus anunciantes são públicos. Portanto, não posso, eria desonesto da minha parte dizer que não é possível exercer a liberdade de opinião. Há pressões para que a nossa opinião seja concordante como o "mindset" nacional chinês, há !
Falou de Sam Hou Fai que tomou posse como novo líder do executivo macaense. Pelo menos a parte lusófona enfatiza o facto de, pela primeira vez, ser um chefe do executivo que...
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Jornalista e poeta Mussa Baldé lança novo álbum de poemas em Bissau neste sábado
12/19/2024
Em Bissau, Mussa Baldé que os nossos ouvintes conhecem sobretudo como correspondente da RFI, lança neste sábado a partir das 20 horas locais o seu segundo álbum de poemas no centro cultural franco bissau-guineense. Esta colectânea escrita em crioulo guineense e que tem a particularidade inédita de ser feita em áudio e vídeo, intitula-se “Guiné i ninki nanka, Fankanta di Mussá Baldé”.
Traduzido em imagem e som através dos meios da produtora 'Katumbi', estrutura fundada por Mussa Baldé, este projecto composto por 10 poemas pretende exaltar os valores e a resiliência das diversas comunidades guineenses.
A mais longo prazo, este álbum de poemas pode ser também visto como um patamar antes da concretização de outro projecto do jornalista, a rodagem prevista em 2025 do seu novo filme intitulado 'Minina di bandeja', uma fita que chega catorze anos depois da sua primeira experiência na sétima arte, 'Clara de Sabura', que na altura encontrou muito eco junto do público.
Em conversa com a RFI, Mussa Baldé falou de cinema, de aprendizagem, de música e, claro, do seu novo álbum de poemas.
RFI: Do que é que trata este álbum de poemas?
Mussa Baldé: O meu álbum “Guiné i ninki nanka, Fankanta di Mussá Baldé” é uma expressão idiomática da Guiné-Bissau, que quer dizer mais ou menos isto: a Guiné é um país grande, é um país para além do sobrenatural, para além do normal. Mas é a minha verdade perante esta Guiné-Bissau. É um álbum que eu pensei durante três anos. Nos últimos três anos dediquei-me à pesquisa sobre as expressões idiomáticas do crioulo da Guiné-Bissau, das nossas valências, do nosso crioulo, das nossas idiossincrasias, das nossas línguas nacionais, mas sobretudo, daquilo que é a nossa pertença, a nossa comunhão enquanto povo e nação. Nós somos um país com mais de 33 grupos étnicos, cada grupo étnico, com a sua própria idiossincrasia, com a sua particularidade, com a sua cultura, com o seu dialecto. Mas nós temos uma coisa em comum, que é a nossa pertença à Guiné-Bissau. Portanto, eu quis com este álbum de poesias, exaltar a nossa pertença a uma nação única. Apesar de sermos um mosaico, somos, no final do dia, um único país, uma única nação. Portanto, é isso que eu quis homenagear. Apesar de a Guiné-Bissau neste momento, atravessar situações muito complicadas nos últimos anos, derivado a muitas carências que o povo enfrenta. Mas nós não podemos perder de vista que nós somos e fomos e seremos um grande país, uma grande nação. Um país que fez a luta armada que nós fizemos, um país que fez a resistência anticolonial que nós fizemos, nunca pode ser um país pequeno. Um país que tem um nacionalista, um pensador, um revolucionário da craveira de Amílcar Cabral não pode ser um qualquer país. Portanto, é isso que eu quis com este álbum de poemas exaltar e recordar aos guineenses: aquilo que nós fomos, aquilo que nós somos e aquilo que nós poderemos vir a ser neste mundo.
RFI: Este álbum de poemas, que é o segundo álbum de poemas que fazes, tem a particularidade de a ser o primeiro álbum de poemas em vídeo. Porquê essa opção de sair da versão papel da poesia e ir para o ecrã?
Mussa Baldé: Este vai ser o segundo álbum de poemas, mas eu nunca publiquei poemas em livro, sempre publiquei em áudio. Antes, quando comecei a publicar os meus poemas, sempre gravei os meus poemas com a minha voz e soltei aqui nas rádios. Depois, com o advento das redes sociais, fui soltando nas redes sociais, no Facebook, no YouTube, sobretudo e agora no Tiktok. Mas em 2020 publiquei o meu primeiro álbum de poemas em áudio, que também foi uma novidade naquela altura. Era a primeira vez que se faz uma coletânea de muitos poemas em áudio e agora vou publicar em áudio e em vídeo, que será também a primeira vez que se vai publicar um álbum de poemas em vídeo. Tenho dez poemas, mas nove estarão ilustrados com vídeos. Não vídeos circunstanciais, mas vídeos pensados para poder acompanhar toda a dinâmica, toda a informação, toda a narrativa dos poemas. É algo...
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Macau 25 anos depois do início da transição: desafios e expectativas
12/19/2024
Macau assinala nesta sexta feira, 25 anos da transferência de soberania de Portugal para a China. A meio caminho deste processo de transição, previsto para durar cinco décadas, é tempo para um balanço e procurar saber qual o sentimento dos habitantes desta região administrativa especial chinesa, antigo território português durante séculos.
Amélia António é advogada radicada em Macau desde os anos 80 do século XX e presidente da Casa de Portugal. Ela começa por fazer um diagnóstico quanto ao cumprimento do que tinha sido acordado entre Lisboa e Pequim quanto a esta transição globalmente respeitado. Segundo ela ele tem sido globalmente cumprido.
Tem sido vivido com muita serenidade. No essencial, tudo o que estava acordado tem sido respeitado. Tudo decorreu dentro de uma grande normalidade. Na vida do dia a dia. As pessoas praticamente não se aperceberam sequer muito de alterações grandes ou de alterações de fundo. Digamos que podemos considerar um tempo até ao COVID. Há o tempo do COVID e o pós COVID. O COVID veio causar muita perturbação. Nós aqui vivêmo-lo de uma forma um bocado violenta e o isolamento que as pessoas tiveram que estar, etc. Causou perturbação em muita gente que fez repensar a sua continuação em Macau. E, a seguir ao COVID houve muita gente, quando abriram novamente as fronteiras, as possibilidades de viajar, etc. Houve muita gente que resolveu regressar a Portugal. Uns porque, enfim, já tinham alguma idade. Outros mais jovens porque ficaram um pouco perturbados e, digamos, assustados com aquele tempo. Foi de facto um período muito difícil e que, esse sim, causou muita perturbação na comunidade portuguesa.
O presidente chinês falou de um grande sucesso em relação a "Um país, dois sistemas". Esta percepção é partilhada ou não?
Eu sei que ainda esta semana a Assembleia Legislativa aprovou uma lei que prevê a demissão de funcionários públicos que sejam considerados como desleais para com Macau ou desleais para com a China.
Sei também que, no passado, por exemplo, na área da comunicação social, muitos profissionais se tinham queixado de agora haver um controlo maior em relação à China. E como é que olha, de facto, para esta parte mais política, ao longo destes 25 anos?
De certo modo, foi um bocado empolado porque quando aparece legislação nova são coisas que existem também nos outros países. O respeito pela bandeira, o respeito por figuras de Estado. E aqui nós não estamos num sistema de censura instalado, etc. Agora, que as pessoas tenham mais cuidado porque não estão no seu país. Estão a falar do vizinho em casa, de quem estão. Portanto, é natural que haja algum cuidado na forma de se expressar.
E acha que isso não se fica também a dever à dimensão que teve a repressão dos protestos pró-democracia em Hong Kong ? Eu lembro-me que no passado havia algumas manifestações, por exemplo, em Macau, para comemorar o massacre de Tiananmen e que de há uns anos para cá já ninguém sai à rua. Portanto, em que medida é que o que aconteceu em Hong Kong não veio a ter impacto em Macau?
O que aconteceu em Hong Kong foi determinante dos cuidados que nunca tinham sido necessários acautelar e implementar em Macau. E que, face a tudo o que aconteceu em Hong Kong, isso veio, digamos, fazer uma espécie de alarme. Sendo que em Macau nunca tinha surgido a necessidade de se pensar que era precisa esta medida ou aquela, porque as coisas em Macau tinham outras características, decorriam de outra maneira. A nossa forma de estar em Macau, as relações das pessoas que vivem em Macau com a República Popular da China foi sempre bastante pacífica.
E acha que se pode falar de alguma submissão de alguma forma dos macaenses relativamente ao que agora é decidido a partir de Pequim ?
Não é submissão. É a compreensão da realidade em que se vive, da realidade do país.
Então a senhora acha que a China está a cumprir com o que tinha sido acordado em relação a estes 50 anos de transferência?
No fundamental, não tenho dúvida nenhuma em afirmar...
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Realizadores franceses querem devolver "O Canto das Roças" a São Tomé e Príncipe
12/19/2024
Romain de l'Ecotais e Damien Miloch realizaram há seis anos o filme "O Canto das Roças" e ficaram marcados pelas paisagens naturais, mas sobretudo pela resiliência dos são-tomenses e as suas histórias ligadas a um pesado passado colonial que esta população tenta ultrapassar. Estes dois realizadores franceses querem agora voltar ao arquipélago para mostrar o seu filme.
Em 2013, Romain de l'Ecotais e Damien Miloch, uma equipa de documentaristas franceses, chegou pela primeira vez a São Tomé e Príncipe. O arquipélago nunca mais lhes saiu do espírito e em 2017 voltaram para filmar o documentário o “Canto das Roças” que fala sobre o passado colonial destas ilhas, mas também o que aconteceu no pós-independência a estas estruturas que representam, por um lado, a brutalidade de um sistema de escravatura e, por outro, a riqueza da terra.
Em entrevista à RFI, Romain de l'Ecotais começa por nos explicar de como surgiu este encantamento por São Tomé e Príncipe.
"Fomos a São Tomé em 2013 para um filme que nos tinha sido encomendado sobre a produção de pimenta, que nessa altura estava em processo de revitalização. Ficámos logo assim que chegámos impressionados com as roças, como realizadores, com o potencial cinematográfico, tanto visualmente como em termos de história. E acabámos essa primeira viagem com a firme intenção de fazer um filme sobre as roças. Ficámos ainda algum tempo a procurar locais para filmar, encontrar as personagens que aparecem no filme final e concordámos na ideia de contar a história das roças através da vida das pessoas de hoje que ainda vivem nessas estruturas e tentam conservá-las. Escrevemos o filme e, cinco anos depois, pudemos voltar então a São Tomé para o realizar", disse Romain de l'Ecotais.
Os dois documentaristas foram a várias roças, muitas delas agora transformadas em comunidades onde vivem dezenas de famílias e o documentário é guiado por várias personagens desde líderes comunitários, a músicos, a agricultores que tentam organizar-se para melhorar as condições de vida da população. Damien Miloch detalhou o que encontrou no terreno.
"Cada roça é diferente, cada roça tem a sua própria comunidade. Cada Roça tinha a sua própria actividade, o seu próprio produto. Todas elas estavam ligadas entre si para fazer de São Tomé o maior produtor de cacau do mundo, no início do século XX. Pode até ser um termo um pouco duro, mas muitas delas assemelhavam-se a campo de trabalho forçado e outras eram lugares fantásticos de produção. Em todo o caso, há um enorme potencial cinematográfico e depois há também o potencial em termos de história de vida, história da colonização, da escravatura e foram todos esses destinos que quisemos destacar neste filme. Em todo o caso, as roças abrangem muitos temas históricos e contemporâneos extremamente interessantes. Foi isso que nos interessou enquanto realizadores: o conteúdo e a forma. Tínhamos o cenário quando vimos as roças, e quando se mergulha neste país, surgem histórias de vida que nos falam a nós e a toda a gente", indicou.
Em muitas das entrevistas com vários são-tomenses o sistema das roças é lembrado com algum saudosismo. No entanto, os realizadores dizem que se trata de uma nostalgia face a uma realidade actual onde os cuidados de saúde são precárias, onde há falta de emprego e onde a pobreza se tornou a regra.
"Acho que a primeira coisa que nos impressionou foi o facto de não haver um verdadeiro ódio pelo passado, pelos portugueses que ainda hoje em dia lá podem ir. E, de facto, o que obviamente nos chocou no início foi uma certa nostalgia e a total liberdade de expressão para dizer que, naquele tempo, havia coisas que funcionavam e que, de facto, gostaríamos que fosse assim hoje. Portanto, é verdade que tivemos de nos perguntar, intelectualmente falando, até que ponto podíamos transmitir essa mensagem, mas, na realidade, era o que as pessoas diziam e não quer dizer que quisessem trocar a sua liberdade para voltar a um sistema como o de antigamente, mas conseguiam...
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