
Convidado - A viagem rumo ao oeste de Babetida Sadjo
RFI
De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.
Episodes
Addis Abeba acolhe II Cimeira Africana sobre o Clima
9/8/2025
Arrancou esta manhã, 08 de Setembro, a segunda Cimeira Africana sobre o Clima, em Addis Abeba, na Etiópia. Até quarta-feira, 10 de Setembro, são esperados 45 chefes de Estado e de Governo, assim como mais de 25.000 activistas, representantes empresariais e institucionais. Em entrevista à RFI, José Luís, da Plataforma Juvenil para a Acção Climática de Moçambique, destacou a importância do encontro para criar sinergias, trocar experiências e compreender como países africanos, parceiros internacionais e doadores podem apoiar a juventude no reforço da resiliência climática.
As alterações climáticas já custam aos países africanos, em média, entre 2 e 5% do PIB por ano, e, até 2030, até 118 milhões das pessoas mais pobres do continente podem vir a sofrer com secas severas, inundações e ondas de calor extremas, segundo a Organização Meteorológica Mundial.
Com os grandes encontros internacionais - Assembleia-Geral da ONU, o G20 e a COP 30 - na linha de mira, África não quer apenas sofrer com a crise climática, mas transformá-la numa oportunidade económica. O continente detém 60% do potencial solar mundial e cerca de 40% do potencial global em energias renováveis, além de possuir no subsolo minerais essenciais à transição ecológica.
A participar na II Cimeira Africana sobre o Clima encontra-se José Luís, oficial jurídico e gestor de grupos de trabalho da Plataforma Juvenil para a Acção Climática de Moçambique. Em entrevista à RFI, destacou a importância do encontro para criar sinergias, trocar experiências e compreender como países africanos, parceiros internacionais e doadores podem apoiar a juventude no reforço da resiliência climática.
“Moçambique é um país muito vulnerável às mudanças climáticas. São as crianças e os jovens que sofrem mais directamente com ciclones e intempéries, muitas vezes ficam sem acesso à educação, já que as escolas acabam por servir de abrigos temporários.
O jovem defendeu que a educação climática deveria integrar as estratégias de desenvolvimento do Governo, pois a falta de conhecimento aumenta os riscos para as populações.
África é um dos continentes que mais sofre os efeitos do aquecimento global, apesar de contribuir com apenas 4% das emissões mundiais. Moçambique está entre os cinco países mais vulneráveis do mundo. Para José Luís, este cenário exige maior diplomacia africana e negociações directas com os grandes emissores, como a China e os Estados Unidos, para assegurar financiamento climático.
É urgente um financiamento específico para África, que tenha em conta a fragilidade das infra-estruturas e permita preparar o continente para choques climáticos.
A Cimeira Africana sobre o Clima antecede a COP 30, a realizar-se no Brasil, em Novembro. Para o representante da Plataforma Juvenil para a Acção Climática de Moçambique, esta cimeira de Addis Abeba é uma oportunidade para o continente definir prioridades e chegar ao palco global com uma posição unificada:
África deve negociar como uma só voz, identificando as suas reais necessidades e exigindo responsabilidades dos maiores emissores, mas também assumindo os seus próprios compromissos.
A reunião decorre até quarta-feira, 10 de Setembro, e pretende reforçar a preparação do
No final desta cimeira, os dirigentes africanos devem assinar uma declaração comum para demonstrar a unidade e os compromissos climáticos perante os investidores e a comunidade internacional.
Duration:00:07:43
Lisboa vive "situação absolutamente explosiva" nos transportes
9/4/2025
O acidente no Elevador da Glória, em Lisboa, possivelmente causado por falhas de manutenção, veio expor a situação dos transportes públicos em Portugal, onde há não só falta de pessoal qualificado, mas também onde os salários são baixos e a maior parte do trabalho é subcontratado.
O acidente no secular elevador da Glória, em pleno coração de Lisboa, fez até agora 16 mortos e cinco feridos, números que podem evoluir nas últimas horas. Na origem deste acidente estará possivelmente a quebra do cabo que assegura a ligação entre as duas cabines que constituem o sistema deste elevador, sabendo-se agora que a manutenção desta infra-estrutura tinha sido externalizada para uma empresa privada, uma mudança contestada há vários anos pelos sindicatos da Carris, empresa municipal de transportes da capital portuguesa.
Em entrevista à RFI, Raquel Varela, historiadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa e investigadora sobre as relações de trabalho, denuncia o abandono dos transportes públicos, as más condições dos trabalhadores e a situação explosiva que se vive na cidade de Lisboa.
"Temos estudos nos portos da cidade de Lisboa, na manutenção da TAP, no pessoal de voo e cabine, no Metro de Lisboa. Nos maquinistas da CP, Em todos eles. Todos eles. Nós apontámos para riscos significativos para os trabalhadores e para a população que usa estes serviços por causa das condições de trabalho, que são altamente degradantes. E nós não estamos só a falar dos baixíssimos salários, nós estamos a falar de trabalhadores em turnos sucessivos, porque não há outros trabalhadores para ocupar o lugar destes, porque os trabalhadores emigram com os baixos salários. Portanto, nós estamos a falar de pessoas que muitas vezes fazem 16h00 seguidas de trabalho. Nós estamos a falar de salários tão baixos que não dá para as pessoas reporem os seus níveis biológicos, nomeadamente alimentares decentes, dormir decentemente, etc. Portanto, nós estamos a falar de uma situação explosiva que o que nós temos é uma situação generalizada de degradação dos serviços públicos que está intimamente ligada. Eu gostava de salientar isto às regras que a União Europeia põe porque subcontratações são possíveis, mas contratar funcionários públicos bem pagos não é. E, portanto, tudo isto é uma situação absolutamente explosiva, em que as pessoas começam a chegar à conclusão que o Estado, em vez de as proteger, é uma ameaça à sua vida", declarou a académica.
A emigração de trabalhadores especializados no sector da mecânica, a subcontratação e os baixos salários são tendências no mercado de trabalho português que podem ter tido impacto neste acidente. Também o desinvestimento público, nomeadamente no sector dos transportes, é visível.
"Tudo indica que o que nós estamos é, perante a incúria, uma política absolutamente criminosa de degradação dos serviços públicos, com impacto na manutenção e manutenção dos transportes. É um trabalho altamente especializado, que exige equipas coesas e uma grande respeito pelos trabalhadores e uma grande ligação entre os trabalhadores mais novos e mais velhos", disse Raquel Varela.
Publicamente, tanto o primeiro-ministro, Luís Montenegro, como o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, já vieram esclarecer que as responsabilidades sobre este acidente estão a ser apuradas, não havendo, para já, quaisquer consequências políticas.
Para Raquel Varela, Carlos Moedas devia demitir-se e deveria haver um impacto na administração da Carris, podendo mesmo haver uma acusação criminal caso fique provado que houve negligência na manutenção do Elevador da Glória.já que todos os cidadãos, portugueses ou estrangeiros que visitam Portugal, estão em risco.
"Isto é uma tragédia que matou o condutor, matou mais de uma dezena de pessoas que estão ali. Quer dizer, isto é um país completamente à deriva, que põe em risco os seus próprios cidadãos e cidadãos estrangeiros. Não interessa. Todos os cidadãos que circulam neste país,...
Duration:00:12:04
Novo presidente do BAD quer valorizar as forças internas do continente
9/3/2025
O economista mauritaniano Sidi Ould Tah tomou oficialmente posse esta segunda-feira, 01 de Setembro, como presidente do Banco Africano de Desenvolvimento. Em entrevista à RFI, o economista guineense Carlos Lopes, que contribuiu para a estratégia de Sidi Ould Tah, sublinhou a necessidade do continente procurar soluções inovadoras e passar a valorizar mais as forças internas.
O economista mauritaniano Sidi Ould Tah, eleito presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) em Maio, tomou oficialmente posse esta segunda-feira, 01 de Setembro de 2025, na sede da instituição, em Abidjan, Costa do Marfim. O antigo ministro da Economia da Mauritânia e antigo dirigente do Banco Árabe para o Desenvolvimento Económico em África (BADEA) prometeu continuar a construir "uma África robusta e próspera" e sublinhou a urgência de “revisitar o plano de investimento” e de “mudar de paradigma”. O primeiro mauritaniano a assumir a liderança da instituição insistiu na importância da paz para alcançar os objectivos de desenvolvimento e acrescentou que "África está de olhos postos em nós, a juventude espera por nós".
Em entrevista à RFI, o economista guineense Carlos Lopes, professor na Universidade da Cidade do Cabo que contribuiu para a estratégia de Sidi Ould Tah, sublinhou a visão inovadora e ambiciosa do novo presidente do BAD, que pretende transformar a instituição num motor de desenvolvimento do continente africano.
RFI: Quais são as prioridades de Sidi Ould Tah?
Carlos Lopes, economista: O Dr. Tah tem uma paixão pelas questões relacionadas com as pequenas e médias empresas, porque tem consciência de que elas é que criam e geram emprego. Esse é o resultado de uma arquitectura mais complexa, onde teria que transformar o banco não num operador nessas áreas, mas num agente que pode mobilizar capitais e que pode, juntamente com outras instituições financeiras, trabalhar em sinergia.
Por isso, uma das prioridades dele é, justamente, tentar construir uma arquitectura financeira africana, em vez de estarmos a perder muita energia nas reformas da arquitectura financeira internacional.
No fundo, é um pouco o mote do seu programa, ou seja, tentar mostrar que os africanos têm que se concentrar muito mais nas possibilidades que têm e que até agora não foram propriamente utilizadas, nomeadamente a mobilização de capitais internos domésticos, fundos de pensão, fundos soberanos, a forma como se lida com infra-estruturas, que é normalmente feita pensando sempre no investidor estrangeiro e sem mercados internos intervindo directamente na sua concepção.
São prioridades que têm a ver com a constatação de que estamos a entrar num período onde a ajuda ao desenvolvimento é muito mais escassa e deve ter um papel mais marginal na definição das prioridades do continente. E para que se possa ter uma integração continental, tem que se investir muito mais em infra-estrutura resiliente, tem que se fazer o necessário para que esse mercado de capitais possa multiplicar o tamanho do banco de forma consistente.
Ele, na sua função anterior de director geral do e depois presidente do Banco Árabe para o Desenvolvimento da África, conseguiu aumentar o capital desse banco de cinco para 20 mil milhões de dólares e agora quer fazer o equivalente, mas com mais ambição, no Banco Africano de Desenvolvimento. Ou seja, o seu projecto é de multiplicar por dez o tamanho do banco.
Mas há muitas dificuldades, nomeadamente a dificuldade de acesso aos mercados internacionais, os impactos das alterações climáticas. Há pouco falou da ajuda ao desenvolvimento cada vez mais escassa, a redução, por exemplo, do montante da ajuda externa por parte dos Estados Unidos. São uma série de dificuldades que vai ter pela frente.
Sim, mas isso são as razões pelas quais ele busca soluções completamente inéditas ou diferentes das que até agora foram dependentes das características que acabou de mencionar. Por exemplo, os fundos de pensão africanos têm um trilhão de dólares, mas não foram...
Duration:00:09:17
Julgamento de Jair Bolsonaro no Brasil : « Uma demonstração de prevalência da democracia »
9/2/2025
O julgamento final do ex-Presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado, decorrerá entre os dias 2 e 12 de setembro. Um momento histórico para o gigante sul-americano, que até agora nunca tinha conseguido punir um golpe de Estado militar e, para além disso, resiste às pressões políticas do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O ex-Presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, é acusado de ter liderado uma « organização criminosa armada » que conspirou para a sua manutenção no poder. O seu julgamento está previsto para arrancar a 2 de Setembro. Ele arrisca-se a cumprir mais de quarenta anos de prisão.
As repercussões políticas são de grande alcance, em particular tendo em conta as pressões políticas do chefe de Estado norte-americano Donald Trump, que apoia Jair Bolsonaro.
O politólogo Christian Lynch, especialista do bolsonarismo e autor, em 2022, do livro « O Populismo Reacionário: Ascensão e Legado do Bolsonarismo », recebe-nos em sua casa, no Rio de Janeiro, para explicar de que forma o Brasil defende a sua democracia.
Boa tarde, Christian Lynch. Para começar: em que sentido este julgamento é histórico no Brasil, e qual é o papel decisivo do Supremo Tribunal Federal?
No Brasil, como em vários outros países, não apenas na América Latina, mas também na Europa, o processo de construção do Estado de Direito democrático foi longo e complexo. Houve inúmeras rupturas institucionais. Tivemos golpes de Estado em 1889, em 1930, em 1937 e em 1945. Ao longo da história brasileira, o que se observou nesse tipo de disputa foi que os militares sempre saíram vitoriosos. Eles constantemente se atribuíram o papel de poder moderador. Isso só começou a mudar com o fim da ditadura militar, em 1985.
A Constituição de 1988 foi construída de forma deliberada para criar uma série de salvaguardas contra o retorno de regimes autoritários e contra essa ideia de que os militares seriam uma espécie de poder moderador. O julgamento é histórico por esse motivo. Houve uma tentativa de golpe de Estado, como outras que marcaram a história brasileira, porém, desta vez, foi uma tentativa fracassada. E, pela primeira vez, estamos julgando e processando os responsáveis por essa tentativa. Trata-se de uma demonstração da prevalência do civilismo e da democracia, das instituições democráticas, frente a mais uma tentativa de golpe protagonizada, novamente, por sectores militares. Nesse sentido, não há dúvida de que se trata de um julgamento histórico.
Apesar do afastamento de uma parte da direita brasileira de Jair Bolsonaro, continuam hoje a existir apoios políticos e cidadãos ao ex-presidente?
Sem dúvida. A extrema-direita é um fenómeno global. Ela sempre existiu, mas a última vez que ela existiu foi há 80 anos, desde o final da Segunda Guerra Mundial, em que ela tinha desaparecido como força relevante dentro do debate político. Mesmo as forças que apoiaram golpes de Estado não se apresentavam como de extrema-direita. Em cada parte do mundo, a extrema-direita assume características próprias. Na Europa, ela se alimenta do declínio geopolítico, da questão migratória e da sensação de perda de identidade, essa ideia de que a Europa já não é mais o centro do mundo. Nos Estados Unidos, há também uma percepção de decadência.
No Brasil, essa sensação de decadência não existe, por vários motivos. Talvez o país nunca tenha estado tão bem historicamente. O que ocorre é que a extrema-direita surge como reacção precisamente à consolidação da democracia e ao aparecimento de novos actores, setores antes subalternizados, pessoas que não tinham visibilidade até os anos 1990 ou 1994. Observamos o surgimento de contingentes da população negra, a emancipação das mulheres...
O que vemos é uma espécie de revolta por parte daqueles que sempre exerceram o poder, desde o período colonial, sectores que se consideravam os legítimos detentores do mando. E é por isso que falam tanto em nome da liberdade: trata-se...
Duration:00:09:01
“Mobilização sem precedentes” na Flotilha Humanitária rumo a Gaza
8/28/2025
Esta semana, vai partir para a Faixa de Gaza uma Flotilha Humanitária com ajuda para a população palestiniana, transportada em dezenas de barcos que vão tentar quebrar o cerco israelita. Delegações de mais de 40 países integram a missão e há três portugueses. O activista Miguel Duarte é um deles e explica que esta é uma “mobilização sem precedentes” e “a maior tentativa de sempre para desafiar o bloqueio ilegal sobre o povo palestiniano em Gaza”. Apesar dos riscos, Miguel Duarte tem esperança que a ajuda humanitária chegue ao destino e defende que “é preciso que a sociedade civil se levante”, senão “ninguém o fará”.
Esta é uma missão que junta dezenas de embarcações e delegações de mais de 40 países. O objectivo é levar ajuda humanitária para a Faixa de Gaza e tentar quebrar o cerco israelita que impede a chegada de alimentação e medicamentos. A ONU alertou, na semana passada, que mais de meio milhão de pessoas em Gaza estão a passar fome.
Três portugueses integram a Flotilha Humanitária: o activista Miguel Duarte, experiente em missões de resgate de pessoas no Mar Mediterrâneo, a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua e a actriz Sofia Aparício.
Em entrevista à RFI, Miguel Duarte disse que se está num “momento histórico”, que esta “é uma mobilização sem precedentes” e “a maior tentativa de sempre para desafiar o bloqueio ilegal sobre o povo palestiniano em Gaza”. Já houve outras frotas rumo a Gaza, mas a maior parte foi interceptada pelo exército israelita. Foi o caso, a 8 de Junho, com o navio Madleen, mas também com o navio Handala, a 27 de Julho. Por outro lado, no início de Maio, activistas que transportavam ajuda humanitária para Gaza foram atacados ao largo de Malta, em águas internacionais, e acusaram Israel.
Graças à escala da missão, com delegações de mais de 40 países e dezenas de barcos que levam medicamentos e comida, o activista acredita que a atenção internacional possa impedir que o exército israelita trave a flotilha humanitária, pelo que tem esperança que a ajuda chegue realmente a Gaza.
Miguel Duarte acrescenta que informou o Ministério dos Negócios Estrangeiros e que este tem “a responsabilidade moral de garantir a segurança” da tripulação e da ajuda humanitária. Por outro lado, o activista considera que Portugal deveria avançar com um corte de relações diplomáticas e comerciais com Israel, aplicar sanções e acabar com contratos com empresas de armamento israelitas.
Experiente em missões de resgate de migrantes no mar Mediterrâneo, Miguel Duarte diz que o que o leva a Gaza é o mesmo que o levou ao Mediterrâneo: a necessidade das pessoas. Nesse sentido, acredita que “é preciso que a sociedade civil se levante”, senão “ninguém o fará”.
Miguel Duarte: “É a maior tentativa de sempre para desafiar bloqueio ilegal sobre o povo palestiniano em Gaza”
RFI: Qual é o objectivo desta missão?
Miguel Duarte, activista: “O objectivo desta missão é trazer ajuda humanitária para Gaza. Neste momento, há um bloqueio ilegal por parte das forças israelitas imposto sobre o povo de Gaza. Sabemos todos que está a decorrer um genocídio e uma fome imposta pelas forças israelitas ao povo de Gaza. O objectivo desta missão, como de tantas outras anteriores, é o de desafiar este bloqueio ilegal e trazer esta ajuda humanitária que é tão necessária e tão urgente para estas pessoas.”
O que é que diferencia esta missão das anteriores?
“A principal diferença é a escala. Ou seja, já existem missões deste género desde 2008, se não estou em erro. Já muitos barcos e navios tentaram desafiar este cerco. Algumas conseguiram, mas a maior parte, a esmagadora maioria das flotilhas foram bloqueadas e ilegalmente capturadas pelo exército israelita. O que diferencia esta é a escala. Neste momento, estão a ser organizadas delegações de mais de 40 países em dezenas de barcos, portanto, certamente, pelo menos centenas de pessoas vão estar envolvidas. Vão partir barcos de vários pontos da Europa. Eu, neste momento, estou em Barcelona...
Duration:00:08:33
Angola vs Argentina: o jogo que está a indignar os angolanos
8/27/2025
Angola pretende canalizar mais de sete milhões de dólares norte-americanos num jogo amigável com a selecção da Argentina, previsto para 11 de Novembro, no âmbito das celebrações dos 50 anos da Independência Nacional. As ONG's angolanas criticam a iniciativa devido ao actual contexto socio-económico que o país atravessa.
Angola pretende canalizar mais de sete milhões de dólares norte-americanos num jogo amistoso com a selecção da Argentina, previsto para 11 de Novembro, no âmbito das celebrações dos 50 anos da Independência Nacional. Os Albicelestes já confirmaram o jogo amigável com os Palancas Negras.
Entretanto, quatro ONG´S angolanas criticam a iniciativa e solicitam o cancelamento do jogo, devido ao actual contexto socio-económico que o país atravessa.
Por apenas 90 minutos de jogo, a selecção argentina de futebol pode facturar, em Novembro deste ano, cerca de 11 milhões de dólares numa partida amigável, a decorrer em Luanda, com a selecção angolana de futebol, no dia do jubileu da Independência de Angola.
O montante, a ser gasto, está a gerar críticas pela sociedade angolana, que ainda acredita que a Argentina possa desistir do convite da Federação Angolana de Futebol (FAF).
É o caso de Serra Bango, líder da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), que diz ser uma vergonha Angola gastar tanto dinheiro num jogo, quando o país se encontra mergulhado numa crise social e económica sem precedentes.
O nosso objectivo é, exactamente, chamar a atenção aos jogadores da selecção argentina, sobretudo ao Messi, porque eles têm uma visibilidade universal. A nossa chamada de atenção é no sentido de que eles se solidarizem com o sofrimento por que passam os cidadãos angolanos: a fome, a miséria, a nudez, o desemprego, falta de educação, de escolas. Nós temos problemas ainda de cólera, paludismo, saneamento básico. Temos problemas de saúde como a febre tifóide, por falta de água potável, por quase todo o país.
E associado a isso, infelizmente, ocorreu neste espaço de tempo aquelas execuções sumárias que já têm ocorrido várias vezes e têm sido denunciadas por vários outros activistas das execuções sumárias que ocorrem em Angola. Face a isso e face ao volume financeiro que se quer despender para esta partida de futebol, não temos certeza se serão apenas os 6 milhões de dólares que poderão ser revertidos para outras situações aqui em Angola.
Nós apelamos à solidariedade destes jogadores, no sentido de recusarem esta vinda, este convite para jogarem com Angola. Porque nós temos assistido a nível da África - infelizmente Angola não escapou - preferem desembolsar várias somas de dinheiro para visitas momentâneas de ilustres figuras a nível do topo universal e o povo angolano vive na indigência.
A Friends Of Angola, a Pro Bono Angola e a AJPD são subscritoras de uma carta enviada à Federação Argentina de Futebol e a Lionel Messi, cujo teor tem a ver com o cancelamento do jogo.
Florindo Chivucute, presidente da Friends Of Angola, entende que a selecção da Argentina antes de aceitar o convite de Angola, deveria lembrar-se do movimento de protesto de um grupo de mulheres que exigia a localização de seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar argentina.
Esta decisão ficará na história, porque os argentinos sabem muito bem qual é as consequências de uma ditadura. É importante aqui lembrar das mães da Praça de Maio que começaram as suas marchas em 1977, que representam um dos maiores símbolos mundiais de resistência contra a violência de Estado e o desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura militar argentina que durou de 1976 a 1983.
As mães da Praça de Maio até hoje continuam a se reunir, todas as quintas-feiras, na Praça de Maio, lembrando ao mundo que não se pode esquecer do passado. É uma luta que simboliza a luta pela memória, pela verdade e pela justiça e é isso que nós esperávamos que a selecção da Argentina fizesse, mas, infelizmente, não fez.
Serra Bango esclarece que a sociedade civil angolana não está...
Duration:00:08:30
França: "o cenário mais provável vai ser a dissolução do parlamento e novas eleições"
8/26/2025
Nesta segunda-feira, o Primeiro-Ministro francês, François Bayrou, anunciou a intenção de se submeter à votação de uma moção de confiança no Parlamento a 8 de Setembro, no âmbito da discussão do seu plano de rigor prevendo poupanças de 44 mil milhões de Euros. Este plano cujo intuito declarado é lutar contra o défice Record do Estado francês tem levantado objecções não só por parte da oposição, como dos sindicatos que apelam a uma greve geral a 10 de Setembro.
Com um défice de 5,8% do seu Produto Interno Bruto, ou seja praticamente o dobro dos 3% autorizados ao nível da União Europeia, a França tem actualmente a terceira dívida pública mais importante, a seguir à Itália e à Grécia, ao nível da Zona Euro.
Para remediar a esta situação, no seu projecto de lei de finanças para 2026, Bayrou propôs nomeadamente congelar as prestações sociais, bem como os escalões dos impostos, sem ajustamento à inflação, ou ainda suprimir dois dias feriados, o que desde logo encontrou uma forte oposição.
Perante uma quase inevitável moção de censura e uma sanção da rua, com sondagens a indicar que 84% da população é contra o seu plano, Bayrou apostou ontem numa moção através da qual pretende que fique assente a necessidade de uma reforma ao nível da gestão das contas públicas.
Mas a aposta, para já, fracassou, com os partidos de esquerda e também a extrema-direita a dizerem de antemão que vão rejeitar a moção de confiança.
Todos os cenários estão, por conseguinte em aberto, diz o professor de economia na universidade de Paris Dauphine, Carlos Vinhas Pereira, ao dar conta de um contexto económico difícil.
RFI: Como está a economia da França neste momento?
Carlos Vinhas Pereira: Em termos de endividamento não pode haver pior. Ou seja, estamos com quase 6% do PIB. Em termos de endividamento, houve um aumento enorme por vários factores, o covid e as medidas sociais que foram tomadas pela França. E hoje em dia estamos com 3.300 mil milhões Euros de endividamento e estamos neste momento simplesmente a pagar os juros. Estamos com 50 mil milhões, que é o segundo orçamento do Estado francês. Ou seja, em termos de pagamento da dívida, só unicamente os juros. Portanto, podemos dizer que esta situação, efectivamente, começa a ser alarmante. Mesmo em termos de poder continuar a pedir créditos, porque os actores internacionais, claro, que vêem esta situação e que os dados económicos, o crescimento da economia francesa e o orçamento não estão em adequação. Ou seja, continuamos a ter défices orçamentais. O Governo exprimiu o facto de que precisa de 40 bilhões e o objecto do próximo orçamento que ele queria apresentar e que afinal já sabia que seria com certeza chumbado, porque não tem a maioria, simplesmente por isso. E antes de ter um voto negativo durante o orçamento, decidiu pedir a confiança dos deputados numa audiência extraordinária. E assim seria "ou fazem confiança e continua, ou não fazem confiança e nem vai apresentar o orçamento."
RFI: As opções que ele apresentou nestas últimas semanas de, por exemplo, congelar as prestações sociais, de desistir de dois dias feriados e de eventualmente também haver a possibilidade de "comprar" a quinta semana de férias anuais, isto suscita a oposição não só dos sindicatos como da própria população. Isto era uma opção acertada para combater este défice orçamental? Ou havia outras hipóteses?
Carlos Vinhas Pereira: Havia outras hipóteses, claro. A opção que ele tomou, foi uma opção para ver se conseguia ir recuperar dinheiro, tentar reformar o Orçamento do Estado. Ou seja, neste tipo de orçamento não há nenhuma poupança. Não há poupança no funcionamento do Estado. Não há poupanças em termos sociais. Só podemos dizer impostos. Ou seja, de uma certa maneira, quando se faz este tipo de propostas é simplesmente para não estar a fazer as reformas que são necessárias ao nível do governo francês, porque senão não resolvemos a situação da França, ou seja, o facto de ter um défice estrutural. Não haverá maneira de...
Duration:00:11:18
RAEGE conecta os Açores ao estudo global das placas tectónicas
8/25/2025
Valente Cuambe é um dos rostos da investigação em Santa Maria, nos Açores. Natural de Moçambique, chegou à ilha há quase quatro anos, integrado no projecto RAEGE - Rede Atlântica de Estações Geodinâmicas e Espaciais. O astrofísico coordena a investigação em rádio-astronomia e a geodesia espacial, área que mede o movimento das placas tectónicas e fornece sistemas de referência essenciais para tecnologias como o GPS.
A escolha de Santa Maria não foi por acaso: “A ilha tem o privilégio de ter estes equipamentos que acredito serem únicos em Portugal Continental. E eu tenho a sorte de fazer parte do grupo de investigadores que explora esta área da ciência aqui.”
A estação integra uma rede internacional, com antenas espalhadas pela Europa, Estados Unidos, Ásia, Austrália e África do Sul. O objectivo é medir com elevada precisão o afastamento e o movimento das placas tectónicas. “Aqui há uma junção tripla de placas tectónicas. Colocando antenas em diferentes placas, conseguimos estudar o afastamento ou o ajuntamento delas. Usamos uma técnica chamada de linha de base muito longa, que permite correlacionar sinais recebidos por antenas distantes ao observar fontes extragalácticas.”
A informação recolhida é fundamental. “Usamos isto como sistemas de referência. Precisamos de pontos fixos para medir distâncias. É a base do funcionamento do GPS. Nós fornecemos essas referências internacionais para que os sistemas consigam medir correctamente.”
Além da geodesia, a estação em Santa Maria tem vindo a provar o seu valor na rádio-astronomia. A antena de 13 metros mede radiação entre os 12 e os 14 gigahertz e permite observar buracos negros supermassivos e regiões de formação de estrelas. “Recentemente submetemos o nosso primeiro artigo para publicação. Queremos provar à comunidade científica que estes equipamentos também servem para fazer rádio-astronomia olhando para o espaço, para além da geodesia espacial”, salientou.
Questionado sobre um possível regresso a Moçambique, o investigador é claro: “não está em cima da mesa, não só porque Moçambique não tem esse tipo de capacidade, como também os Açores precisam de potenciar a investigação. Santa Maria é privilegiada por contemplar estes equipamentos.”
Duration:00:08:18
As dificuldades de uma "companhia de passagem" no Festival de Teatro de Aurillac
8/24/2025
Como é actuar num mega-festival europeu de artes de rua, com mais de 700 espectáculos diários numa cidade de 26.000 habitantes que, em quatro dias, junta acima de 150 mil pessoas? As expectativas de encontrar produtores e programadores no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França, são grandes, mas o desafio financeiro é imenso para a maior parte das 640 “companhias de passagem” que participam à margem do programa oficial. Foi o caso da companhia portuguesa “Seistopeia” que nos contou a sua aventura, expectativas e dissabores relativamente à participação no festival que terminou este sábado.
RFI: De que falam os espectáculos que trouxeram a Aurillac?
Vítor Rodrigues: “A primeira peça que trouxemos foi ‘Soul Trio’, que é inspirado no ‘Soul Train’, que era um programa dos anos 70, em que havia muitos bailarinos, um apresentador muito charmoso. Então, nós decidimos criar esta peça inspirada nesse programa em que os nossos personagens também são bailarinos e dizem-se os salvadores das festas e os salvadores da alma das festas. Eles vêm tentar trazer a alegria às ruas.”
E depois vão deambular por elas…
Vítor Rodrigues:“Exactamente porque não é um espectáculo, na verdade, é uma performance. A ideia desta performance não é que as pessoas párem a nossa beira para ver ali alguma coisa muito concreta. É só que se sintam ali energizadas, de alguma forma, e que batam um bocadinho o pezinho, dancem um bocadinho connosco, que sorriam um pouco. A segunda peça é ‘Os Irmãos Fumière’.”
Marisa Freitas: “Chama-se ‘Irmãos Fumière’, é inspirada nos irmãos Lumière e é uma peça inspirada no cinema mudo, em que se quer trazer aquelas memórias antigas do cinema, que também está muito próximo do teatro físico e, portanto, continua dentro da linguagem da Seistopeia, e é uma peça que traz animação e boa disposição ao público.”
O facto de a apresentarem em França, na terra dos irmãos Lumière, traz algo especial?
Marisa Freitas: “Ela é muito recente, é uma estreia internacional, é a primeira vez que estamos a fazê-la fora de Portugal e senti que o público mal nos viu reconheceu logo que éramos dessa altura do cinema mudo. Foi bastante positivo.”
Inês Jesus: “Tivemos o apoio da GDA, que é uma fundação portuguesa que apoia diversos espectáculos e apoia desde a criação a circulação dos projectos internacionalmente. No nosso caso, o apoio foi para a criação, foi para podermos montar este espectáculo.”
Como é estar no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac no meio de 640 “companhias de passagem”? Como é em termos de apoios? Como correu?
Marisa Freitas: “Nós devemos começar por dizer que isto é um investimento nosso, actores e pessoas, nem sequer a companhia tem poder económico para financiar a viagem até cá. Portanto, é um esforço colectivo. Nós os quatro juntámos dinheiro, juntámo-nos e viemos. Em termos de apoio da organização, sentimos um bocado de abandono porque não há um espaço específico ou suficiente para o artista, por exemplo. Eles sabem que algumas companhias de passagem vêm com tenda e não há um espaço só para as companhias. As companhias acampam - e nós estamos a acampar - juntamente com o público. Depois é público que uns são mais diurnos, outros são mais nocturnos e levamos com os barulhos de todos eles. Os que acordam de manhã acordam-nos, os que vêem mais espectáculos à noite não nos deixam dormir. Faltam casas-de-banho nessa zona também para o público porque estamos à beira de duas pastilhas.”
“Pastilles” que é o nome dos espaços de actuação…
Marisa Freitas:“Sim. Exacto. As zonas de actuação são 'as pastilhas'. Há um descuido que eu sinto para com o artista e também para com o público. Há uma casa-de-banho num espaço onde há dois palcos e todas as manhãs acordamos com, pelo menos, 50 ou 100 pessoas à espera para ver um espectáculo.”
O Vítor também se sente um pouco abandonado pelo festival?
Vítor Rodrigues: “Sim, de certa forma. Uma coisa que me deixou um pouco chateado foi que nós temos que pagar...
Duration:00:10:26
A imaginação não tem limites na viagem à infância de Renato Linhares
8/23/2025
O coreógrafo e bailarino brasileiro Renato Linhares levou a performance “SHAMPOO [Autobiografia do Chão]” ao Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França, que decorreu de 20 a 23 de Agosto. É sobre rodas que ele conta a sua história, cruzando dança, circo, teatro, patinagem artística e muito movimento ao ritmo de música ao vivo e de ruídos que cria com os objectos inesperados que arrasta. Tudo parte de uma memória de infância: as esculturas de sabão e os penteados de senhora que fazia no chuveiro. “Um manifesto” a lembrar o poder da imaginação das crianças, diz Renato Linhares.
RFI: Como é que descreve a peça “SHAMPOO [Autobiografia do Chão]”?
Renato Linhares, Coreógrafo e bailarino: “É um espectáculo sobre rodas. Eu faço o espectáculo todo sobre patins. A patinagem artística é uma modalidade, uma fisicalidade que eu tenho no meu corpo desde que sou muito pequeno. Comecei a patinar com dez anos em Porto Alegre, que é a cidade onde eu nasci. Patinei durante nove anos profissionalmente e fui esse tipo de criança que não teve infância, que passou a vida inteira dedicado ao desporto. Durante a pandemia, eu resolvi voltar a patinar e comprei uns patins para sair de casa, pegar ar, voltar a exercitar-me, fazer alguma coisa que não fosse encerrado dentro de casa. Quando eu fiz esse regresso, esse tipo de movimentação, eu comecei a imaginar esse espectáculo.
A coisa toda gira em torno de uma imagem da minha infância, que é uma memória. Eu, muito pequeno, com seis ou sete anos, tinha um cabelo comprido e ficava, como muitas crianças, fazendo penteados com champô. Fazia coques altos, fazia actrizes de novela, de cinema, fazia os cabelos da minha mãe e da minha irmã, sempre cabelos de personagens femininos, de mulheres. Eu já tinha a consciência de que aquele mundo se encerrava ali. Foi quando eu comecei a poder tomar banho sozinho.
Era um lugar onde eu podia imaginar, onde a minha imaginação ia mais longe do que eu podia exercer na minha vida. Então, foi a partir dessa imagem que era produzida dentro do banheiro, esse jogo, essa brincadeira de criança que depois se desfazia com a janela aberta porque o vapor levava a existência daquele mundo. Quando eu saía do banho, eu já não podia mais ser, de certa forma, aquela criança. E eu resolvi fazer um espectáculo."
Um regresso à infância e uma grande brincadeira em palco?
"Um manifesto também. Lembrar que a criança pode imaginar tudo. Que tolos somos nós de pensar que elas estão restritas à nossa imaginação ou àquilo que a gente as permite imaginar, ou que a gente sonha que elas imaginem ou que a gente deseja que elas imaginem. Elas estão imaginando coisas incríveis. Um mundo em destruição elas são capazes de entender qualquer coisa, de vislumbrar qualquer mundo. Então, é uma espécie de manifesto: deixem as crianças imaginar o que elas quiserem, isso não faz diferença, pelo contrário, quanto mais a gente puder imaginar e não precisar realizar certas coisas, penso que pode ser melhor."
Para recriar esse imaginário, recorre a vários objectos inesperados, nomeadamente os plásticos. Quer-me falar dessas escolhas?
"Sim, foi uma escolha bastante prática. Quando você patina, por causa da velocidade que o corpo é capaz de criar, você produz vento. Então, desse sistema, dessa tecnologia que os patins produzem, eu fui pensando em coisas. Comecei a encher um saco desses de supermercado e fui brincando com ele, vendo. Olha, o ar entra, o ar fica por causa da velocidade dos patins eu sou capaz de inflar sacos muito grandes. Comecei a produzir esses infláveis, há um que tem 19 metros, outros de 15 metros de comprimento e três de largura. Eu faço esses grandes banhos de espuma, grandes banheiras, grandes nuvens, pensei naquilo que flutuava no ar, por motor.
Comecei a trabalhar e a pesquisar formas com materiais plásticos e, aos poucos, fui vendo que patinar era também fazer desenhos coreográficos no chão. Eu fui vendo que também estava construindo uma história que se passava no...
Duration:00:09:20
Marina Guzzo abriu “espaço para contemplação” da natureza no Festival de Aurillac
8/23/2025
A 38ª edição do Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac homenageou o Brasil, com vários criadores brasileiros no programa oficial. A artista Marina Guzzo apresentou “Mistura”, um atelier performativo que se transformou num desfile "profano e sagrado" com muitas plantas, cores e brilhos. Mais de vinte personagens, alegorias de uma outra forma de habitar o mundo, deambularam pelas ruas da cidade em passo lento e contemplativo, acompanhado por murmúrios que convidaram a uma pausa colectiva. “Este é um projecto que nasce de um desejo de cultivar a beleza da contemplação que as plantas ensinam”, resume a artista, para quem “a contemplação é uma resistência política”.
Foi um atelier performativo que explorou as relações coreográficas e rituais entre pessoas e plantas. Foi também um laboratório sensorial onde se inventaram outras formas de habitar o mundo e gestos lentos que travaram o frenesim das vidas contemporâneas. Tudo começou com um atelier comunitário durante uma semana e terminou numa experiência performativa colectiva no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França. Este foi um espaço para simplesmente “cultivar a beleza que as plantas ensinam”, contou à RFI Marina Guzzo. Inspirada pela lentidão e quietude, a artista convidou os participantes a criarem uma “comunidade provisória” para procurarem “a beleza da vida” na relação com uma natureza cada vez mais fragilizada e domesticada. Juntos, foram criando o que Marina Guzzo descreve como “coreografia vegetal”, que consiste em “olhar para si e pensar como se mover num outro tempo e com uma outra pele vegetal”. No dia do desfile, houve uma deambulação pelas ruas da cidade, num gesto artístico colectivo que reivindicou “um tempo lento e de contemplação” e uma “mistura com a natureza”. É que, diz Marina Guzzo, nos dias de hoje, “abrir um espaço para a pausa e para a contemplação é uma resistência política”.
RFI: Em que consiste a “Mistura” que apresentou no Festival de Aurillac?
Marina Guzzo, Artista: “Este é um projecto que nasce de um desejo de cultivar a beleza da contemplação que as plantas nos ensinam. É inspirado na possibilidade de a gente se tornar outra coisa mais que humana. Ele nasceu num momento muito duro da minha vida pessoal, da vida do planeta que foi a pandemia. A gente estava confinada em casa e eu comecei a passear, com a minha filha pegar em flores e também pegar e tirar as roupas guardadas da festa que estavam no armário, os figurinos, os brilhos, os carnavais que estavam guardados e quietos. Aí comecei esse jogo de misturar plantas e roupas e brilhos e memórias de uma beleza mais para além do que é uma vida quotidiana e muito veloz desse tempo da produtividade, muito inspirada pela possibilidade de uma lentidão, de um descanso, de uma quietude que a gente tem quando a gente está perto das plantas, na natureza, na floresta. E aí este projecto começou a tornar-se nesta oficina performativa.”
Como é que funcionou o processo criativo, nomeadamente aqui em França?
“Aqui no festival, a gente fez uma chamada aberta para participantes. A gente fez uma semana de trabalho intenso para construir estas figuras a partir de um acervo que eu já trago, que é um acervo que se vai construindo nos lugares que eu vou passando, das plantas que têm aqui em Aurillac e do desejo também das pessoas de se transformarem. Então é uma prática colectiva de montagem desses seres mais que humanos.”
Quem são esses seres?
“Eles são misturas, são seres encantados também. Há um pouco de encanto, de alegria, de beleza, de cor. É um pouco estranho, mas é engraçado, um pouco profano, mas também é um pouco sagrado no sentido de que a natureza é sagrada. Também tem um trabalho corporal e coreográfico de busca desse tempo lento, dessa coreografia vegetal. Durante todos estes dias, a gente trabalhou o que eu chamo de coreografia vegetal, que é olhar para si e pensar como se mover num outro tempo com uma outra pele vegetal.”
Hoje em dia as pessoas estão...
Duration:00:10:37
Clarice Lima plantou um mundo do avesso no Festival de Teatro de Aurillac
8/22/2025
A coreógrafa brasileira Clarice Lima plantou florestas efémeras e viradas de pernas para o ar no Festival de Teatro de Rua de Aurillac. “Bosque” é uma peça contemplativa de um mundo do avesso que quer despertar preocupações ecológicas e “desacelerar a dopamina e rapidez do mundo”.
É no silêncio que uma floresta nasce do asfalto, ergue-se pelos ares e desafia a força da gravidade. Mas aqui são pessoas que estão de pernas para o ar numa suspensão e movimentos muito lentos. Vestidos com saiotes volumosos e coloridos, os intérpretes personificam uma natureza poderosa, mas também frágil. Quanto tempo consegue o corpo aguentar ao contrário? Quanto tempo a floresta consegue resistir e até que ponto o mundo está do avesso e o que fazer com isso? Esse parece ser o mote da peça “Bosque”, da coreógrafa brasileira Clarice Lima, apresentada no Festival de Teatro de Rua de Aurillac, em França, e que também vai à Bienal de Dança de Lyon.
A RFI falou com a coreógrafa que nos lembrou que “dança e arte é aproximar mundos e fazer alianças com outras pessoas”, mas também que “a arte tem o poder de imaginar e criar outros mundos”. Clarice Lima planta um bosque humano como “uma ocupação” de um espaço que convida as pessoas a parar e pensar.
RFI: Que “bosque” é este que traz ao Festival de Aurillac?
Clarice Lima, Coreógrafa: “Esta pesquisa é uma pesquisa bem antiga que eu já venho desenvolvendo há alguns anos. O “Bosque” finaliza essa trilogia. Ele traz essa ideia dessa paisagem em movimento, uma paisagem que a gente cria na cidade, com as pessoas na cidade e que, assim como a natureza, ela é viva. A gente entende que esses movimentos do nascer e do morrer estão conectados e só com a colaboração colectiva a gente vai conseguir fazer alguma coisa.”
Há uma mensagem ecológica fortíssima…
“Sim. Eu acho que é um assunto muito importante, que a gente tem que estar pensando sobre isso o tempo inteiro e é uma performance muito simples. Então, como é que a partir de uma simplicidade e do tempo que ela dura, a gente pode trazer essa reflexão para o público.”
Por que é que escolheu colocar os seus bailarinos de pernas para o ar e ficar tudo em silêncio?
“Para mim, é uma imagem dessa árvore invertida, como se fosse uma árvore de cabeça para baixo. Sempre me encantou essa imagem do corpo invertido porque sempre me faz pensar se é o corpo invertido ou o mundo que está de cabeça para baixo. Eu acho que isso desafia a normalidade, a forma como a gente vê o corpo e também nos faz abrir outras percepções, faz também trazer o tema da resistência física, como essa resistência que a gente precisa de ter.”
Na peça, a resistência física é encarnada pelas pessoas, mas são as pessoas que estão a fragilizar o planeta…
"Sim. Então como é que a gente consegue entender que as pessoas e a natureza é a mesma coisa, que não são coisas separadas e que a natureza não está aí em função da gente, mas que somos uma coisa só. Por isso é importante a gente da gente mesmo, cuidar do lugar que a gente é.”
É uma performance que tem vários intérpretes. Quantos são e o dispositivo vai mudando de cidade para cidade?
“A gente viaja com uma equipa de quatro pessoas. Sou eu, as assistentes Aline Bonamin e Nina Fajdiga que também fazem a performance, e a Catarina Saraiva, que é a dramaturgista. A gente, junto com a população local, monta o bosque e é sempre pensando em pessoas não profissionais para não precarizar o mercado da dança e voluntários que saibam fazer a parada de cabeça porque isso aproxima a gente que não tem experiências em práticas artísticas e performativas, mas que têm esse superpoder de ficar de cabeça para baixo.
O que acontece é que a gente aproxima gente muito diferente. Tem gente do yoga, do circo, da capoeira, do hip hop que, porque têm essa coisa muito específica de saber ficar de cabeça para baixo, a gente aproxima mundos. Eu acho que dança, a arte é aproximar mundos e fazer alianças com outras pessoas e muitas delas acabam tendo a primeira experiência...
Duration:00:10:22
Fábio Osório Monteiro cozinha política e memórias no Festival de Aurillac
8/21/2025
O coreógrafo e bailarino brasileiro Fábio Osório Monteiro apresenta a performance “Bola de Fogo” no Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França. Este é um espectáculo que junta dança, histórias e preparação ao vivo de uma iguaria culinária afro-baiana chamada acarajé, que o artista diz cozinhar com o “ingrediente da saudade”. Acarajé é também sinónimo de legado e resistência, uma “comida sagrada” e muito política.
O Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac, em França, que arrancou esta quarta-feira e decorre até sábado, tem no programa oficial vários artistas brasileiros no âmbito da temporada cultural França-Brasil. Neste programa vamos conhecer o coreógrafo, bailarino e baiana de acarajé Fábio Osório Monteiro que falou com a RFI depois de ter fritado acarajé para as dezenas de pessoas que assistiam à sua peça.
RFI: O que é esta “Bola de Fogo” que fala sobre tanta coisa e que acaba numa panela?
Fábio Osório Monteiro, Coreógrafo e bailarino: “Bola de Fogo é uma performance. Ela surgiu no momento em que eu, como artista, estava tendo dificuldade de me sustentar, de subsistência. Como estava começando a aprender a fazer acarajé, surgiu a oportunidade. Comecei a me aproximar desse alimento tão tradicional em Salvador, na minha cidade, que a gente vê em cada esquina. Eu cresci comendo isso, então foi muito forte, em determinado momento da minha vida, encontrar com esse alimento e tirar dele a minha subsistência, o o que acabou gerando “Bola de Fogo” que é esta performance. Falo sobre os meus afectos, memórias, relações familiares, muita história relacionada ao meu pai, a minha mãe, muito questões políticas também, como filosofia e pensamento de progressista para o mundo. Então, é um trabalho em que eu vou passeando por desejos meus pessoais e desejos meu para o mundo, através do alimento que é o acarajé, que é uma comida sagrada, uma comida de Orixá, para quem é do candomblé. Sem dúvida, foi dos trabalhos que mais me tocam pessoalmente.”
Cozinhar é político?
“Muito, porque a gente entende a comida não só como uma coisa que vai nutrir. A comida alimenta, a comida vai nutrir as suas células, mas tem também uma carga simbólica, política e afectiva que vai-te nutrir de outras coisas. Vai-te nutrir de outras referências, de outras emoções. Isso também te alimenta.
O acarajé, que é a comida que eu levo para a vida e que eu faço em Bola de Fogo, eu acredito que ao fazer uma peça sobre o acarajé e, no final, poder servir as pessoas para comerem acarajé, dá para entender como o sabor do dendê pode ser tão político e afectivo, para além de nutritivo.”
Também dá sustento ao corpo. O corpo que é um tema omnipresente ao longo da peça, quer naquilo que diz, quer na forma como dança e como se apropria do espaço público…
“Ele dá um sustento para o corpo e em especial, falando do acarajé, para o corpo preto, para o corpo da pessoa negra, essas mulheres que iam para a rua vender no início do século XIX, para ter dinheiro para comprar liberdade, alforria, de um marido, de um filho, de um irmão. É uma comida que está literalmente implicada no corpo. O fazer da baiana do acarajé está implicado no corpo dela. Então, ao levar esse trabalho com uma ideia de performatividade, é um corpo público. Eu estou ali em cena, mas acho que o meu corpo, ele traz-me, de alguma forma, a representação de muitos outros corpos, outras pessoas negras, outros brasileiros, outros nordestinos. Eu arrisco dizer que o corpo em bola de fogo, o meu corpo e o acarajé, é um corpo plural.”
Também fala da conversa que teve com o seu pai sobre a sexualidade. E mais uma vez, estamos nas questões do corpo e da liberdade ou falta dela.
“Ou falta dela. É sempre difícil porque a minha relação com o meu pai sempre foi muito maravilhosa, com essa questão, com esse ruído entre a gente. Esse reencontro que a gente teve, que a gente voltou a se aproximar, também é através de bola de fogo, deste espectáculo, desta performance. Ao levar essa comida para a...
Duration:00:11:23
Festival de Aurillac foi ocupado pela “dança luta” das revoltas estudantis no Brasil
8/21/2025
O espectáculo “Quando Quebra Queima”, da companhia brasileira “ColectivA Ocupação”, levou as revoltas estudantis de São Paulo, em 2015, para um liceu francês e para as ruas do Festival Internacional de Teatro de Rua de Aurillac. Palavras de ordem, dança, canto e música mostraram uma “dança-luta”, uma “coreografia de protesto” e um “coro combate” que reactivaram protestos de ontem e ecoaram com revoltas de hoje. A companhia levou “as ruas para dentro da cena e tornou a rua numa cena”, nas palavras da encenadora Martha Kiss Perrone. O público também participou e repetiu slogans numa ocupação colectiva e festiva do espaço público e do teatro.
Tudo começa no pátio de um liceu, na cidade que acolhe o Festival de Teatro de Rua de Aurillac. O público é convidado a ocupar as cadeiras que existem e a distribuírem-se pelo espaço onde vao interagir com os intérpretes. Esses recordam tempos que viveram durante as ocupações estudantis de 2015 em São Paulo, no Brasil, e falam de injustiças sociais de então e que perduram. Os actores-bailarinos-manifestantes mobilizam dança, canto, música, correm, saltam barreiras, exibem fotografias, fazem os espectadores repetir palavras de ordem e incitam-nos a ocupar o espaço político que o teatro também comporta. A peça desenrola-se num liceu, mas acaba invadindo as ruas da cidade, numa grande manifestação colectiva, festiva e poética.
Martha Kiss Perrone, encenadora de “Quando Quebra Queima”, esteve à conversa com a RFI no final da peça.
RFI: Como descreve “Quando Quebra Queima”?
Martha Kiss Perrone, Encenadora de "Quando Quebra Queima” : “A gente desenvolveu algumas novas ideias e vocabulários sobre teatro. Esse espetáculo é uma dança luta que é uma coreografia de manifestação, que é um coro combate. Então, é um espetáculo onde a gente não representa uma luta, mas a gente é, em si, uma manifestação, uma luta, uma festa. É uma feitura de teatro que desloca o que aconteceu nas ruas para dentro da cena e torna a cena numa rua.”
Há a pretensão de também revolucionar, de certa forma, o teatro?
“Sim. A ideia da ocupação que, em 2015, aconteceu dentro das escolas, ela também acontece dentro da linguagem. Então, a própria linguagem das artes cénicas, do teatro, da dança e tudo o que envolve as artes performativas também é ocupada e transformada por essa luta.”
Como é que se transforma em dramaturgia essas lutas que habitualmente estão nas ruas?
“Primeiro, a dramaturgia nasce da experiência. Ela nasce dessas pessoas, desses secundaristas que hoje são artistas, e das vivências deles. São atores, performers, dançarinos que são autores da dramaturgia. Ela não está baseada somente na palavra, mas primeiro numa experiência política e depois numa experiência poética que é sobretudo elaborada e criada pelos artistas em cena.”
A peça é co-criada com o público? Há essa intenção de trazer o público para dentro do palco?
“Sim. Num primeiro momento, num processo de criação, ela nasce através das experiências pessoais, biográficas e que são coletivas. Num segundo momento, quando a gente recebe o público, elas são transformadas. Então, não é um espetáculo para o público, mas é um espetáculo com o público. Ele também é convidado a fazer parte dessa manifestação. Tanto é que esta noite a gente pôde ver isso, o público mais do que interagiu, ele também é sujeito da história. Ele também se sente muito livre para se manifestar, para falar, para dançar e também agir.”
Sentiu-se um lado extremamente político e politizado, que contagiou o público. O objectivo também é esse?
“Sim, mas não é só um objetivo, é um estado de vida onde a política é feita de corpo, de subjectividade, de jogo, de conexão com o outro. Então, ela não é uma ideia, mas é uma poética da relação, como diz o Glissant.
Em termos de denúncias e de utopias e poéticas, quais são as principais linhas de força do espectáculo?
“As linhas de força deste espectáculo, eu acho que é uma pergunta que a gente faz no final. A última fala do espectáculo é “o que...
Duration:00:10:13
Angola: “Se nada for feito, o que aconteceu em Julho vai voltar a acontecer”
8/20/2025
Entre 28 e 30 de Julho, os protestos em Luanda contra o aumento dos combustíveis fizeram 30 mortos e revelaram a frágil situação de três milhões de jovens angolanos desempregados. O economista angolano, Francisco Miguel Paulo, sublinha que muitos nem têm emprego informal e alerta para a necessidade de medidas de formação profissional. Adverte que, sem acção, a instabilidade social pode repetir-se, mas garante que “há dinheiro e é possível ocupá-los”.
Entre 28 e 30 de Julho, Luanda viveu protestos violentos contra o aumento do preço dos combustíveis, que resultaram em 30 mortos, mais de 200 feridos e 1.500 detenções. A tensão social pode estar ligada a um dado preocupante para investigadores, segundo o Instituto Nacional de Estatística, cerca de um milhão de jovens na capital, e três milhões em todo o país, não estudam nem trabalham.
O economista e investigador do Centro de Estudos de Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, Francisco Miguel Paulo, explica que os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística consideram como empregados também aqueles que trabalham no mercado informal. No entanto, sublinha, há jovens que nem sequer conseguem esse tipo de ocupação precária. “Esses jovens não têm emprego informal, ou seja, nem dispõem de dinheiro para iniciar um pequeno negócio. Não trabalham, não estudam e não é por falta de vontade, mas porque não existem oportunidades reais para trabalhar ou estudar”, afirma.
O economista acrescenta que “não é fácil conseguir lugar para estudar em Luanda ou em Angola em geral” e lamenta que “esses jovens sejam quase que marginalizados de toda a política social e económica do governo”. Afirma mesmo: “Não conheço nenhum programa do governo ou nenhuma política que tenha em mente essa franja de jovens de 15 a 24 anos que não trabalham e que não estudam. Mas isso pode ser feito, apesar da crise. Ainda há dinheiro para isso. É possível ocupar esses jovens".
Para o economista, a solução passa pela formação profissional, aproveitando recursos já existentes. “Temos o Ministério do Emprego e Segurança Social, temos as escolas e centros de formação profissional públicos que estão em todos os municípios do país. Há empresas privadas disponíveis para dar formação de pedreiro, electricidade, canalização, coisas simples, mas que ajudam os jovens a serem empregáveis. Temos que formar esses jovens e há dinheiro para isso. Mas agora, se há vontade política, é outra questão”.
O investigador alerta também para o peso da economia informal: “Da força de trabalho em Angola, dos 12 milhões, 10 milhões estão no mercado informal, só 2 milhões estão no mercado formal. Desses 10 milhões, boa parte são agricultores. Aliás, 50% da força de trabalho que está no informal são agricultores”. Essa realidade, alerta, levanta problemas sérios no futuro: “Não pagam segurança social e, quando aos 60 anos estão cansados, como é que resolvemos essa situação? O governo podia muito bem fazer com que a segurança social cubra isso, como fez com os antigos militares desmobilizados. Mas infelizmente há poucos programas sociais com impacto na sociedade”.
A inactividade juvenil, adverte, tem efeitos directos na segurança e estabilidade do país. “Se nada for feito, o que aconteceu no 28 e 29 de Julho vai voltar a acontecer frequentemente, porque esses jovens não têm nada a perder, já não têm esperança, só têm a perder a vida e muitos deles passam fome”, descreve. “Às vezes precisam de 10.000, 5.000 kwanzas para começar negócios e nem têm esses valores. É uma insegurança para todo o país, porque nada justifica o vandalismo, mas também coloquemo-nos no lugar deles: o que é que eles têm de esperança?”
Segundo o economista, não é possível conter esta realidade apenas com repressão policial. “Se o governo continuar a chamá-los de vândalos e não entender a situação deles, não há efectivos da polícia ou militares que vão conseguir combater. Eles são um milhão só em Luanda. Em todo o país são cerca de três milhões....
Duration:00:06:40
Guerra na Ucrânia entre incertezas e pressões internacionais
8/19/2025
A reunião desta segunda-feira, 18 de Agosto, na Casa Branca entre Zelensky, Trump e líderes europeus resultou em avanços diplomáticos. Donald Trump adoptou uma "postura errática" e centrada em prestígio pessoal, descreve a investigadora Sandra Dias Fernandes, enquanto Moscovo intensifica ataques para negociar com a força. Há sinais de abertura, mas a paz definitiva está distante e o risco de impasse permanece igual.
A reunião que juntou esta segunda-feira, 18 de Agosto, na Casa Branca o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o Presidente norte-americano e vários líderes europeus foi apresentada como um passo em direcção à paz, mas acabou por revelar também contradições e incertezas. A pressão de Washington para acelerar um acordo de cessar-fogo com Moscovo incluiu a hipótese de concessões territoriais por parte de Kiev, rejeitada de imediato por Volodymyr Zelensky. Ainda assim, abriu-se a possibilidade de um encontro directo entre Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin.
Três anos e meio depois do início da invasão russa, a guerra na Ucrânia encontra-se numa encruzilhada: há sinais de reactivação da diplomacia internacional, mas o conflito mantém-se no terreno. Moscovo intensificou os bombardeamentos nas últimas semanas, mostrando que não pretende chegar às negociações em posição de fraqueza.
Segundo a investigadora Sandra Dias Fernandes, do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho, “percebem-se bem as condições de Putin e compreende-se a posição de Zelenskye e dos europeus, mas não se sabe o que querem afinal os norte-americanos”. Para a especialista, o grande problema reside na “liderança errática” de Donald Trump, que “muda frequentemente de opinião e de posicionamento desde que chegou ao poder”.
Na sua perspectiva, Donald Trump não encara a integridade territorial da Ucrânia como um princípio central, mas sim como uma variável de negociação. “Para Donald Trump, o essencial é mostrar que consegue calar as armas. Ele quer apresentar-se como alguém capaz de pôr fim ao conflito rapidamente, chegando mesmo a ambicionar ser proposto para o Prémio Nobel da Paz”, sublinha a investigadora. A promessa inicial de resolver a guerra em 24 horas, recorda, “já foi dilatada várias vezes; primeiro para 100 dias, depois com sucessivos ultimatos a Putin, revelando uma diplomacia marcada mais pela vaidade pessoal do que por preocupações de justiça ou proporcionalidade”.
A questão mais delicada das conversações prende-se com a possibilidade de cedências territoriais. A Rússia controla actualmente cerca de 20% do território ucraniano, incluindo a Crimeia. Para Sandra Dias Fernandes, trata-se de uma imposição de facto: “A Rússia controla hoje, pela força, territórios soberanos da Ucrânia. O que Zelensky poderá procurar é um cessar-fogo que aceite provisoriamente essa ocupação, tentando depois reconquistar esses territórios por via política.”
Ainda assim, a investigadora considera perigoso que se aceite formalmente essa cedência: “Isso seria não apenas problemático para Kiev, mas para toda a ordem internacional. Legitimaria o uso da força para alterar fronteiras e abriria um precedente gravíssimo”.
Entretanto, o Presidente francês procura reposicionar a Europa como actor relevante, defendendo uma cimeira em Genebra e insistindo em garantias de segurança sólidas para Kiev. Nesse campo, a especialista vê um contributo concreto dos europeus: “O que podem trazer de essencial é precisamente essa garantia. Quando as armas se calarem e a linha de combate for congelada, é preciso que a Ucrânia tenha meios para garantir que a Rússia respeitará o cessar-fogo. É aí que a presença europeia pode fazer a diferença.”
Este reposicionamento é já, em si, um avanço. “Até Julho, Donald Trump já não escutava sequer a visão europeia sobre o conflito”, recorda a investigadora. “O facto de Zelensky ter conseguido trazer líderes europeus à Casa Branca e recolocar a voz da Europa na discussão representa um resultado diplomático...
Duration:00:09:10
Como olham os guineenses para a expulsão dos jornalistas portugueses?
8/18/2025
Como vão resistir as relações diplomáticas entre Lisboa e Bissau depois da expulsão dos jornalistas portugueses e do encerramento das emissões da RTP África, RDP África e Agência Lusa? Como olham os guineenses para a decisão do Presidente Umaro Sissoco Embaló três meses antes das agendadas eleições presidenciais? Para conversar sobre o tema convidámos o analista e investigador Rui Jorge Semedo.
As delegações da agência Lusa, da RTP e da RDP têm até esta terça-feira para deixarem a Guiné-Bissau, de acordo com a ordem de expulsão do governo tornada pública na sexta-feira. Não foram avançadas razões para a decisão e, este domingo, em Cabo Verde, o Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, recusou explicar os motivos da expulsão, dizendo que o problema é entre a Guiné-Bissau e Portugal.
Na sexta-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português repudiou a expulsão dos orgãos de comunicação social portugueses, que classificou de “altamente censurável e injustificável” e convocou o embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa para dar “explicações e esclarecimentos”.
Este domingo, até a porta-voz para a política externa da Comissão Europeia, Anitta Hipper, condenou, a decisão da Guiné-Bissau e falou em "restrição lamentável" à liberdade de expressão.
Como olham os guineenses para a expulsão dos jornalistas e corte das emissões, assim como para um eventual degradar das relações entre Lisboa e Bissau? “Com muita preocupação”, alerta o analista e investigador guineense Rui Jorge Semedo, falando em “tentativa de silenciamento da imprensa, neste caso particular da imprensa portuguesa”.
“Isso não é de agora. O que aconteceu foi resultado de um percurso de mau relacionamento entre o actual poder político com a imprensa. E o que acabou de acontecer com a imprensa pública portuguesa pode ser visto como o seu ponto mais alto”, começa por considerar o investigador.
Este domingo, em Cabo Verde, Umaro Sissoco Embaló rejeitou que a liberdade de imprensa esteja em causa na Guiné-Bissau e disse: "Podem ir à Guiné-Bissau e ver se está interditada a liberdade de expressão. Façam-me essa pergunta na Guiné-Bissau”.
No final de Julho, o delegado da RTP na Guiné-Bissau, Waldir Araújo, foi agredido e assaltado no centro de Bissau e disse que os agressores acusaram a RTP de "denegrir a imagem da Guiné-Bissau no exterior". As Direções de Informação da Rádio e Televisão de Portugal repudiaram a agressão e apelaram às autoridades uma urgente investigação.
A ordem de expulsão dos jornalistas portugueses acontece um mês depois de a Guiné-Bissau ter assumido a presidência rotativa de dois anos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), numa cimeira em que o Presidente português esteve ausente e em que Portugal esteve representado pelo chefe da diplomacia. Por outro lado, a expulsão dos jornalistas e fim das emissões é ordenada três meses antes das agendadas eleições presidenciais.
Rui Jorge Semedo lembra que a imprensa nacional e internacional “funcionam como holofotes para o mundo ver o que está a ser vivenciado na Guiné-Bissau” e questiona se “essa tentativa de silenciamento e de apagamento das luzes pode ser ligada com o avizinhar das eleições”.
“Há vários elementos que devem ser observados para podermos compreender o que pode estar por detrás dessa atitude do governo. Se é a mera atitude de repudiar o posicionamento do Conselho de Administração da RDP [ao pedir explicações sobre agressão a Waldir Araújo] ou se é uma estratégia para poder controlar a comunicação no período eleitoral para não permitir que o mundo saiba aquilo que está a acontecer durante o processo e também no dia do escrutínio. Portanto, há várias leituras que se podem fazer. Eu acho que vamos compreender isso talvez nos próximos dias ou nos próximos três meses que nos separam, de acordo com a comunicação oficial, das próximas eleições gerais”, conclui Rui Jorge Semedo.
As direções de informação da Lusa, RTP e RDP reagiram, em conjunto, à decisão do Governo guineense,...
Duration:00:12:17
Gaza: Diariamente são recolhidas “evidências que suportam a acusação de genocídio”
8/15/2025
“Gaza é um cenário apocalíptico”, as palavras são de Raul Manarte, psicólogo e trabalhador humanitário da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), acabado de regressar de uma missão de duas semanas no território palestiniano. Em entrevista à RFI, confirma que diariamente são recolhidas “evidências que suportam a acusação de genocídio: há matança em massa de civis, deslocações forçadas e um comprometimento total das condições básicas de vida”. Apesar do horror, questionado sobre o que mais o marcou nestas duas semanas, Raul Manarte sublinha a “generosidade dos colegas palestinianos”.
RFI: Que descrição é que pode fazer de Gaza neste momento?
Raul Manarte, MSF: Gaza é um cenário apocalíptico. Há certas zonas em que está tudo completamente destruído. Só há restos de estruturas, destroços. Não se vê verde. Não se vêem árvores.
Neste momento, não há acesso a comida suficiente, nem água suficiente, nem medicação suficiente. Portanto, as pessoas na rua, quando nos vêem passar, pedem comida.
Os hospitais públicos estão completamente sobrelotados. As pessoas estão no chão. Não há condições de higiene. Estão constantemente sobrelotados por incidentes com vítimas múltiplas devido à distribuição de comida da Gaza Humanitarian Foundation.
A organização liderada por Israel e pelos Estados Unidos.
Exactamente. Só em sete semanas, só nas nossas instalações, vindos desses sítios de distribuição de comida, nós registámos 1.300 feridos, 28 mortos, 70 crianças baleadas.
No meu último dia estive com duas crianças paralisadas, que vieram desses locais e os tanques abriram fogo sobre a multidão.
Há efectivamente a abertura de fogo, ou seja, tiros contra pessoas que vão buscar comida?
Exactamente, como lhe disse, atendemos 1300 pessoas feridas e 28 mortas em sete em sete semanas. Temos muito mais do que isso. Mas, este estudo refere-se a sete semanas. E 70 crianças baleadas.
Como é que se curam estas pessoas? Que tratamento é dado? Esse tratamento é suficiente para que uma grande parte não acabe por falecer?
Não, não é suficiente. Não há medicação suficiente. Nós estamos envolvidos na cirurgia ortopédica e no tratamento de queimaduras. Mas, por exemplo, a evacuação médica é uma coisa que é extremamente difícil. Há pessoas que estão na lista de espera há seis meses para sair de Gaza, que precisam de tratamentos que não estão disponíveis lá dentro e isso não acontece.
Depois, nestes hospitais públicos, as altas são muitíssimo antecipadas porque estão sempre pessoas a entrar. Portanto, as pessoas saem do hospital sem estarem em condições para ter alta e com risco altíssimo de terem infecções. Porque cá fora, toda a gente a viver em tendas, está toda a gente aglomerada num pequeníssimo espaço que não é de evacuação obrigatória.
Mesmo este espaço é atacado e bombardeado e não há comida. Portanto, nós no norte, nas nossas instalações, temos mais de 300 crianças, mais de 500 grávidas com malnutrição moderada a severa.
A questão da fome é uma questão que tem sido muitas vezes defendida por Israel, que diz ser propaganda por parte do Hamas. Você esteve no terreno. A fome é uma realidade em Gaza?
Sim, sim. E não é uma opinião, uma visão. Acabei de dar evidências. Nós temos mais de 300 crianças, mais de 500 mulheres grávidas em malnutrição moderada a severa, só nas nossas instalações em Gaza City. E já havia em Novembro.
Já agora, um aparte enquanto cidadão, [Benjamin] Netanyahu [primeiro-ministro de Israel] tem um mandado de captura pelo ICC [Tribunal Penal Internacional] por causa de usar a fome como arma de guerra.
As leis da guerra não são respeitadas.
Não, não são. Nós coleccionamos evidências que suportam a acusação de genocídio todos os dias: matança em massa de civis, deslocações forçadas, um comprometimento total das condições básicas da manutenção da vida, como é a falta da entrada de alimentos ou de água, de medicação ou de combustível.
Aqui também há a guerra das palavras. Acaba por ser, muitas vezes, criticada a utilização da...
Duration:00:09:58
“Angola tem capacidades para vencer este Afrobasket, mas tem que passar da teoria à prática"
8/14/2025
A selecção angolana regressa à quadra esta quinta-feira, 14 de Agosto, para defrontar a Guiné-Conacri, na segunda jornada do Afrobasket 2025. O campeonato africano de basquetebol masculino entra hoje no terceiro dia.
Angola defronta esta noite, 14 de Agosto, pelas 19h00 locais, a selecção da Guiné-Conacri, no Pavilhão Welwitschia, para a segunda ronda do Grupo C. O seleccionador angolano, Pepe Cláros, prometeu uma equipa competitiva.
Angola entrou no Afrobasquet a vender por 85-53 frente à Líbia. Todavia, os 12 atletas que defenderam as cores de Angola frente à Líbia não convenceram o seleccionador nacional. Pepe Clarós considerou o resultado enganador. Em declarações aos jornalistas, reconheceu a importância da vitória, mas lembrou que os jogadores “têm de jogar muito melhor”. Assinalou que foram cometidos “demasiados erros” e que, no terreno, muitos foram “os jogadores que não procuraram o bem comum”.
O próximo jogo dos angolanos está agendado para esta quinta-feira, 14 de Agosto, frente à Guiné-Conacri. A selecção da Guiné-Conacri que, na 1.ª jornada do Grupo C, surpreendeu e venceu o Sudão do Sul por 88-80.
Em entrevista à RFI, Osvaldo Bravo, jornalista da Rádio 5, acredita que o encontro desta noite será um teste para os angolanos, dividido em dois momentos distintos, sem esquecer que “Angola entra para este jogo avisada desta selecção da Guiné-Conacri, que surpreendeu o Sudão”.
Eu olho para este encontro frente à selecção nacional da Guiné-Conacri como um jogo com duas partes completamente diferentes.
O início vai ser carregado, um jogo onde teremos uma diferença na componente táctica.
Na segunda parte, frente à Guiné-Conacri, Angola vai tentar aproveitar a componente física, porque nós notamos que os nossos atletas estão muito bem fisicamente e, também, a experiência daqueles que militam nas principais equipas.
O Afrobasket 2025 chega a Angola num ano de forte carga simbólica, “porque é também o ano em que vamos festejar os 50 anos de independência nacional”. Para o jornalista, acolher a competição “demonstra o interesse da sociedade e da juventude angolana pela modalidade”.
Sobre a possibilidade de Angola vencer o Afrobasket 2025, Osvaldo Bravo é peremptório:
Angola tem grandes capacidades para vencer este Afrobasket, mas o vencer tem que sair da teoria para a prática.
Nós temos uma selecção com tradição a nível continental.
Nós temos uma selecção jovem, experiente, porque temos atletas que actuam nas melhores equipas do mundo.
Significa dizer que nós temos atletas que podem traduzir tudo isso, que é o nosso desejo, na quadra, vencendo a competição para que a cereja esteja, de facto, em cima do bolo.
Duration:00:08:53
Como adaptar as cidades às ondas de calor extremo?
8/14/2025
Perante os episódios de calor extremo cada vez mais recorrentes, como é que as cidades se podem adaptar? França viveu a 51ª onda de calor extremo desde 1947 e a segunda este verão. Os alertas vermelhos por causa do calor e do risco de incêndio multiplicaram-se em vários países europeus. Tendo em conta que as ondas de calor são uma consequência previsível do aumento dos gases com efeito de estufa na atmosfera, o que fazer e como proteger a população contra o calor extremo? Raquel Estrócio, arquitecta paisagista a viver em Paris, dá-nos algumas pistas.
RFI: Como é que as cidades, de uma forma global, se podem adaptar às ondas de calor extremo cada vez mais recorrentes? Qual seria a prioridade?
Raquel Estrócio, Arquitecta paisagista: “Usualmente, os projectos hoje em dia são feitos de forma a aumentar a vegetação nas cidades, sobretudo a nível arbóreo, colocar vegetação arbórea nas vias que não têm vegetação, aumentar as zonas e os pontos de água. Mas nem todas as cidades, nem todos os lugares podem abarcar com estas soluções. Portanto, algumas proteções físicas de toldos, de proteção específica em alguns lugares e alguns pontos de água para a população poder usufruir são essenciais.
Mas, sobretudo, olhando as cidades de uma forma global, terá que se integrar a vegetação e o planeamento urbano de outra forma. Por exemplo, no Sul de Portugal e em Portugal há cidades que vão ter que optar por um urbanismo mais norte-africano, indo buscar as soluções árabes de pátios, de ruas mais pequenas, em que a sombra é a prioridade, enquanto que aqui em França, por exemplo, a vegetação ainda é uma solução possível.”
Mas quando há períodos de seca, quando há estas ondas de calor, a vegetação também sofre, também seca, também precisa de água. Essa é uma solução durável?
“Por isso é que em Portugal, hoje em dia, as soluções terão que passar por essa reformulação do urbanismo e da escala urbana e da forma urbana, enquanto as soluções em França ainda podem passar pela vegetação. Contudo, a vegetação tem de ser adaptada porque a vegetação que era habitualmente usada, por exemplo, em Paris, não poderá ser a mesma. E aí ela tem que ser adaptada a estes extremos climáticos que, muitas das vezes, obrigam a usar uma vegetação que é mais do sul de França ou mais mediterrânica. Então é essa transformação que profissionais que trabalham o espaço urbano precisam de reflectir e mediante também as capacidades que as plantas têm porque as plantas também se adaptam, são seres vivos. Mas as culturas e as plantas utilizadas, para não utilizar tanta rega que é uma coisa que usamos muito em projectos de espaço público e vegetação, pode não ser utilizada e pode ser utilizada vegetação adaptada.”
Árvores mais propícias para combater, digamos assim, o aquecimento?
“Não é que combatam. Elas adaptam-se a essas alterações.”
Conseguem refrescar?...
“Há algumas que conseguem refrescar, mas, por exemplo, se pensarmos no Alentejo, nos sobreiros e nas azinheiras, a sombra não é totalmente refrescante, mas o clima, o solo e a possibilidade que a vegetação tem de sobrevivência também não é a mesma. Não podemos colocar uma vegetação do norte da Europa no sul da Europa, por exemplo.”
Mas podemos ir buscar os exemplos do Sul da Europa e do Sul, de África.
“Do Norte de África sim. Podemos usar os mecanismos urbanos de países que não necessitam de artifícios tecnológicos como o ar condicionado e evitá-lo ao máximo porque aumenta as emissões e aumenta o calor na cidade. Portanto, toda esta vegetação, que começa a progredir mais para Norte, pode ser adaptada e pode ser gerida aumentando a sombra, ela vai aumentar a capacidade de refrescar as cidades. Mas não podemos só pensar dessa forma. Temos que pensar que ela vai permitir a infiltração da água. Usar materiais também claros nas construções e no urbanismo também aumenta o albedo, aumenta a capacidade que a cidade tem em reflectir a luz solar.”
O que é o albedo?
“É o poder das superfícies de reflectir a luz solar.”
Nas...
Duration:00:13:14