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Convidado - A viagem rumo ao oeste de Babetida Sadjo
RFI
De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.
Episodes
Guiné-Bissau: "CEDEAO está a cumprir a agenda de Umaro Sissoco Embaló"
2/25/2025
O Chefe de Estado guineense, Umaro Sissoco Embaló, anunciou a realização de eleições gerais para o próximo dia 30 de Novembro, enquanto a oposição e a sociedade civil reclamam a marcação dos dois escrutínios em Maio, alegando que o mandato de Umaro Sissoco Embaló termina nesta quinta-feira, 27 de Fevereiro. A decisão do Presidente guineense de marcar as eleições coincidiu com a chegada de uma delegação da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) a Bissau, para resolver o impasse político que se vive no país. O jurista e ativista Fodé Mané reconhece que a decisão do Presidente não foi inconsciente e acusa a CEDEAO de estar a cumprir a agenda de Umaro Sissoco Embaló.
O Chefe de Estado guineense, Umaro Sissoco Embaló, anunciou a realização de eleições gerais no próximo dia 30 de Novembro. O senhor considera que esta decisão vai resolver o impasse político que se vive no país?
A nossa Constituição prevê que o mandato de um Presidente da República dura cinco anos e a eleição deve ser marcada no último ano do mandato. Então, devia ter sido marcada 90 dias antes do fim do mandato, ou seja, até 27 de Novembro de 2024 (o que não aconteceu). No processo de marcação das eleições é necessário haver concertação entre as várias entidades: partidos políticos, porque são eles a concorrer, o Governo, a entidade que disponibiliza meios e organiza, e a Assembleia Nacional, que aprova toda a resolução do Governo. Não tendo havido essa concertação, comprovamos, mais uma vez, que a única voz, a única lei, é a do chefe de Estado, que determinou o dia 30 sem concertar com ninguém, ultrapassando todos os prazos. Mas não foi inconsciente; fez coincidir o anúncio com a visita da missão da CEDEAO.
O anúncio do Presidente coincide com a chegada de uma delegação da CEDEAO ao país para mediar a crise política. O que é que pode fazer agora a CEDEAO?
A CEDEAO pode legitimar apenas a decisão de Umaro Sissoco Embaló. É o que está a fazer. A decisão de enviar uma missão de alto nível foi tomada no dia 15 de Dezembro de 2024, mas só chegou ao país no dia 24 de Fevereiro, com uma agenda que foi deliberadamente alterada. Porque, em princípio, devia encontrar-se com todos os atores nacionais como uma forma de buscar uma solução, ou seja, todos os partidos políticos legalmente constituídos, principalmente as duas maiores plataformas: Aliança Patriótica Inclusiva, designada API, e o PAI Terra Ranka, que tem o PAIGC como o principal partido, uma coligação que ganhou as últimas eleições. Apesar de neste momento sabermos que a Assembleia Nacional foi bloqueada, a nossa lei diz que o Presidente do Parlamento [Domingos Simões Pereira] e a Comissão Permanente são os órgãos legitimamente eleitos. Porém, é público que a CEDEAO endereçou uma carta dizendo “uma presidente interina” [Adja Satu Camara], designada por Sissoco, o que é totalmente ilegal. Sabe-se ainda que, em vez de falar com o API, vai falar com o PRS, ala de Félix Nandunga, que integra o atual Governo, e foi Satu Camara que “cozinhou isso tudo”, inclusive na Assembleia. A CEDEAO não tenciona reunir-se com Braima Camará nem com Fernando Dias, porque esses foram descartados por Umaro Sissoco. No que diz respeito às organizações da sociedade civil, está previsto que reúna com a Liga Guineense dos Direitos Humanos. O que me leva a concluir que a CEDEAO está a agir de acordo com a agenda do próprio Umaro Sissoco Embaló.
Está a afirmar que o trabalho da CEDEAO não inspira credibilidade?
Não! São pessoas que vieram viajar para receberem o seu per diem e legitimar esta situação, tendo em conta o calendário de Umaro Sissoco Embaló. Sabemos que vão sair daqui no dia 28 de Fevereiro, quando o mandato do Presidente termina no dia 27, depois vão levar aquela morosidade para produzir um relatório. Tudo isto vai coincidir com Junho, data da próxima reunião dos chefes de Estado da CEDEAO, e nessa reunião vai-se tomar uma deliberação que vai ao encontro do que foi anunciado antecipadamente por Sissoco Embaló....
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Guerra na Ucrânia: "Estamos em risco de passar de um mundo democrático para um mundo de ditadura"
2/24/2025
Nesta segunda-feira, assinalam-se os três anos da invasão russa do território ucraniano, 2025 marcando igualmente os 11 anos do início da ofensiva de Moscovo contra o leste do país. Anos de incerteza recordados hoje em Kiev pelo Presidente Volodymyr Zelensky na presença de líderes europeus, seus aliados, nomeadamente a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e também o Presidente do Conselho Europeu, António Costa.
Três anos depois da invasão da Ucrânia, a situação no terreno continua difícil para as tropas ucranianas que enfrentam a falta de meios para combater. No aspecto político, o regresso de Donald Trump à Casa Branca marcou também uma viragem completa do posicionamento dos Estados Unidos relativamente ao conflito, com o Presidente americano a dialogar com Vladimir Putin sobre um possível processo de paz, na ausência da Ucrânia e do resto da Europa.
Para além destes aspectos, o dia 24 de Fevereiro de 2022 também marca o começo do exílio para muitos ucranianos que a guerra empurrou para fora do seu país.
De acordo com as Nações Unidas, desde o início da invasão russa e até sensivelmente Julho do ano passado, a Europa acolheu mais de 6 milhões de refugiados ucranianos que se repartiram maioritariamente nos países circundantes.
Em França, chegaram quase 67.000 e Portugal acolheu um pouco mais de 63.000 ucranianos, sendo que esta comunidade abrange actualmente mais de 117.000 pessoas de norte a sul de Portugal.
Abraão Veloso fundou o Centro Social e Cultural Luso-Ucraniano em Braga em 2015 pouco depois da invasão do leste da Ucrânia. "Esta associação nasceu em resposta à invasão do Donbass. Um amigo ucraniano, um dia, veio pedir-nos ajuda porque o país dele estava em dificuldade e nós dissemos que estávamos disponíveis para mobilizar a sociedade e depois surgiu esta associação, porque sem uma associação não é possível fazer nada", conta o líder associativo.
"Havia muitos deslocados, sobretudo do Donbass. E nós procuramos, na medida do possível, enviar ajuda. Nesse tempo era muito mais difícil, uma vez que a sociedade não estava muito virada para a questão ucraniana. Era uma questão lateral. Mas nós, nesse período, fizemos isso. Trabalhámos muito com a comunicação social para alertar que havia ali uma guerra que estava a consumir muitas vidas. Naqueles anos antes da invasão, fala-se em cerca de 15.000 mortos, portanto um número muito elevado", refere Abraão Veloso.
Ao evocar o acolhimento de refugiados ucranianos no extremo norte de Portugal, o activista social diz que "em Braga foram acolhidos excelentemente, porque houve aqui um acordo entre as diversas instituições a Câmara, a Cruz Vermelha e outros e a associação. Um hotel foi colocado ao serviço da chegada desses ucranianos refugiados. Foram diversos autocarros, nomeadamente a Cracóvia, buscar refugiados. E quando chegaram a Portugal tinham um hotel todo por sua conta para os acolher. E depois foi feito o encaminhamento uns para as famílias, outros para os amigos. (...) Um técnico fez o primeiro embate dos ucranianos com as instituições para terem um acolhimento temporário. Iam com eles a Segurança Social, ao Centro de Emprego, aos diferentes organismos aqui da região, às escolas".
Desde 2015 e sobretudo, nestes últimos três anos, chegaram milhares de ucranianos a Portugal, o líder associativo recordando ter chegado a apoiar duzentas pessoas ao mesmo tempo. "Neste momento, o número é muito menor, porque eles, tal qual os portugueses, têm vontade de voltar à sua terra."
O regresso à Ucrânia é, de facto, o horizonte de muitos refugiados que se encontram em Portugal, constata também Roman Grymalyuk que vive no Algarve hà vinte anos e que contrariamente aos seus compatriotas, pretende prosseguir o seu caminho em terras lusas.
Contudo, isto não significa que se tenha desligado do seu país de origem, Roman Grymalyuk tendo criado há dois anos e meio a Oranta, Associação de Apoio à Comunidade Ucraniana no Algarve. Para além de apoiar os refugiados que...
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"O continente africano, para mim, é o futuro." António Costa Silva
2/21/2025
"Desconseguiram Angola" é o livro que António Costa Silva escreveu no auge da guerra civil em Angola. Depois de uma primeira edição restrita, sob pseudónimo, agora, no ano em que Angola celebra os 50 anos da independência, António Costa Silva assume o romance que é "um grito de revolta contra a destruição" e "sofrimento indizível" que a guerra civil provocou nos angolanos. Em "Desconseguiram Angola" sentimos o pulsar de um povo, somos levados na torrente das idiossincrasias de uma sociedade e o autor levanta a bandeira contra o lugar-comum da violência e de todas as guerras.
Com António Costa Silva, angolano, que foi preso pelo MPLA durante quase três anos, sobreviveu a todo o tipo de tortura e esteve perante um pelotão de fuzilamento, que foi ministro da Economia e do Mar de Portugal, a entrevista que concedeu à RFI foi uma oportunidade para se falar do livro recentemente editado em Portugal, da actualidade política internacional, de Angola, de África, de Portugal, da Europa, do Mundo.
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Cimeira do G20: "Estamos a caminhar para um desmantelamento da ordem liberal"
2/21/2025
Esta sexta-feira marca o segundo e último dia da cimeira dos chefes da diplomacia do G20 em Joanesburgo, no âmbito daquela que é a primeira presidência do bloco a ser assegurada pela África do Sul.
Neste encontro, não compareceu o secretário de Estado americano Marco Rubio cujo país pretende sublinhar a sua rejeição da lei sul-africana autorizando a expropriação de terras de Afrikaners, os Estados Unidos querendo também de certa forma "sancionar" Pretória pelo seu apoio à causa palestiniana face a Israel, grande aliado de Washington.
Nesta cimeira cuja agenda oficial também previa discussões em torno do clima e de uma maior integração no bloco do G20, também se abordou a situação da Ucrânia.
Ao anunciar ter convidado o seu homólogo ucraniano para efectuar muito em breve uma visita à África do Sul, o Presidente Cyril Ramaphosa, defendeu nesta cimeira um processo de paz "que inclua todas as partes", inflectindo ligeiramente a sua política em relação à Rússia, seu tradicional parceiro.
Por sua vez, a China, também presente na cimeira, disse que as discussões directas mantidas recentemente entre Moscovo e Washington sobre a Ucrânia, mas na ausência das suas autoridades, representam "uma janela para a paz".
Assuntos sobre os quais reflectimos com o economista guineense Carlos Lopes, antigo secretário executivo da Comissão Económica para África e professor na Universidade do Cabo, que começa por evocar a mensagem enviada pelos Estados Unidos ao não comparecer em alto nível na cimeira de Joanesburgo.
RFI: Qual era a mensagem dos Estados Unidos ao não participar nesta cimeira do G20?
Carlos Lopes: Eu acho que a mensagem é de facto, mais do que a África do Sul, eu acho que os Estados Unidos estão a demonstrar uma grande hesitação em relação ao multilateralismo em geral e, portanto o G20, faz parte de uma dinâmica de contestação de tudo o que seja negociação multilateral. E os Estados Unidos estão, de facto, a demonstrar que o G20 não vai ter a importância que tinha. Há uma erosão da força do G20 que vem até do facto de ter sido vítima um pouco do seu sucesso. Era uma estrutura mais ou menos adormecida em 2008, 2009. Houve a crise financeira internacional que obrigou a que se saísse do quadro do G8 na altura, para se poder responder às dificuldades da economia mundial. Isso acabou por dar grande força ao G20. Mas, depois disso, vítima justamente desse sucesso, multiplicaram-se os apelos para que o G20 interviesse em tudo quanto é coisa. Neste momento, é um conglomerado de reuniões, cerca de 300 por ano, que cada presidência tem que organizar, quase uma por dia. E, portanto, acaba por ser uma perda de foco. E essa perda de foco levou também a uma perda de importância. E agora, com estas decisões por parte da administração Trump, está-se a ver que talvez esteja a chegar ao fim de um ciclo.
RFI: Independentemente da posição americana, o que está a dizer, no fundo, é que o G20, com essas reuniões todas, acaba por ter menos impacto nas decisões mundiais.
Carlos Lopes: Exacto. E vê-se que, por não ter sido capaz de resolver os grandes problemas da macroeconomia mundial, por exemplo, não houve concertação em relação à resposta pós-pandemia. Os problemas de inflação foram perturbados por falta de capacidade de coordenação macroeconómica mundial. A regulação sobre questões fiscais está neste momento muito tensa. Há um desmantelamento do regime comercial que foi construído à volta da OMC. E, portanto, o G20, em cada uma destas áreas, que são áreas da economia para o qual o seu foco devia ser o mais importante, não está a ter a intervenção que tinha antes e, portanto, acaba por falar de tudo quanto é coisa, mas não daquilo que era, digamos, o seu objectivo principal.
RFI: No fundo, o G20, como várias outras entidades formais ou informais a nível internacional, não estará também a ser uma "vítima colateral" da agenda de Trump? Estou a referir-me, por exemplo, ao caso das Nações Unidas, que é o mais flagrante.
Carlos Lopes: Sem dúvida....
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Alemanha prepara-se para eleições disputadas, com imigração a ser assunto número um
2/21/2025
Na Alemanha, neste domingo 23 de Fevereiro, um pouco mais de 59 milhões de eleitores vão ser chamados às urnas no quadro de legislativas antecipadas provocadas pela crise que se instalou na coligação governativa. No âmbito deste sufrágio indirecto devem ser renovados os 630 assentos do Bundestag, a câmara baixa do parlamento, mas deve igualmente ser escolhido o novo chefe do executivo.
Para este cargo concorrem sete candidatos, nomeadamente o chanceler cessante, o social-democrata (SPD), Olaf Scholz, creditado com 15% de intenções de voto, o conservador da coligação CDU-CSU, Friedrich Merz, considerado o grande favorito, com uns 30% de intenções de voto, ou ainda Alice Weidel, líder da extrema-direita da AFD, creditada com cerca de 20% de intenções de voto.
Apesar de analistas considerarem que esta última tem poucas possibilidades -para já- de chegar ao poder, dado o seu lugar nas sondagens e também o "cordão sanitário" estabelecido pelas diversas forças políticas alemãs para não entrar em qualquer coligação com a sua formação, o facto é que os chavões da extrema-direita alimentaram o debate durante a campanha eleitoral, ou seja a gestão das fronteiras e dos fluxos migratórios.
Este assunto dominou tanto mais a actualidade que ainda na semana passada o ataque cometido por um jovem imigrante que lançou o seu veículo contra uma multidão em Munique, ferindo 39 pessoas entre as quais duas acabaram por morrer, relançou a habitual associação feita pela extrema-direita entre a imigração e a insegurança. Isto sem contar com o apoio dado pela própria administração Trump a Alice Weidel.
O contexto político-diplomático minado pelo conflito na Ucrânia, a economia em estagnação e o sector energético à procura de um novo fôlego, foram igualmente abordados na campanha eleitoral que hoje termina, refere Domingos Luvumbo, dirigente associativo angolano em Munique, que diz não ter dúvidas de que o campo conservador de Merz vai vencer no domingo.
RFI: Que balanço faz da campanha eleitoral?
Domingos Luvumbo: São eleições muito disputadas. Mas a não ser que haja um milagre capaz de impedir a vitória do Friedrich Merz, eu diria que o resultado está feito, que domingo Friedrich Merz será declarado o vencedor destas eleições. Tudo leva a crer isso, porque neste momento vai à frente com mais de 30% nas intenções de voto, contra 20% da extrema-direita, que não passará, com certeza, mas que será a segunda força política na Alemanha, apesar de nenhuma outra força política aceitar coligar-se com este partido político. E tenho esta crença porque o tema número um destas legislativas foi a imigração. A CDU-CSU é a única coligação que pode impedir a extrema-direita alemã de ter mais pontos percentuais. Defende medidas radicais quanto à entrada de refugiados na República Federal da Alemanha. Defende um controlo mais apertado das fronteiras. E quanto à Guerra da Ucrânia, também diz que os europeus em geral e em particular os alemães, têm que fazer tudo para que o Vladimir Putin não ganhe a guerra na Ucrânia. E os alemães também estão de acordo com este tema. No domínio doméstico, defendem medidas muito duras quanto às pessoas que recebem ajuda social do Estado. E nesses temas todos (Merz) saiu-se muito bem. E tudo isto leva-me a crer que dificilmente um outro concorrente venha a posicionar-se à frente dele.
RFI: Estava a mencionar há pouco que a questão da imigração foi um dos temas dominantes desta campanha. É um tema importante para os alemães?
Domingos Luvumbo: Muito importante, porque os alemães, até um certo ponto, começaram a sentir-se ameaçados. Só para ter uma ideia, entraram na República Federal da Alemanha perto de 1 milhão de sírios, vieram centenas de milhares de afegãos. Para além dos alemães precisarem, como quase em toda a Europa, de mão-de-obra, a imigração traz os seus problemas. Penso que tem acompanhado o que tem acontecido aqui na Alemanha. Muitos atentados ainda recentemente. Dez dias antes das eleições, que serão domingo, houve...
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Leste da RDC: "Somente o embargo às armas e ao acordo" com UE pode fazer ceder o Ruanda
2/20/2025
O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se ontem de urgência para abordar a guerra no leste da RDC, sem chegar a nenhuma conclusão sobre a atitude a adoptar perante o Ruanda que juntamente com os rebeldes do M23 continua a avançar em território congolês. Durante essa reunião, a ministra congolesa dos Negócios Estrangeiros, Thérèse Kayikwamba Wagner, tornou a acusar o Ruanda de preparar "um massacre a céu aberto" e de querer "derrubar o regime congolês pela força", a governante denunciando pela mesma ocasião a inacção do Conselho de Segurança.
Este apelo surge depois de várias outras entidades, como a União Africana e a União Europeia, terem pedido o fim imediato das hostilidades e a retirada das tropas ruandesas. Nenhum desses apelos, nem a mediação de Angola ou do Quénia conseguiram um qualquer efeito até ao momento. O Presidente Paul Kagamé que alega pretender livrar o leste da RDC dos grupos armados que representariam uma ameaça para o Ruanda, não dá sinais de querer recuar.
Depois de ter tomado o controlo de Goma, no Norte-Kivu, em finais de Janeiro e -mais recentemente- de Bukavu, no Sul-Kivu, segundo a ONU, as tropas ruandesas e os M23 estão agora a progredir para outras zonas estratégicas do leste, semeando o terror por onde quer que passem.
Apesar de múltiplos alarmes sobre o "risco de uma guerra regional" levantados ainda ontem pelas Nações Unidas, apesar dos relatos das atrocidades cometidas pelos M23 e seus aliados ruandeses, nomeadamente execuções de crianças, nada parece para já travar a progressão destas forças.
Uma situação perante a qual as tropas ugandesas presentes no terreno reforçaram as suas posições na zona de Bunia, no extremo norte do país, junto à fronteira entre a RDC e o Uganda. Por outro lado, de acordo com fontes militares e de segurança, as tropas burundesas também destacadas para apoiar o exército congolês, estão a operar uma discreta retirada, sem que haja contudo uma confirmação oficial.
Marcelo Oliveira, missionário comboniano baseado desde 2012 em Kinshasa, dá conta das últimas informações que tem sobre as movimentações ruandesas.
RFI: Quais são os relatos que lhe chegam do terreno?
Marcelo Oliveira: As notícias que chegam a Kinshasa são sempre notícias que não podemos dizer que são completamente seguras. Há meios de comunicação social que transmitem uma parte das informações. Há muita 'fake news' no meio de tudo isto, procurando se calhar criar uma certa instabilidade na população, criar mesmo, possivelmente um conflito em torno da possibilidade de os rebeldes chegarem a Kinshasa, o que será algo de muito, muito difícil.
RFI: Há relatos de que pelo menos uma parte das tropas burundesas estaria a retirar-se progressivamente. Tem essa indicação aí em Kinshasa?
Marcelo Oliveira: Em relação às burundesas, não. Os ruandeses continuam a avançar, apesar de toda a pressão feita pela comunidade internacional, seja do Parlamento Europeu, seja do Conselho de Segurança da ONU ou do Conselho de Segurança da União Africana. Há toda uma série de forças, digamos, internacionais, que estão a fazer uma grande pressão sobre o governo do Ruanda para que possa retirar do Congo os militares, o que o Ruanda não parece querer ceder. E aqui está o grande problema: eles continuam a massacrar, tomaram a cidade de Goma no final de Janeiro, entretanto, atingiram a cidade de Bukavu e há algumas informações de que terão chegado a Uvira (mais a sul de Bukavu). Uvira fica no norte do lago Tanganica. Portanto, a tendência é uma descida para sul para atingir o planalto de Fizi (também no leste da RDC). Mais para norte de Goma, há algumas informações de que os ataques estariam a chegar na zona de Kanya Bayonga, que fica no parque de Virunga, muito perto da zona de Lubero. Portanto, isso seria mais para norte de Goma. Eventualmente, pouco a pouco, eles continuam a avançar no sentido sul, Goma-Bukavu-Uvira, e a tendência seria de atingir o planalto de Fizi.
RFI: Como é que se explica, então, que as forças ugandesas...
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"Donald Trump não reconhece UE como potência, favorecendo regimes autocráticos"
2/19/2025
As delegações norte-americana e russa estiveram esta terça-feira, 18 de Fevereiro, reunidas em Riad, capital da Arábia Saudita, a discutir sobre o destino da Ucrânia, sem presença ucraniana. "A política externa de Donald Trump rompe com o internacionalismo liberal que guiou os Estados Unidos da América (EUA) nos últimos 125 anos", lembra a professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Maria Ferreira, sublinhando que "Trump não reconhece a União Europeia como potência regional preferindo favorecer regimes autocráticos".
RFI: De que forma olha para esta recente postura de Donald Trump em relação à Rússia, para o futuro da geopolítica internacional. Este pode ser um ponto de viragem nas relações entre os Estados Unidos e a Rússia. O que está a acontecer entre a Rússia e os Estados Unidos?
Está a acontecer o total romper de expectativas em relação à política externa norte-americana. Nas Relações Internacionais, há uma diferença entre anarquia e anomia. Até aqui, existia anarquia internacional, mas havia algumas expectativas em relação ao comportamento dos Estados. O que Donald Trump está a fazer é pôr fim ao internacionalismo liberal que guiou a política externa norte-americana nos últimos 125 anos, desde Theodore Roosevelt. E está a substituir o internacionalismo liberal pela adopção de um realismo absolutamente ofensivo que se baseia na ideia de que os Estados, mesmo as democracias, têm um direito natural à expansão geográfica. Colocando-se ao lado de Putin, Donald Trump solidifica a sua aliança de autocracias, legitima a sua pretensão à Gronelândia, quebrando com aquelas que foram as premissas da política externa norte-americana desde o início do século, ou seja, com as constantes linhas de força da política externa norte-americana nos últimos 125 anos.
O que Trump está a mostrar é que só reconhece grandes potências no plano internacional e a União Europeia não é considerada como uma potência regional na Europa. Até porque, como o vice-presidente dos Estados Unidos afirmou em Munique, a Europa não se encaixa na visão ideológica da administração Trump, que favorece autocracias e não democracias. Trump, no fundo, o que quer é um espaço pós-soviético nas mãos de Vladimir Putin. Faz lembrar a citação de Tucídides: "Os fortes fazem o que querem, e os fracos sofrem o que têm que sofrer".
Mas há também aqui a questão da China. A prioridade de Trump será, a seu ver, conter a China, que apoia a Rússia e não a resolução da questão ucraniana?
Não me parece. Parece-me que, neste momento, e antes de se tratar da questão chinesa, Donald Trump está muito interessado em criar um conflito na Europa pela hegemonia regional, e os Estados Unidos estão a favorecer a Rússia à custa da União Europeia e da Ucrânia. Aliás, existe aquilo a que Thomas Gomart, director do Instituto Francês de Relações Internacionais, descreve como uma espécie de convergência ideológica entre Washington e Moscovo. E, portanto, há aqui uma espécie de prenda estratégica que foi dada a Vladimir Putin, mesmo sem qualquer concessão por parte de Moscovo em relação ao futuro da Ucrânia. O problema é que a União Europeia se encontra profundamente dividida. Este modus operandi das reuniões que excluem os Estados europeus e incluem outros mostra essa profunda divisão da Europa, que acontece porque poucos Estados europeus querem efectivamente enviar tropas para a Ucrânia, designadamente da Polónia ou Alemanha. Portanto, há aqui uma falta de posição da União Europeia quanto às garantias de segurança que podem ser dadas à Ucrânia. Face a esta acção e esta convergência ideológica entre a Rússia e os Estados Unidos, que, para quem acompanha as relações internacionais há muitas décadas, é absolutamente inusitada.
O que ganha a Rússia com esta aproximação, o facto de os Aliados europeus não enviarem tropas, por exemplo, para a Ucrânia?
A Rússia quer criar no espaço pós-soviético, e é preciso dizer que, para a Rússia, o espaço...
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Guiné-Bissau: deputado "detido ilegalmente por mílicias de Sissoco"
2/18/2025
Foi detido, na Guiné-Bissau, a 17 de Fevereiro, o deputado do PAIGC para a diáspora Flávio Baticã Ferreira. Homens encapuzados detiveram-no acusando-o de ter participado numa cerimónia ritual, com o objectivo de preparar um golpe de Estado. Contactado pela RFI, o advogado francês de Flávio Baticã Ferreira denuncia "pretextos falaciosos" e considera tratar-se de um "atentado grave contra a democracia que deve ser colocado perante a cena internacional".
De acordo com as primeiras informações, o deputado Flávio Baticã Ferreira encontra-se actualmente, nesta terça-feira 18 de Fevereiro, detido nas instalações do Ministério do Interior, em Bissau.
O representante político da diáspora guineense na Europa reside habitualmente em França. O advogado francês de Flávio Baticã Ferreira não conseguiu, até ao momento, contactá-lo. Mas, segundo as informações que tem, foi detido depois de ter participado numa cerimónia religiosa, sob pretexto de ter "preparado um golpe de Estado".
"Flávio Ferreira é meu cliente há já algum tempo. Ele está muito implicado na campanha política [guineense]. As informações de que disponho é que chegaram milícias à sua casa. Decidiram prendê-lo. Julgo que tinha estado numa cerimónia religiosa e quando o capturáram alegaram que era uma prova de que estava a preparar um golpe de Estado", relata o advogado. O que revela, de acordo com o mesmo, "a pouca vontade do regime em respeitar as liberdades fundamentais".
O deputado Flávio Ferreira, do PAIGC, já tinha alertado o advogado sobre os receios que nutria em relação à sua segurança. "Muito envolvido na campanha política na Guiné-Bissau", diz ainda Nicolas Ligneul, "Flávio Ferreira candidata-se às legislativas e apoia a candidatura do presidente [da Assembleia Nacional Popular] Domingos Simões Pereira. Sentia-se em perigo, mas mas sendo um homem corajoso, voltou para a Guiné-Bissau, apesar de o ter advertido para não o fazer".
Apesar de admitir que, a nível jurídico, pouco pode fazer a partir do território francês, o advogado Niolas Ligneul afirma que "se trata de um atentado muito grave contra a democracia e as liberdades fundamentais, que deve ser colocado perante a cena internacional, por forma a que finalmente se reconheça a qualidade de ditador do Presidente actual da Guiné-Bissau" e que "se possa finalmente organizar eleições livres neste país que bem precisa delas".
"Organizar uma cerimónia religiosa não é crime"
A motivação da sua detenção, a confirmar, prende-se com a participação em cerimónais religiosas. "Este é um não-assunto", esclarece Bubacar Turé, presidente da Liga guineense dos Direitos Humanos.
"Organizar cerimónias tradicionais não é um crime naa Guiné-Bissau. Não há nenhuma lei que tipifica isso como crime. E mesmo que fosse crime, a imunidade do deputado teria de ser levantada e um processo teria de ser instaurado nos termos legais, através da Polícia Judiciária", explica o defensor dos direitos humanos.
Bubacar Turé recorda que, por ser deputado, Flávio Baticã dispõe de uma imunidade e que, por essa razão, foi ilegalmente detido.
"A verdadeira razão [da detenção] tem a ver com perseguições políticas. Estamos a lidar com um regime autoritário, hostil às liberdades fundamentais, às vozes discordantes. O senhor Flávio já teve um incidente com a polícia e já foi detido uma vez. É um deputado com imunidade parlamentar, portanto não pode ser detido, a não ser nos casos de flagrante delito", afirma Bubacar Turé.
"Tudo isto se enquadra na estratégia deste regime autoritário de silenciar as vozes discordantes e tentar limitar o espaço político aos opositores", diz ainda.
"Milícias ilegais do presidente Sissoco Embaló estão alojadas no Palácio da república"
O antigo primeiro ministro da Guiné-Bissau, Aristides Gomes, também radicado em França, alerta para um factor comum a todas as recentes detenções. Segundo diz, "são sempre homens armados e encapuçados", portanto não identificados, o que o leva a falar em milícias ilegais do presidente...
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Josefa Sacko será uma "mais valia" para a presidência angolana da União Africana
2/17/2025
João Lourenço não estará sozinho para liderar a União Africana. Ao seu lado e para o aconselhar, terá Josefa Sacko, até agora comissária da Agricultura e do Ambiente da União Africana que terminou o seu mandato de oito anos. Em entrevista à RFI, a comissária angolana diz-se satisfeita do seu legado e tem o sentimento de dever cumprido.
Josefa Sacko terminou esta semana as suas funções como comissária da Agricultura e do Ambiente da União Africana, após oito anos de mandato. Em entrevista à RFI, a comissária angolana falou sobre o seu legado com a estratégia de Kampala e como o seu sucesso vai depender da vontade política dos governos africanos e de como espera ser uma mais-valia para a presidência angolana da União Africana.
"Eu sou angolana. Vou continuar a trabalhar junto do meu governo porque como eu conheço a casa, vai ser uma mais-valia para a presidência do meu Presidente. Principalmente no que diz respeito ao meu departamento. [...] O papel que eu vou ter, o meu governo é que sabe. Eles é que sabem onde é que vão pôr", indicou a antiga comissária.
A estratégia de Kampala, assinada recentemente pelos líderes africanos, para o desenvolvimento da agricultura em África, para além de querer aumentar a produção do continente, quer também um investimnento de 100 mil milhões de dólares nos próximos 10 anos. Um objectivo que Josefa Sacko considera possível, caso os Governos e também o sector privado se empenhem neste objectivo.
"Nesta nova estratégia, também incluímos o sector privado, porque a agricultura é um negócio. A agricultura não é um um programa humanitário para dar de comer às pessoas, tem uma componente socio-económica muito importante. Portanto, o sector privado tem que estar nisto. claro que isto carece de boas políticas públicas a nível nacional, porque aqui nós só elaboramos aos quadros legais os quadros legais. Agora, a nível dos países, a questão está aí. tem de haver vontade política", disse a representante angolana.
O seu lugar vai agora ser ocupado por Moses Vilakati, antigo ministro do Essuatíni, eleito durante o Conselho Executivoda União Africana que decorreu na semana passada.
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"Em África, em qualquer parte do mundo, as pessoas devem ter paz"
2/16/2025
O Presidente de São Tomé e Príncipe, Carlos Vila Nova, está de regresso à Cimeira da União Africana participando este fim de semana na reunião dos lideres africanos em Adis Abeba, na Etiópia.
Carlos Vila Nova, Presidente de São Tomé e Príncipe, está em Adis Abeba na Etiópia para participar na Cimeira da União Africana. No final da sessão plenária de sábado e após a eleição do djibutiano Mahamoud Ali Youssouf, o chefe de Estado são tomense falou aos jornalistas sobre o regresso de São Tomé às sessões plenárias, o mandato de Angola na União Africana e a tão disputada eleição para os orgãos desta instituição.
"Eu acho que o acto principal foi a eleição do presidente e da vice-presidente da Comissão da União Africana. É um acto que acontece no mínimo de quatro em quatro anos e para mim é uma elevada honra em poder assistir. É a primeira vez e nunca tinha estado. Fez-me alguma confusão as sete rondas, não estava muito habituado. Acho que é democracia a mais, mas congratulo a organização por essa capacidade, essa resistência em fazer isso. Penso que uma das coisas que no futuro pode se encontrar uma forma de simplificar, mantendo o pendor democrático na mesma", indicou o Presidente.
É o regresso de São Tomé e Príncipe a esta organização internacional após um período de suspensão por não pagamento de quotas. Para o Presidente são-tomense, o pagamento das quotas "é um esforço" que os países devem fazer.
Nesta Cimeira, Carlos Vila Nova mostrou-se preocupado com o conflito na República Democrática do Congo, não hesitando em condenar os países quem apoiam movimentos rebeldes no continente.
"O que está a acontecer no Leste da RDC no século XXI é realmente de não se compreender e não haver razões. Para já, não se pode apoiar nenhum grupo rebelde. E quando um Estado, um país apoia abertamente um movimento rebelde a troco de não sei o quê e há pessoas a morrer sem saberem por que é que estão a morrer, há pessoas a saírem das suas casas, das suas zonas de residência sem saberem porquê. E eu posso dizer por experiência própria, porque isto já aconteceu no meu país. A pior ou a coisa mais difícil que um político tem que fazer é a deslocação da população. Ninguém sai definitivamente, a pessoa sai para voltar. E isto é um grande problema. O que está a acontecer lá? E eu não quero fazer parte disso pelo que condeno hoje, condenarei amanhã e condenarei sempre. Em África, em qualquer parte do mundo, eu acho que as pessoas devem ter paz, devem viver em paz, devem ter vizinhos, devem ter famílias. E isto é contrário a tudo isso que eu acabo de dizer", concluiu o Presidente são tomense.
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Reparações devem ser "processo de reconciliação" entre países colonizados e colonizadores
2/15/2025
A secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Cabo Verde, Miryan Vieira, representa o país na Cimeira da União Africana, na Etiópia, considera que tem de se encontrar um quadro conciliador para as reparações devidas aos países colonizados, o tema fulcral desta Cimeira da União Africana, e que o continente tem pela frente tempos "desafiadores".
A cimeira de chefes de Estado e Governo da União Africana começa hoje em Addis Abeba, na Etiópia. Os líderes africanos vão hoje votar para um novo presidente comissão, uma eleição tensa sobretudo entre o queniano Raila Odinga e o djibutiano Mahamoud Ali Youssouf que pode dividir o continente. Também hoje de manhã, o Presidente angolano toma posse da presidência rotativa da União Africana.
Para Cabo Verde, Angola terá um mandato desafiador. Nesta Cimeira, o arquipélago está representado pela secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Miryan Vieira, que disse em entrevista à RFI que Cabo Verde vai cooperar de perto com Angola.
"Vai ser um momento histórico para a lusofonia, mas sobretudo a nível dos PALOPs. Angola tem sido um país bastante comprometido com a agenda da União Africana. Tem tido um papel activo em várias questões da União, sobretudo a questão da paz e segurança, que não deixa de ser também um pilar fundamental da União. Está a altura de ter um papel bastante preponderante e trazer também ideias novas à própria União. O Presidente João Lourenço também é um presidente bastante respeitado aqui na União Africana. Acredito que nós estaremos a cooperar da melhor forma e, portanto, colaborar com a parte angolana e também com os países lusófonos, para sobretudo, facilitar o papel de Angola, que é um pouco desafiador, tendo em conta os desafios que o continente atravessa, mas também tendo em conta a própria conjuntura internacional", disse a governante.
Já sobre o tema central desta Cimeira, as reparações devidas aos países colonizados, a secretária de Estado cabo-verdiana indicou que essas reparações devem existir e servir como um agente conciliador entre países colonizados e os seus colonizadores.
"Esta é uma temática que deve ser vista com alguma justeza e com alguma justiça. De facto, as reparações têm sido uma temática que os países da União Africana têm debatido. Essa justiça deve ser feita de forma a que venha de facto contribuir para o desenvolvimento do capital humano em África. Penso que há sectores que ainda precisam de um maior investimento em termos de educação e educação de qualidade. Penso também que há que promover cada vez mais parcerias entre África e os países europeus que levaram a cabo processos de colonização não somente em África, mas também nas Américas. Deve-se sim debater essa questão, mas de uma forma bastante franca e que haja sempre um processo de reconciliação entre os países que foram colonizados e os países que também empreenderam o colonialismo", indicou.
Na Cimeira da União Africana, o Sahel é um das fontes de preocupação, sobretudo numa altura em que Mali, Burkina Faso e Níger abandonarama a CEDEAO. Para Miryan Vieira a CEDEAO precisa de um mecanismo de saída de Estados mais eficaz.
"A saída efectivou-se, embora Cabo Verde, desde o início, com o anúncio da retirada, tenha feito um apelo para que o diálogo prevalecesse e que a negociação continuasse no sentido de os países também se manterem na organização. Obviamente que a decisão da retirada é uma decisão soberana. Nós estamos cientes dos impactos que poderá trazer à própria comunidade. Não é a primeira vez que nós estamos a ser confrontados com retiradas, embora agora o número de países que sai seja maior. Nós já tivemos a saída da Mauritânia, agora são três países que estão a sair, mas nós deveremos ter um mecanismo que permita uma melhor negociação dos termos para a retirada dos Estados-Membros, sem que isso afecte sobretudo o funcionamento das instâncias da comunidade", concluiu.
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"Sempre que necessário pediremos ao Ruanda que reveja a sua posição" no conflito com a RDC
2/14/2025
Em entrevista à RFI a partir da União Africana, na Etiópia, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, Carlos Pinto Pereira, disse que o Ruanda deve rever o apoio dado ao M23, que a saída do Níger, Burkina Faso e Mali da CEDEAO deve ser considerada como "definitiva" e que a presidência de Angola da União Africana é "um mandato lusófono".
A Cimeira da União Africana começa no sábado, mas já está a ser preparada em Adis Abeba pelos ministros dos Negócios Estrangeiros no Conselho Executivo que está reunido desde quarta-feira. Carlos Pinto Pereira, ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, está na Etiópia para estes encontros preparatórios e falou em entrevista à RFI de algumas das maiores questões que estão a gerar debate neste encontro como as reparações devidas aos países africanos pelas potencias coloniais, quem vai suceder a Faki Mahamat e ainda o conflito na República Democrática do Congo.
RFI: Qual é a posição da Guiné-Bissau face ao mote desta Cimeira da União Europeia que fala sobre as reparações devidas aos países africanos devido à colonização?
Carlos Pinto Pereira: Nós temos uma posição sobre o assunto. Aliás, já foi manifestada, inclusive pelo Presidente da República, no sentido de que, em termos materiais, nós não temos reparações a pedir. Julgamos é que o assunto deve ser discutido porque efectivamente houve uma colonização, houve escravatura e houve consequências que daí advieram e que, naturalmente, ainda hoje são sentidas. Portanto, é preciso que os países e os seus respectivos líderes e sociedades aceitem e compreendam isso e que aceitem discutir. Sobretudo, aceitem a realidade e, a partir daí, de facto, sejam delineadas novas estratégias para o futuro. Portanto, é nessa perspectiva que, para nós, é importante olharmos para esta questão e que, no caso concreto da Guiné-Bissau, julgamos que deveria ter uma consequência imediata. Nós pensamos que no quadro do sistema colonial, a Guiné foi das províncias ou colónias aquela que mais foi prejudicada em termos de formação. Nós hoje estamos a sofrer com isso e de forma considerável. Julgamos que deverá haver uma discriminação positiva nesse sentido. Estamos a falar sobretudo de formação técnica, académica e científica. No momento da independência, a Guiné-Bissau tinha uma dúzia ou menos de uma dúzia de quadros de nível superior e técnico. O que é muito grave.
RFI: Isto podia traduzir-se numa maior aposta de intercâmbio de alunos, por exemplo, ou na construção de universidades. Isso seria algo que a Guiné-Bissau estaria interessada?
Claro, claramente. E é exactamente nesse sentido que falamos, numa discriminação positiva que, de facto, em que a Guiné-Bissau seja de facto olhada de forma especial para tentarmos diminuir o fosso que indiscutívelmente existiu e existe.
Esta cimeira está também a ser marcada por eleições, nomeadamente a eleição do Presidente da Comissão. A Guiné-Bissau já tem ou já apoiou algum candidato para substituir o presidente da Comissão Moussa Faki Mahamat?
A Guiné-Bissau manifestou recentemente uma certa preferência. Mas é claro que nestas matérias reservamo-nos sempre para o momento final, porque, enfim, de facto, qualquer um dos candidatos apresenta excelentes condições para a condução da da Comissão da União Africana. Portanto, deixamos isso para para a fase final.
Mas houve uma clara tendência mais para o candidato queniano, para o candidato Raila Odinga.
Tanto o candidato queniano como o candidato do Djibuti [Mohamoud Ali Youssouf] são duas candidaturas que se destacam, não é? Portanto, é natural que entre entre uma dessas duas a Guiné-Bissau faça a sua aposta.
Recentemente, a CEDEAO reuniu-se antes desta grande reunião da União Africana. Houve a saída de três países muito importantes. Como é que a Guiné-Bissau se posicionou perante esta saída? Também tem esta política de porta aberta em relação a estes países que saíram?
Nós julgamos que efectivamente temos que encarar definitivamente a questão da saída. Até...
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Angola deve focar-se "na boa governação, democracia e protecção dos mais vulneráveis"
2/13/2025
No meio dos conflitos que afectam África, as crianças são a população mas vulnerável e mais atingida pela violência. Wilson Almeida Adão é o presidente do Comité da União Africana para os Direitos e Bem-estar das Crianças espera que esta cimeira trave o conflito no Sudão, mostra-se preocupado com o fim da ajuda humanitária dos Estados Unidos e quer que Angola dê atenção aos mais vulneráveis durante a sua presidência da União Africana.
Recentemente, o conflito no Sudão - que já fez mais de 12 milhões de deslocados, entre eles mais de 50% de crianças - foi apresentado como a pior crise humanitária no Mundo. Wilson Almeida Adão dirige desde 2021 os trabalhos do Comité da União Africana para os Direitos e Bem-estar das Crianças, e lamenta que este seja um conflito esquecido, esperando que esta 38ª Cimeira que traz dezenas de líderes do continente africano a Addis Abeba possa apaziguar a situação no terreno.
"O que nós observamos é que, infelizmente, este é um conflito esquecido pelos meios de comunicação internacionais, mas é aquele que hoje tem maior impacto a nível global e afecta sobretudo as crianças que acabam por ser as vítimas de um conflito que elas não escolheram. [...] Existe um grande engajamento de todos os órgãos da União Africana, desde a cimeira de chefes de Estado e de Governo, o Conselho Executivo e os órgãos executivos da União Africana no sentido de aproximar as partes com o propósito de primeiro parar o conflito e posteriormente, encontrar uma solução pacífica", disse Wilson Almeida Adao.
As populações deslocadas, em grande parte constituídas por crianças, são os grandes alvos das ajuda humanitária internacional, operando em quase todos os conflitos em África nos domínios da nutirção, cuidados de saúde ou educação. Por isso, o anúncio da administração de Donald Trump do corte orçamental aplicado à USAID, a agência norte-americana para o Desenvolvimento Internacional, surpreendeu Wilson Almeida Adão.
"É uma notícia muito triste que recebemos a nível da União Africana, porque a USAID trabalha com África e com a União Africana há mais de 40 anos. Tem um grande impacto a nível das comunidades e desempenha um papel fundamental no apoio à educação e no apoio nutricional. O que nós fazemos é um apelo para a reconsideração desta decisão, tendo em conta que o próprio secretário de Estado americano, Marco Rubio, mencionou que no decreto de suspensão não inclui questões fulcrais como a ajuda humanitária ou a alimentação. No entanto, a nossa informação é que uma parte significativa das operações da USAID em África neste momento estão suspensas por uma falta de clarificação", declarou este dirigente da União Africana.
No meio da instabilidade interna e externa, Angola vai assumir já este fim de semana a presidência da União Africana. Para Wilson Almeida Adão, o seu país será capaz de mediar os conflitos no continente devido à experência do passado já que de uma guerra civil conseguiu chegar a u
"Tem existido um grande trabalho de mediação de Angola em alguns conflitos no nosso continente, em particular destaque para a República Democrática do Congo, já que o Presidente de Angola é o mediador indicado e também o campeão da paz da União Africana, a que se associa um trabalho feito em relação à República Centro Africana. Então é nosso desejo que a Presidência de Angola mantenha esse espírito de promover a paz, a segurança e o desenvolvimento do nosso continente, mas com particular foco na promoção da boa governação, do respeito pelos direitos humanos, da democracia participativa e, em particular, destaque pela protecção dos mais vulneráveis, em concreto, as crianças", concluiu.
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Cabo Verde participa em painel sobre papel de África na Governação Global da IA
2/12/2025
Cabo Verde participou num painel sobre o papel de África na governação global da Inteligência Artificial. Este evento, paralelo à cimeira internacional sobre IAl, que decorreu em Paris, abordou as promessas de desenvolvimento científico, económico e social desta tecnologia digital, sem esquecer os riscos graves para os direitos humanos, a democracia e o Estado de Direito.O workshop foi precedido pela assinatura da Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre Inteligência Artificial e Direitos Humanos, Democracia e Estado de Direito. Cabo Verde ainda não assinou esta convenção, porém, Joel Almeida, assessor de economia digital em Cabo Verde e que esteve presente no encontro, reconhece a importância destes mecanismos, uma vez que dão orientações aos países para garantir que a inteligência artificial trabalha para o bem da humanidade.
Qual é a importância desta Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre Inteligência Artificial e Direitos Humanos, Democracia e Estado de Direito?
É uma declaração que vai dar uma linha condutora para que os países possam garantir que a inteligência artificial trabalha para o bem da humanidade. Estas linhas orientadoras acabam por ditar como os países irão proceder a nível de legislação. Criar uma lei-quadro sobre a inteligência artificial que estará atrelado, de alguma forma, à protecção de dados que Cabo Verde já tem. Este alinhamento com a União Europeia vai também permitir ditar a forma como podemos desenhar a nossa estratégia de inteligência artificial e, acima de tudo, permite a um país como Cabo Verde estar nesta plataforma e aceder a espaços, a fóruns onde podemos discutir e estar na linha da frente com o que se faz ao nível de frameworks legais. Neste momento, estamos a falar muito a nível da governanção da inteligência artificial. Como fazer esta governanção? Vamos mais pela parte da regulação ou devemos criar um balanço, ou então abrir e permitir que haja investigação?
Se por um lado, temos os líderes mundiais que falam num certo atraso "na corrida à inteligência artificial", temos, por outro, os cientistas que alertam para os riscos de uma má utilização. Esta cimeira conseguiu responder a estas questões?
Uma das ferramentas que foi levantada foi a questão das sandboxes [um ambiente de teste isolado utilizado por programadores] criar espaços de sandboxes de tecnologia, quer sandboxes regulatórias, que deem este conforto para quem governa, para quem legisla. Perceberem que esta é uma tecnologia com grandes implicações e que é muito dinâmica. Como é que vamos fazer para regular a inteligência artificial? Uma tecnologia que está a mudar todos os dias. E depois, há o espaço entre o sector privado, que quer avançar, mas tem o receio de: "Ok, se faço isto, depois tenho um desafio com a questão legal". E temos a sociedade civil que precisa perceber como é que esta tecnologia funciona. A resposta para não estarmos parados é termos estes espaços, estas sandboxes que podem estar, por exemplo, em Cabo Verde, uma ilha ou uma cidade, ou até um bairro. Uma sandbox onde podemos testar diferentes tecnologias, seja a nível financeiro, seja a nível de tecnologia para a saúde, seja a nível regulatório 5G, ou até a nível da inteligência artificial.
As vantagens parecem ser muitas, mas a verdade é que há um receio relativamente às profissões, porque, se o Chefe de Estado Emmanuel Macron dizia que a inteligência artificial "são simples assistentes que vão tornar as profissões mais produtivas", há um receio da parte da população e muitos pensam que podem até vir a perder o emprego. Como é que Cabo Verde olha para essa realidade?
É uma questão bastante pertinente e legítima. Alguns postos de trabalho, algumas tarefas, vão deixar de existir porque serão automatizados. Mas depois, abre-se espaço para a oportunidade de utilizar estas ferramentas e dar passos diferentes. Eu posicionaria mais do lado criativo. Temos o lado mecânico, que pode ser feito pela inteligência artificial ou por um robot, mas depois...
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"As reparações que a União Africana quer têm a ver com o reconhecimento histórico da colonização"
2/11/2025
A 38ª Cimeira dos chefes de Estados e Governo da União Africana começa esta semana e tem como mote as reparações devidas ao continente africano após séculos de exploração, primeiro através do tráfico de escravos e depois através das matérias-primas, englobando ainda os actuais movimentos de migração que alimentam as necessidades de mão-de-obra em muitos países ocidentais.
A Cimeira da União Africana que começa esta semana em Adis Abeba, na Etiópia, intitula-se "Justiça para os africanos e afrodescendentes através das reparações", mas em entrevista à RFI, Odair Varela, professor de Relações Internacionais e investigador na Universidade de Cabo Verde, explicou que mais do que uma compensação financeira ou devolução de obras de arte, os países africanos procuram reparações históricas não só para a sua afirmação no Mundo, mas sobretudo para se olharem a si próprios de outra forma e criarem a sua própria agenda política internacional.
"Eu olho para a questão das reparações mais para dentro, não para fora. Ou seja, no fundo, é um incentivo para o conhecimento da nossa própria história. O resultado dessa discussão e dessa iniciativa pode ser o reforço da necessidade de se olhar para dentro, para a própria história, a história africana contada pelos africanos. Não se pode ter uma visão essencialista de África, mas o ponto de vista tem de se alterar porque até agora é uma história contada pelo colonizador. No fundo, tem sido uma historiografia eurocêntrica. Quando se discute a questão das continuidades coloniais, das causas do colonialismo e dos reflexos, vai-se olhar para outras histórias, histórias pré coloniais, histórias coloniais, histórias actuais. E com isso vão-se definindo as prioridades. Do meu ponto de vista, isso vai levar a uma simples conclusão o africano não precisa de nenhum tostão de reparações financeiras, basta saber utilizar os recursos que tem", explicou o académico.
Entre as reparações que serão discutidas esta semana estão a restituição de terras, a preservação cultural, a responsabilidade internacional, mas para Odair Varela o mais importante é o reconhecimento histórico do período colonial e como isso influencia tanto as ex-colónias como os países colonizadores.
"Esse combate não se deve restringir somente as ex-colónias, também aos colonizadores para mudar a mentalidade colonial. Por isso, era importante haver reconhecimento do contributo de quem foi levado para as colónias para trabalho escravizado e depois também a nível do trabalho forçado que contribuíram para a construção do que Portugal é actualmente. [...]No caso verdiano, a reparação ou restituição vai em linha com os combates da actualidade, com as discussões que têm sido um pouco enviesadas, do meu ponto de vista, com a agenda da extrema-direita em que, por exemplo, nós temos a extrema direita europeia e em Portugal também, que quer olhar para o fenómeno colonial como sendo um fenómeno que não teve por detrás uma economia política de exploração. [...] Acaba por ignorar os próprios traumas que os portugueses sofreram também com o período colonial, inclusive no período colonial fascismo", explicou o professor universitário.
O reconhecimento por parte das potências colonizadoras do que se passou nos últimos séculos em diferentes países africanos servirá também para esses Estados olharem de forma diferente para as suas potencialidades e traçarem o seu futuro através do multilateralismo, tendo como agregador político a União Africana.
"O continente africano, agora cada vez mais, não tem que esperar pela iniciativa de outros continentes, de outros players, mas sim ter a sua própria agenda e avançar. Considero feliz a iniciativa africana de assumir essa agenda das ditas reparações. Também isso incentiva as outras comunidades sub-regionais a delinearem a sua própria agenda. Este continente, que é o futuro da humanidade, é a reserva demográfica do mundo, tem que assumir a sua posição", concluiu.
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Gabriel Ferrandini estreou-se a solo em Paris
2/10/2025
Gabriel Ferrandini estreou-se a solo no Théâtro de la Ville, em Paris, partilhou com o público uma experiência de improvisação, explorando a liberdade sonora da bateria. Compositor e baterista, Ferrandini combina ritmo, textura e harmonia de forma inovadora. Nascido na Califórnia, filho de pai moçambicano e mãe brasileira, vive em Lisboa, onde se destacou em grupos como RED Trio e Rodrigo Amado Motion Trio. Colaborou com artistas como Thurston Moore (Sonic Youth), Evan Parker e Hilary Woods.
RFI: Durante o concerto que relação sentiu com o público?
Gabriel Ferrandini: Nesta coisa das vibrações e dos feedbacks há qualquer coisa de meio medo e aquela coisa impressionante que quase que nos junta um bocado a todos e as dinâmicas de ir para um muito alto ou muito baixo e trazer esse silêncio para dentro da sala, algo muito poderoso. Às vezes dá para sentir o público e neste concerto acho que sim. Estávamos todos juntos.
Há intervenções do público nos seus concertos. Houve um momento em que quase que havia impulsos para as pessoas baterem palmas, por exemplo. Isso acontece?
Às vezes acontece. A malta acha que são falsos fins, mas às vezes até as pessoas tossem ou há coisas a cair na sala. Eu gosto dessa parte porque há qualquer coisa que pode entrar e, como estou a improvisar, posso agarrar em qualquer coisa. Um sentimento que vem do nada por causa de uma coisa exterior. E eu gosto de trabalhar em cima disso. Tenho uma estrutura fechada, mas a coisa é toda muito aberta e inevitavelmente estou num sítio, num espaço e não consigo controlar tudo. E tudo pode ser música. De certa maneira.
Tudo é música, até mesmo o tossir das pessoas e qualquer ruído que venha do público, como dizia John Cage e tantos outros, não é? Gabriel tocou durante uma hora a solo. Foi pura improvisação ?
Sim, é uma peça que não conseguiria repetir. Há uma narrativa, há uma estrutura. Mas não é uma composição clássica no sentido em que tudo o que eu estou a tocar está escrito, com a estrutura e um arco narrativo. Eu sei como é que vou começar, sei o que vai acontecer no meio, sei o que vai acontecer no final e o resto são gavetas minhas. São coisas da minha linguagem com as quais convivo diariamente. Portanto, às vezes pode entrar um bocadinho depois, ou um bocadinho antes, ou bem mais tarde, ou antecipar. Mas lá está, começámos com o gongo. Havia toda uma introdução do gongo. Havia um som de uma pandeireta com o gongo que eu trouxe para o final. Portanto, há toda uma estrutura, mas é bastante aberto, sim.
Qual é essa narrativa? Em que é que pensa? Porque cada instrumento conta uma história e cada instrumento parece assumir uma personagem...
Sim. A percussão e a bateria têm essa coisa incrível de infinito, não é? Há muitos instrumentos que são o que são, um saxofone, um violino, trompete e na percussão; temos aqui um gongo gigantesco, até uma peça meio rara de se ter acesso. Os amplificadores gigantescos, depois a bateria em si e as percussões todas de mão. Eu, a mim, interessa-me mexer nestas coisas, nestas matérias e, depois, com o tempo, talvez até com os anos, essas matérias começam a ter ligações emocionais comigo. Porque uma pessoa, quando toca um piano, um acorde, ou um acorde numa guitarra, ou uma melodia de um instrumento melódico, é algo mais clara, emocionalmente. A bateria, a clareza da bateria tem a ver com o ritmo. É algo primordial, rítmico. Mas a questão da emoção, às vezes, é difícil de pintar as cores. Esta coisa dos feedbacks e de conseguir ter coisas longas, é o que sustém. É por aí que eu tenho tentado explorar um bocado a coisa.
E há países ou há públicos mais receptivos a essa exploração e ao tempo de ouvir?
Sim, eu acho que cada país, cada sítio ou continente... Mas acho que isto tem sempre a ver com a disponibilidade do público. A música é algo muito universal e esta coisa mais experimental e do jazz são línguas absolutamente... Qualquer pessoa pode tocar em qualquer sítio e é uma coisa unificadora da linguagem e das ferramentas...
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Inteligência Artificial: "Não há razão para que se torne perigosa para a humanidade"
2/10/2025
Arranca nesta segunda-feira, 10 de Fevereiro, na capital francesa, a cimeira internacional sobre Inteligência Artificial. Durante dois dias, neste encontro de alto nível, co-presidido com a Índia, a França quer mostrar-se "como a verdadeira campeã da IA na Europa" e alertar para os riscos. Arlindo Oliveira, especialista português em inteligência artificial - que participa nos trabalhos da cimeira - reconhece que os riscos existem, porém acredita que "não há razão para que a Inteligência Artificial se torne perigosa para a humanidade".
Qual é o objectivo desta cimeira sobre Inteligência Artificial?
Esta cimeira não é a primeira que ocorre. Concentra-se essencialmente nas questões do desenvolvimento da tecnologia, de forma a que os resultados sejam positivos e a minimizar as consequências negativas. Há, portanto, um grande foco nos riscos causados pela inteligência artificial, quer nos riscos imediatos, quer nos riscos a médio e longo prazo. Muitos países têm-se associado a este esforço, por perceberem que a inteligência artificial tem um grande impacto na sociedade.
A França tem ambições de acolher o organismo responsável por enquadrar a inteligência artificial. Numa altura em que o multilateralismo se encontra muito enfraquecido e a inteligência artificial é vista como um sector estratégico para muitos Estados, esta ambição é concretizável?
Pois essa é uma questão política complexa e, de facto, não posso ajudar muito. Existe, neste momento, um grande esforço de regulação a nível europeu, em particular. Ainda estão por definir, exactamente, quais vão ser os organismos reguladores, tanto a nível internacional como a nível nacional. Portanto, é para mim bastante difícil dizer se a França vai ter ou não sucesso, mas seguramente haverá muitos países interessados nisso e até poderemos vir a optar por uma solução distribuída, em que não haja um organismo concentrado num único país.
Recentemente, afirmou numa entrevista que a inteligência artificial está a revolucionar as profissões, tornando-as mais produtivas. Qual é o impacto que a inteligência artificial terá nas profissões do futuro?
Há muitas tarefas que fazemos todos os dias e que acabam por ser relativamente repetitivas, seja responder a e-mails, preencher formulários ou ler documentos. Uma grande parte dessas tarefas são desempenhadas por pessoas que trabalham em serviços, vendas, entre outras áreas. De facto, muitas dessas actividades podem ser realizadas por inteligência artificial, conduzindo a um aumento significativo da produtividade. Isso também se aplica a outras profissões, como nas áreas jurídica, médica, etc.
Na parte do diagnóstico?
Na parte do diagnóstico, na elaboração de relatórios, na análise do histórico dos pacientes e na análise de imagens, por exemplo. Todas estas tarefas consomem muito tempo dos profissionais. Por vezes, nem sequer se conseguem concentrar na conversa com o paciente, no caso dos médicos, quando poderiam ser feitas com grande vantagem por sistemas de inteligência artificial, no atendimento ao cliente, no atendimento telefónico, etc.
Há um risco desta tecnologia não chegar a todos, ou seja, de esta redistribuição deixar alguns de fora?
Há o risco, tal como houve pessoas que não acompanharam a revolução digital e não estão à vontade com computadores, de não acompanharem também esta revolução da inteligência artificial. Se não dominarem as técnicas associadas à inteligência artificial, poderão ficar em desvantagem relativamente a outros. Acho que este é um risco sério, embora, para ser honesto, muitas destas técnicas sejam bastante acessíveis, muitas delas podendo ser utilizadas através de interacção em linguagem natural, seja por voz ou escrita, com estes sistemas. Também há esperança de que, de facto, seja mais fácil entrar nesta nova área tecnológica do que foi na anterior, em que tivemos de aprender a lidar com o Excel, o Word, o e-mail, etc. Portanto, esse risco existe. Acho que depende um pouco de como os Estados e as...
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Desmantelamento da USAID: "África vai ter que se reinventar em termos de busca de financiamento"
2/7/2025
A decisão da administração Trump de sair de algumas instituições internacionais como a Organização Mundial da Saúde ou suspender por três meses o apoio fornecido pela sua agência de cooperação, a USAID, com excepção dos programas alimentares, tem estado a gerar um clima de grande incerteza em África, designadamente em Moçambique, país que depende em larga medida do apoio dos Estados Unidos.
De acordo com os últimos dados disponíveis, Moçambique foi o país lusófono que mais recebeu a ajuda da USAID em 2023, o envelope tendo ascendido a mais de 664 milhões de Dólares para diversas áreas, apoio humanitário e agricultura em Cabo Delgado, Direitos Humanos, desenvolvimento, orçamento do Estado, e sobretudo o pelouro da saúde.
Para evocar as consequências imediatas em Moçambique da decisão de Trump, a RFI falou com dois membros activos da sociedade civil, nomeadamente Ben Hur Cavelane, consultor independente para a área das finanças públicas, que dá conta de uma situação globalmente difícil.
"A ajuda da USAID para Moçambique é de capital importância. Tanto é que quando houve pronunciamento por parte do governo americano, acabou mexendo com a parte política, mas também com a parte social, porque grande parte da ajuda que Moçambique recebe através dessa Agência de desenvolvimento vai para sectores sociais, como, por exemplo, para o lado da saúde. Uma parte dos programas do sector da saúde são financiados pelos programas da USAID, mas não só. Temos também alguns programas de capacitação institucional e boa governação que também beneficiavam desse tipo de ajuda. Hoje muitos projectos estão parados, grande parte nas províncias que precisam de facto desse tipo de financiamento, falo concretamente das províncias de Cabo Delgado onde temos a situação de insurgência, temos a situação de pessoas que estão deslocadas. Tem a província de Nampula, que também precisa deste tipo de apoio. Temos os centros de refugiados que na sua maioria, têm-se beneficiado da ajuda da agência de desenvolvimento norte-americana e isso tem estado a comprometer aquilo que são os programas das grandes organizações locais, mas também mesmo das organizações que recebem directamente ajuda para implementar alguns programas a nível nacional", refere Ben Hur Cavelane.
"Na semana em que o governo norte-americano apareceu a fazer o pronunciamento, o que aconteceu é que o próprio governo (moçambicano) apareceu a explicar que iria fazer uma grande ginástica para obter financiamento para investir nesses projectos que já tinham sido aprovados, que era para implementar neste ano de 2025. Eu recordo-me de ter falado com alguns colegas que trabalham num projecto em Cabo Delgado, mas também em Niassa, para o desenvolvimento de algumas instituições, de alguns governos municipais. Estes programas vão parar por causa deste pronunciamento do governo americano. Então eu penso que de alguma forma, não só Moçambique, mas África vai ter que se reinventar em termos de busca de financiamento para implementação de alguns programas que são de carácter importante para aquilo que é o desenvolvimento dos países africanos, em particular para Moçambique", considera ainda este especialista da área das finanças públicas.
Capacidade de reinvenção e resiliência, será difícil encontrar sem financiamentos. Na semana passada, a chefe do governo moçambicano, Maria Benvinda Levi, reconheceu que o pelouro da saúde é aquele que poderia ser o mais afectado pela suspensão do apoio americano. “É um grande desafio porque o apoio dos Estados Unidos é um apoio extremamente importante, particularmente nas áreas sociais. Então, nós teremos que ver, com os nossos recursos, como é que podemos redirecionar alguns recursos para essas áreas, para que elas não fiquem sem nenhuma estrutura de desenvolverem as suas actividades”, disse a primeira-ministra.
Também nitidamente preocupado está Jorge Matine, director do IPAS, entidade que actua na área da saúde.
"A primeira das consequências concretas é que para um país...
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Jovem português à descoberta de África em bicicleta
2/7/2025
Francisco França tem 22 anos e um grande sonho: conhecer o mundo. Para concretizar este objectivo, este jovem licenciado em Psicologia, decidiu pegar na bicicleta, num fogão a gasolina e numa tenda e partir rumo à descoberta a 19 de Fevereiro do ano passado. Saiu de Portugal, atravessou para Espanha e depois para Marrocos de ferry e continuou a viagem por terra.
Já lá vão 11 meses a pedalar. Francisco já passou por 17 países, onde se incluem vários países africanos, desde logo a Guiné-Bissau, Angola ou até mesmo Moçambique.
Em entrevista à RFI, Francisco França, falou-nos sobre esta experiência e começou por explicar-nos porque é que decidiu incluir o continente africano nesta aventura.
"África conservava o mistério de eu não conhecer nada. Eu ouvia muito pouco. Eu não sabia o que se passava em tantos países e agora olho para o mapa e consigo ver que são países onde eu já passei, onde já conheço a cultura. Eu senti que tinha de ser por África e não podia deixar passar esta oportunidade. Eu sinto que podia viver a minha vida toda sem ver as Américas, mas não conseguia fazê-lo sem ver África", começou por referir Francisco França.
O jovem psicólogo salientou depois que fazia questão de conhecer os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) porque conservam "uma grande parte da nossa história portuguesa", mas também devido à história de muitas pessoas que conhece em Portugal e que têm raízes africanas.
Uma das coisas que mais impressionou Francisco França foi "a vida nas aldeias, que é tão simples" e, ao mesmo tempo, o facto de "toda a gente ficar maravilhada por ver um turista e toda a gente querer conhecer e ajudar".
"A ideia de África por parte de quem nunca visitou não é, de todo, uma ideia ajustada. É importante conhecer-se, ver-se e ouvir-se mais. Há muito mais aqui do que aquilo que se pensa, a natureza... E a cultura ainda está tão intocada, que acho que é difícil encontrar-se algo assim noutra parte do mundo", defendeu o jovem, que nos detalhou todos os pormenores deste longo trajeto.
Para realizar esta viagem, Francisco França inspirou-se em outras pessoas que conheceu durante a vida e que fizeram percursos semelhantes. Depois, no que diz respeito à parte monetária para conseguir cobrir os custos desta viagem, o jovem trabalhou num hostel e também como promotor.
Francisco França já passou por vários países: Portugal, Espanha, Marrocos, Mauritânia, Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Congo-Brazzaville.
Actualmente está em Angola e o objectivo é terminar a viagem em Moçambique.
Saiba tudo sobre esta grande aventura neste magazine e veja aqui algumas fotografias da viagem :
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Declarações "estrondosas" de Donald Trump podem pôr em causa cessar-fogo na Faixa de Gaza
2/6/2025
A ideia da tomada da Faixa de Gaza por parte dos Estados Unidos para aí criar uma estância balnear está a ter um impacto "estrondoso" no Médio Oriente, com os principais países da região a considerarem as declarações de Donald Trump como "inadmissíveis". Declarações que podem contribuir ainda mais para a instabilidade na Faixa de Gaza, com as negociações de cessar-fogo ainda a decorrerem entre Hamas e Israel.
Após o Presidente Donald Trump ter dito que os Estados Unidos vão tomar conta da Faixa de Gaza, tendo em vista criar a Cote d’Azur do Médio Oriente, as reacções entre os países da região não se fizeram esperar. Perante a indignação de países como o Egipto, Jordânia ou Arábia Saudita, o Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, veio dizer que a retirada de palestinianos do território seria temporária e que os Estados Unidos não pensam “por enquanto” enviar tropas para a Faixa de Gaza.
Estas declarações “estrondosas” de Donald Trump estão a ter um impacto por todo o Médio Oriente, como explicou Ivo Sobral, professor de Relações Internacionais na Universidade de Abu Dhabi, em declarações à RFI.
"As declarações de Donald Trump foram estrondosas aqui no Médio Oriente, inclusive dentro da política americana. Vários especialistas norte-americanos especializados em segurança e em particular zonas urbanas, declararam que era quase impossível existir uma operação americana para controlar Gaz. A primeira declaração de Donald Trump era que os Estados Unidos iriam encarregar-se de Gaza. E depois muitas outras pessoas aqui no Médio Oriente, muitos governos declararam que seria quase uma solução impensável, que basicamente iria romper com uma espécie de status quo que existia há muito tempo em relação à Palestina. A própria extrema direita israelita declarou que o plano de Donald Trump é uma boa ideia, mas que a sua implementação seria muito difícil", disse o especialista.
Entre os países que se manifestaram com mais veemência estão o Egipto e a Jordânia, que segundo Trump acolheriam os palestinianos, mas este plano também desagradou aos gigantes económicos da região como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e ao Qatar.
"Não há nenhuma voz que apoie abertamente este plano. Todos os países que contam no Médio Oriente, em particular estes cinco Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Egito, a Jordânia, o Qatar, as cinco potências árabes mais fortes, já declararam ontem que este plano era completamente inadmissível. O rei da Jordânia, estará hoje ou amanhã, nos Estados Unidos, para uma reunião de alto nível com Trump. Já declarou que a Jordânia não está disponível para receber mais palestinianos de Gaza. Neste caso, Jordânia é um país muito delicado, com um equilíbrio étnico muito, muito, muito delicado que, por possuir uma população maioritariamente palestiniana, já portanto mais palestinianos iriam alterar completamente este equilíbrio. Quanto ao Egipto, outro país apontado por Donald Trump para receber estes refugiados de Gaza, trata-se de uma zona extremamente delicada do ponto de vista de segurança. Existiram vários ataques contra as forças egípcias já no passado nesta zona, portanto, é uma zona instável, com presenças de coisas como o Daesh e com fundamentalismos islâmicos já a fazerem atentados contra as forças egípcias. Portanto, o próprio Presidente já disse que aceitar mais pessoas de Gaza é basicamente expor o Egipto a mais ataques. Portanto, temos aqui já estas dois nãos redundantes e com o apoio do Golfo da Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e Qatar, com os três a fazerem uma espécie de frente comum contra este plano de Donald Trump", indicou Ivo Sobral.
Estas declarações, mesmo que suavizadas na quarta-feira pelo Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, podem vir a perturbar o frágil cessar-fogo entre o Hamas e Israel.
"Poderá afectar a segunda e terceira fase do acordo de reféns feitos entre o Hamas e Israel. Portanto, existem várias fases deste acordo e o Hamas aqui a ser...
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